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A herança da pandemia nos modelos de trabalho

Por a 8 de Novembro de 2022 as 13:06
Imagem de Karolina Grabowska por Pixabay

Imagem de Karolina Grabowska por Pixabay

O que está a mudar no mercado de trabalho? Que herança deixou a pandemia nos modelos de trabalho? Reunimos em 14 ideias as tendências do recrutamento em Portugal, com a ajuda de especialistas da Hays, Manpower, Michael&Page, Multipessoal e Randstad

 

  1. Flexibilidade e modelos remotos e híbridos

Para algumas empresas é apenas uma tendência, para outras está completamente fora de questão, mas uma coisa é certa: empresas pouco flexíveis, que rejeitam o teletrabalho e os modelos de trabalho híbridos, são cada vez mais rejeitadas pelos candidatos nas entrevistas de emprego. “Já não restam dúvidas que a flexibilidade ou o modelo híbrido continua a ser a preferência dos inquiridos nos vários surveys realizados”, indica Sara Zorro, manager sales & marketing da Randstad Portugal, em entrevista ao Hipersuper.
É uma das muitas consequências deixadas pela pandemia no mercado de trabalho. Para a responsável da Randstad, o modelo de trabalho que a potencial empregadora adotou ou pensa adotar, é mesmo um fator eliminatório nas entrevistas de emprego. “A flexibilidade neste campo é um fator determinante e quase tão importante como as condições financeiras. O impacto é de tal modo forte que existem recusas de continuidade nos processos de recrutamento por não estarem asseguradas estas condições”, sublinha.

Mas, porque é que a flexibilidade se tornou uma necessidade premente para muitos trabalhadores no pós-pandemia? Por um lado, porque regressar ao escritório a maior parte dos dias passou a ter impacto na gestão de tempo e nos custos diários, por outro, os trabalhadores perceberam que o trabalho remoto não tem influência na eficiência e na produtividade. “Ainda que, por vezes, a exigência do home office seja mal interpretada, ao ser percecionada com alguma desconfiança, esta atitude revela o compromisso dos trabalhadores com os seus objetivos e o cumprimento de deadlines”, frisa Sara Zorro, acrescentando que os trabalhadores conseguiram “encontrar uma condição que lhes permite maior foco e concentração, com menor tempo e até desgaste despendido na execução das suas tarefas”.

Mário Gonçalves, senior manager na Hays, lembra ainda que, após o período de pandemia, os trabalhadores e empregadores estão a lidar com temas complexos, como a crise de matérias-primas, o conflito na Europa e a crise energética. “Perante este enquadramento, o impacto que o mercado de trabalho vai sentir que possa ter consequências nos processos de recrutamento centra-se na definição de modelos híbridos de trabalho estruturados e claramente definidos, onde possa existir um equilíbrio entre as necessidades das empresas e a sua cultura empresarial com as motivações e expectativas dos profissionais. E ainda na forma como estes modelos possam ser apelativos para a captação e retenção de talento nas organizações”.

Quando pensamos na ótica do trabalhador, a possibilidade do trabalho remoto ou híbrido apresenta-se como uma variável crítica também por uma questão económica, avança Mara Martinho, consultant retail da Michael Page. “É importante que as empresas continuem a ter esta possibilidade em aberto como forma de reter as atuais equipas e integrar novos colaboradores mais motivados, num mercado cada vez mais competitivo”. “Olhemos então para o horário laboral como forma de rentabilidade e cumprimento de objetivos e não como horas para cumprir”, aconselha.

 

  1. Há vida além do trabalho

Work-life balance. Esta é mais uma consequência da pandemia: os trabalhadores, sobretudo os mais jovens, recusam longas jornadas de trabalho no escritório e impõem limites, mas isso não significa que são negligentes na execução das tarefas. “A pandemia permitiu-nos reavaliar as nossas motivações e as mudanças que necessitamos. E a imposição de limites está associada ao work-life balance, tão valorizado há alguns anos, mas que ganhou mais voz”, confirma a manager sales & marketing da Randstad. “Independentemente da faixa etária, os profissionais recusam longas jornadas de trabalho no escritório e processos de recrutamento para empresas conhecidas por esta prática”, porque os “impede de fazer outras atividades igualmente importantes para o seu desenvolvimento cognitivo e equilíbrio sócio emocional”.

 

  1. Candidatos com maior poder de escolha

Teresa Fernandes, national senior manager de Recrutamento e Seleção na Multipessoal afina pelo mesmo diapasão: “Todos nós já sentimos o impacto da nova realidade do mercado e, hoje, não há dúvidas de que a flexibilidade, em termos de local e de horário de trabalho, se tornou um dos benefícios mais valorizados pelos profissionais”. Os profissionais adaptaram-se de forma “rápida e natural” a modelos de trabalho remoto e híbrido e, por isso, estes regimes vieram para ficar, considera a especialista. “Sem colocar em causa a produtividade, as pessoas perceberam que conseguem desempenhar as suas funções à distância, enquanto usufruem de um maior equilíbrio entre a vida pessoal e a vida profissional”.

Esta é uma tendência notória nos processos de recrutamento, sublinha Teresa Fernandes. “A questão mais colocada pelos candidatos antes de tomarem uma decisão prende-se precisamente com a possibilidade de abraçarem o projeto num formato 100% remoto ou híbrido. Num momento em que o mercado de trabalho, cada vez mais competitivo, pende a favor dos profissionais, as empresas têm de considerar e saber acomodar as suas preferências e prioridades individuais, sob pena de não conseguirem atrair e reter os melhores talentos”, defende a responsável.

E é por tudo isto que, como explicaVitor Antunes, managing director da Manpower,  os candidatos e trabalhadores têm maior poder de escolha atualmente. “Os trabalhadores procuram mais flexibilidade, autonomia, assim como um maior equilíbrio entre o âmbito profissional e pessoal. As empresas que quiserem prosperar e ter êxito na atração de talento de topo devem, por isso, procurar ajustar as suas propostas de valor de empregador, alinhando-as com as atuais preferências dos trabalhadores”.

 

  1. Empresas mais humanizadas e sofisticadas

    Imagem de Malachi Witt por Pixabay

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Organizações mais alerta e preocupadas com o bem-estar dos trabalhadores é uma tendência que ganhou músculo com a pandemia. “O foco no well-being e na saúde mental é determinante para as organizações, sendo um dos vetores fundamentais e que os profissionais valorizam”, sublinha o senior manager na Hays.

Por outro lado, as organizações estão a tornar-se mais sofisticadas e a adotar medidas adicionais de gestão do risco, no sentido de otimizarem a sua resiliência, num cenário de Volatilidade, Incerteza, Complexidade e Ambiguidade (VUCA), afirma, por sua vez, Vitor Fernandes. “A pandemia expôs a fragilidade das cadeias de abastecimento modernas e tornou as empresas mais conscientes de uma gama mais vasta de ameaças que enfrentam”. As empresas estão a responder “revendo o seu mix de produção em on-off e em near-shoring e a procurar novas formas de responder à procura dos consumidores por produtos mais sustentáveis, através da inovação digital”, explica o managing director da Manpower.

 

  1. Repensar processos e metodologias

Do lado das empresas, observa-se uma reorganização das prioridades e das próprias estruturas, de forma a dar resposta à nova realidade que se vive no mercado. “Surgiu a necessidade de criar novos modelos muito mais centrados nas pessoas, em ambientes híbridos, e projetando o trabalho em torno da flexibilidade, relação humana e liderança”, sustenta Teresa Fernandes. “Ficou claro que, mesmo à distância, os colaboradores são capazes de desenvolver as suas funções com a produtividade, eficácia e eficiência necessárias para garantir a continuidade dos negócios”. A transformação acelerou e desenvolveu a capacidade de adaptação, a flexibilidade, os conhecimentos tecnológicos, a capacidade de resolução de problemas, a gestão remota de equipas, a criatividade, a aprendizagem contínua, a comunicação eficaz, entre outras.

“Posto isto, e havendo pressão por parte dos profissionais para tornar permanentes algumas das mudanças impostas pela pandemia , as organizações viram-se forçadas a repensar vários processos e metodologias que nunca tinham sido questionados, não só porque se tornaram obsoletos, mas também porque já não se coadunam com as expectativas dos colaboradores”, destaca a national senior manager na Multipessoal.

 

  1. Funções mais procuradas

De acordo com o Talent Shortage Survey, um estudo levado a cabo pelo Manpower Group, as quatro funções mais procuradas pelos empregadores portugueses são: IT & tratamento de dados, operadores de produção, distribuição logística e comerciais. Todas estas funções dizem respeito aos setores de retalho, indústria e logística. “A razão para isso está ligada à transformação dos processos operacionais, dos modelos de negócio e da exigência do cliente ao nível da sua própria experiência de consumo”, explica Vitor Antunes, acrescentando que “tudo é exponenciado pela introdução de mais processos digitais, que encurtam ainda mais o ciclo de competências e fazem com que as organizações procurem alternativas no mercado de candidatos”.

 

  1. Perfis cada vez mais especializados

A procura por perfis especializados acentuou-se. Entre os mais procurados estão os vocacionados para o marketing digital, e-commerce, customer service, operações logísticas e supply chain e perfis tecnológicos. “No retalho per si, são cada vez mais procurados os perfis que detenham conhecimentos operacionais de venda omnicanal, relacionados com trocas, devoluções, gestão de stocks, artigos entregues em loja, e também que pensem estrategicamente – aqui mais os perfis de topo – naquilo que podem oferecer ao cliente como solução diferenciadora”, revela Margarida Monteiro, consultant retail da Michael Page. “Começam também a a crescer os perfis de marketplace e operações logísticas, pois deixámos de ter apenas o canal de fornecimento em loja, para maioritariamente recebermos o produto nas nossas casas”. Perfis digitais, como Traffic Aquisiton, SEO, CRM, automação, entre todos os perfis tecnológicos que perfazem a evolução do processo de compra e venda, ganham relevância nos processos de recrutamento.

 

  1. Competências que fazem a diferença

    Imagem de StartupStockPhotos por Pixabay

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As competências de relacionamento interpessoal (soft skills) estão a ganhar um peso acrescido nos processos de recrutamento porque permitem humanizar os locais e os modelos de trabalho que são cada vez mais automatizados e digitais, frisa Vitor Antunes, managing director da Manpower. A empresa especializada em recrutamento especializado perguntou a 40 mil empregadores, no âmbito do “Talent Shortage Survey”, do ManpowerGroup, quais as competências que mais procuram. Em primeiro lugar, destacaram-se a confiança e autodisciplina, em segundo a resiliência e a adaptabilidade, em terceiro o raciocínio lógico orientado à resolução de problemas, em quarto a criatividade e a originalidade e, por último, o pensamento crítico e analítico. “Esta mudança nas preferências dos empregadores materializa a existência de um ciclo de competências cada vez mais curto, como forma de resposta a novos modelos de trabalho e às transformações nas organizações”, defende Vitor Antunes. A primeira consequência desta realidade, está bem visível nas conclusões do referido estudo que, na última edição, revelou que, a nível global, 75% dos empregadores têm dificuldade em preencher as vagas que lançam no mercado. Esta percentagem representa um aumento de 6% face aos resultados da edição anterior. “Em jeito de curiosidade, em Portugal esse indicador é de 85%”, atira o líder da Manpower.

 

  1. Escassez de profissionais

As alterações demográficas têm potenciado “a escassez de talento e a tensão social, alimentada pelo crescente fosso nas condições e perspetivas de quem tem as competências mais procuradas versus aqueles que estão a ficar para trás”. A aposta na capacitação do talento, mediante o upskill e reskill de trabalhadores é, por isso, um eixo de atuação fundamental para empresas e economias como um todo, defende Vitor Antunes.

A falta de trabalhadores está relacionada com o perfil demográfico do nosso país. De acordo com os Censos 2021, Portugal registou um decréscimo populacional de 2,1% na última década. “Se combinarmos estes dados com a crescente intenção de criação líquida de emprego, a resposta é que necessitamos de recorrer a pools alternativas de talento que nos permitam fazer face à nossa crescente necessidade de trabalhadores”, adivinha o responsável.

 

  1. Desafios do recrutamento no exterior

“Transversalmente, continuamos a assistir à escassez de profissionais, nomeadamente em áreas técnicas, fruto da incapacidade que tem existido para formar profissionais em quantidade suficiente para dotar o mercado de trabalho da quantidade e qualidade necessárias para dar resposta às transformações que se têm verificado”, salienta o gestor da Hays.

Nos próximos anos, poderemos assistir à necessidade de importar mão de obra qualificada para dar resposta à evolução do mercado de trabalho, antevê Mário Gonçalves.

O recurso a trabalhadores estrangeiros obriga a que olhemos para matérias relacionadas à sua integração na sociedade e essa deve igualmente ser uma responsabilidade partilhada por empregadores, candidatos e poder político, aconselha o managing director da Manpower.

 

  1. Retenção de talento

Mais do que o salário, que continua a pesar “bastante” na retenção de talento, benefícios como o trabalho remoto, prémios de desempenho, seguro de saúde extensível à família e automóvel, são alguns dos benefícios mais pedidos e valorizados pelos trabalhadores.
“As chefias diretas continuam a ter também um peso preponderante na retenção e, principalmente no retalho e na logística, setores que sofrem de uma pressão muito grande, onde quem gere tem de filtrar informação, adaptá-la, saber ouvir, motivar e como motivar”, frisa Margarida Monteiro, consultant retail da Michael Page. “Pensar num setor que se modifica ao segundo, feito de tendências, quem nele está tem de ser um adaptador nato a tudo isto”. “No entanto, nem sempre é fácil gerir frustrações, pressões, stress, entre outros, e sem uma equipa coesa – igualmente importante no ambiente de trabalho – e uma chefia que está 100% alinhada com os seus colaboradores e com a sua visão, mais difícil se torna a retenção”, acrescenta.

 

  1. Transformação digital soma e segue

    Imagem de Gerd Altmann por Pixabay

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A transformação digital continua a acelerar a um ritmo sem precedentes. As empresas estão a apostar na digitalização dos seus modelos de negócio e da experiência do consumidor e devem procurar alcançar o equilíbrio certo entre talento e a tecnologia, aconselha o managing director da Manpower.

“No setor do comércio, a mudança dos hábitos dos consumidores para o online, acelerada pela pandemia, passaram a exigir a transformação digital do setor como um todo e uma maior preparação das empresas a nível do talento disponível para responder a estes e outros novos desafios”. As empresas procuram hoje talento para cargos cada vez mais especializados e de carácter digital, assim como profissionais ligados ao last mile delivery, refere Vitor Antunes.

Também a cadeia de abastecimento assiste a uma “acelerada transformação”, através da introdução de mais tecnologia em cada fase do processo. “A resposta imediata será o aumento do e-commerce face às lojas físicas, com transformação de fases como o planeamento da procura, a distribuição e logística ou o apoio ao cliente”, enumera o gestor.

 

  1. Globalização do mercado de trabalho

Para Teresa Fernandes, uma das tendências mais interessantes que resultou da pandemia foi a dissipação das fronteiras físicas e a consequente globalização do mercado de trabalho. “Com a adoção de modelos de trabalho remoto, muitos profissionais perceberam que se abriram novas possibilidades para abraçar projetos em empresas internacionais, sem terem de sair do seu país. Para determinados perfis, é possível, por exemplo, usufruir da qualidade de vida superior num determinado local, enquanto se tem acesso a propostas e pacotes remuneratórios bastante mais atrativos”, exemplifica a gestora da Multipessoal.

 

  1. Sistema de trabalho em freelance

Iremos assistir a um crescimento do trabalho em sistema de freelance, principalmente em determinadas funções e departamentos das organizações, prevê Mário Gonçalves. “A pandemia trouxe a necessidade de aprendizagem permanente e adaptação à mudança, fruto de toda a incerteza e das alterações que existiram e demonstraram que esta vertente é determinante para as organizações e para o desenvolvimento dos profissionais”, termina o responsável da Hays.



*Artigo originalmente publicado na edição 406

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