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O ciclo de produção da Adega de Palmela

Por a 30 de Setembro de 2022 as 16:56

adegadepalmelaFomos conhecer o ciclo de produção da Adega de Palmela, desde o protocolo de vinificação, definido muito antes da vindima, passando pelo processo de fermentação e envelhecimento, até ao engarrafamento do vinho

Por volta das seis da manhã já estavam todos a pé. A equipa, constituída maioritariamente por familiares e amigos, encontrava-se junto às videiras para dar início à colheita na data fixa atribuída à vindima. Às mulheres cabia a função de colher manualmente as uvas. Aos homens, transportar os pesados cestos de vime no topo da cabeça, devidamente protegida com panos enrolados, para dentro das carroças. Quem não podia faltar era o acordeonista para “animar a malta” e manter de olhos bem abertos quem trabalhava numa atividade que se estendia noite dentro. Para sobreviveram ao sol e ao calor, ao homem mais robusto era atribuída a tarefa de transportar um pesado pote de barro cheio de água e, através de uma única colher (em formato de concha), hidratar os colegas de equipa. A meio da manhã, era preciso ir comer a bucha para não sentir fraqueza, sempre acompanhados pelo som do acordeão. Terminada a apanha da uva, as carroças eram empurradas pelos homens até ao lagar (a maior parte das vezes, de um familiar ou amigo) e começava o “pisa a pé” que se estendia noite fora.

O retrato é feito por Teresa Grilo, responsável pelo enoturismo da Adega de Palmela, para ilustrar como a colheita, ou vindima, das uvas evoluiu muito nos últimos 20 a 30 anos. Hoje, não há uma data fixa para o início da vindima, pelo contrário esta é calculada com muita precisão tendo em conta o grau de maturação da uva e em função do perfil de vinho definido previamente. A apanha da uva é totalmente mecanizada, com a exceção das vinhas velhas que dão origem a vinhos diferenciados. O transporte da uva passou a ser feito em tratores ou outros veículos agrícolas motorizados e as uvas já não vão para os lagares de família, mas para as adegas, atualmente dotadas de tecnologia de última geração. A evolução estende-se à própria comercialização do vinho que passou de ser vendido a granel, em garrafões de vidro revestidos a verga e, mais tarde, em garrafões de vidro revestidos por plástico rijo com o formato entrançado da verga, para as garrafas de vidro e os bag-in-box.

Eng. Luís Silva_Adega de Palmela“Aquilo que a natureza dá também tira”

Quando, em 2009, o engenheiro Luís Silva assumiu as funções de enólogo e gerente da Adega de Palmela, começou a incutir nos associados da adega cooperativa – atualmente, são 300 com cerca de mil hectares de vinha – a filosofia de que a vindima não pode ser iniciada numa data fixa. Como o próprio explica, em entrevista ao Hipersuper, a data da vindima deve de ser calculada com muita precisão. “Esse cálculo é feito no laboratório. Da mesma casta podemos ter perfis de vinho diferentes em função do grau de maturação da uva. Ou seja, no dia de vindima já temos um protocolo de vinificação previamente definido em função de querermos um vinho mais ou menos maduro, com mais ou menos cor ou com mais ou menos intensidade”.

Este ano, a campanha começou a 22 de agosto e também não é certo quando irá terminar. Até ao lavar dos cestos é vindima, já dizia a sabedoria popular. Luís Silva tem apenas uma certeza: Este ano, a vindima vai ser mais curta porque há menos matéria-prima nas cepas. São esperadas quebras de 30% de produção para as duas castas rainha da Península de Setúbal, Castelão (tintos) e Moscatel (brancos).

“Aquilo que a natureza nos dá também tira”, nas palavras do enólogo. “E a natureza este ano não nos deu muita coisa. Inicialmente prometeu muito, porque o nascimento foi bom, mas os calores intensos de julho provocaram escaldões na nossa região, sobretudo em duas castas: castelão e moscatel, as mais representativas e simbólicas da região”.

A adega recebe, em média, 10 milhões de quilos de uva por campanha e este ano vai receber “seguramente” menos dois milhões de quilos, nas contas de Luís Silva. “Dos nossos 300 associados, a grande maioria participou a ocorrência de escaldão e mais de 100 fizeram participação ao seguro de forma a minimizar o prejuízo”.

Quando os veículos dos associados entram com a matéria-prima na Adega de Palmela dirigem-se à área do refratómetro e de pesagem. Através de uma grua, é retirada uma amostra do sumo que se formou com o baldear da matéria-prima para o interior do veículo e com a trepidação do transporte, para definir o grau provável de teor de açúcar da uva. Consoante o resultado, o condutor recebe um ticket numerado de 1 a 4. Feita a triagem e depois da carga pesada, o condutor dirige-se a uma grande estrutura de inox, dividida em quatro tegões, e deposita as uvas no tegão correspondente ao número do ticket recebido.

Além do teor de açúcar da uva, a tabela de valorização da matéria-prima tem em consideração outros fatores, como o peso, a produtividade, a casta e o estado sanitário, entre outros. “O refratómetro é apenas um elemento deCave (2) orientação”, salienta o enólogo.

Cada tegão é dotado de um mecanismo para fazer o desengace (separar as folhas e ramos dos bagos). O desengace segue, depois, por uma estrutura rolante para um campo aberto para mais tarde ser aproveitado pelos associados para fertilizar o chão das vinhas. As uvas, por sua vez, são esmagadas, e o mosto resultante segue caminho através de tubos aéreos para as cubas de fermentação, onde permanecem alguns dias neste processo de ebulição. Concluído o processo de fermentação, o vinho segue, novamente, por tubos aéreos e subterrâneos para os grandes depósitos ou balões de pedra com capacidade para cerca de 400 mil litros ou, no caso dos vinhos amadeirados, para as barricas de carvalho onde vão estagiar até estarem prontos para o engarrafamento.

A fábrica da Adega de Palmela tem cinco linhas de produção, duas para “bag in box” e três para engarrafamento, com capacidade para 10 mil garrafas por hora, fruto do investimento feito em tecnologias de automação.

É na Cave de Barricas que os moscatéis e os vinhos tintos especiais são envelhecidos em barricas de carvalho americano e francês. A sala abriga cerca de 600 barris com capacidade para 225 litros cada. A cave alberga ainda a Sala do Arquivo, um arquivo vivo de todos os lotes que saem para o mercado uma iniciativa do enólogo Luís Silva quando chegou a adega, em 2009.

Projeto pioneiro aproveita carbono para produzir microalgaCave (2)

A Adega de Palmela tem 12 grandes depósitos de pedra, um deles desativado, que dará lugar a uma loja, assim a administração consiga reunir o investimento necessário. “Já temos o projeto de arquitetura, só falta reunirmos o dinheiro necessário para construir a loja”, afirma Ângelo Machado, administrador da Adega de Palmela, ao Hipersuper.

É que, nos últimos anos três anos, a Adega investiu cerca de 650 mil euros em projetos de sustentabilidade e modernização do processo de vinificação, que são atualmente as áreas prioritárias dos projetos de investimento.

Na área da sustentabilidade, a adega deu início a um projeto de produção de energia renovável com a instalação de 1.420 painéis solares com uma potência instalada de 327kw/hora e adquiriu uma viatura elétrica, carregada através do sistema próprio de produção de energia. Além disso, investiu na aquisição de uma prensa quer permite tirar mais partido do bagaço (refugo), diminuindo o desperdício no processo de vinificação. “Com a prensa antiga, perdíamos 35% de líquido que ia agarrado às películas, com a nova reduzimos esse número para 10%”, detalha o administrador.

A Adega de Palmela foi também a primeira cooperativa do País a receber nas instalações uma estação experimental que faz o aproveitamento do carbono libertado na fermentação dos vinhos transformando-o em biomassa de microalga, nomeadamente a chlorella, que é matéria-prima para as áreas de saúde, cosmética e biorrefinaria, entre outras.

O projeto “correu bem” e o próximo passo, disse Ângelo Machado ao Hipersuper, é a construção de uma “estação piloto com cerca de mil metros quadrados para aumentar a área de exposição solar”. Além do CO2 gerado durante a fermentação da uva, “vamos reaproveitar as águas que resultam das lavagens da adega de forma a recuperar todos os nutrientes que residem nessas águas” e que fortalecerão o crescimento da chlorella. “É uma forma de limparmos os nossos esgotos, apesar de em termos de produtos químicos a presença ser residual, esta água resulta sobretudo da lavagem de garrafas”, especifica.

Este projeto europeu, financiado a 100% por apoios comunitários e que envolve universidades alemãs e holandesas, arranca na Adega de Palmela com o objetivo de ser replicado em outras adegas. “Já existem projetos desta natureza em muitas áreas industriais, mas não na área da viticultura”, esclarece o responsável.

Novas castas para conferir complexidade aos vinhosCave (3)

A Adega de Palmela iniciou a sua atividade em 1958 com apenas 50 associados e uma produção próxima dos 1,5 milhões de litros. Mais de 60 anos depois, conta com cerca 300 associados que cultivam uma área de 1.000 hectares. Com uma produção anual média de oito milhões de litros, 70% correspondem a vinhos tintos, 25% a vinhos brancos e 5% a Moscatel de Setúbal.

Integrada na Região Demarcada da Península de Setúbal, a cerca de 40 quilómetros da capital do País, produz oito marcas: Vale dos Barris (100% moscatel), Adega de Palmela DOC, vinho regional Palma, Vale dos Touros DOC, Villa Palma DOC, Moscatelito, Pedras Negras (vinho de mesa) e Amus (aguardente).

O terroir onde estão instaladas as vinhas da Adega de Palmela confere aos vinhos um perfil exclusivo caracterizado pelas planícies arenosas e marcado pela proximidade do Oceano Atlântico, dos rios Tejo e Sado e da Serra da Arrábida. Estes fatores geram um microclima especialmente favorável para a produção das castas Castelão, Fernão Pires e Moscatel, típicas da região, embora, nos últimos anos, a estratégia tenha passado pela diversificação das castas para produzir vinhos com maior complexidade, mas mantendo na base as castas rainha da região.

“A adega esteve durante muitos anos virada para o negócio da venda de vinho a granel, tinha alguns engarrafados, sobretudo primeiros preços. Nos últimos anos, adotámos uma nova filosofia que se materializou na restruturação das vinhas”, conta o enólogo Luís Silva, acrescentando que a intenção passa por manter o encepamento tradicional, as castas Castelão, Fernão Pires e Moscatel mas, ao mesmo tempo, renovar as vinhas com variedades que permitem trazem valor acrescentado, como são exemplo a Touriga Nacional, Syrah, o Alicante, o Verdelho e o Viosinho.

“Este é, no entanto, um resultado que se vê a médio e longo prazo porque uma vinha leva dois, três anos até produzir e cinco anos para produzir em velocidade cruzeiro. O que decidimos agora só se vai refletir daqui a dez anos”, declara o enólogo, acrescentando que estas novas castas constituem matéria-prima essencial para elaborar vinhos diferentes. “Aquilo que foi decidido em 2009, quando cheguei à adega, só agora começa a dar condições para fazermos vinhos diferentes. Com estas novas castas começámos a fazer vinhos premium, alargando o nosso portefólio”.

Esta reestruturação das vinhas teve como consequência um rebranding da marca Palma, quer tinha vinhos de primeiro preço. “Apesar de ostentar o nome da adega e o nome da região, era o vinho mais barato. Não fazia muito sentido. Por isso, mudámos a marca e mantivemos a qualidade e o preço, reservando para a marca Palmela os vinhos mais premium”, declara o enólogo.

“Estamos a reunir os reservas mais antigos sob a umbrela da marca Adega de Palmela. A aposta vai agora para o lançamento de colheitas selecionadas”, acrescenta Susana Madeiras, diretora comercial da adega.

Vale dos Barris: A estrela da companhiaDiretora Comercial Adega de Palmela_Susana Madeiras

O vinho mais vendido da Adega de Palmela é o moscatel Vale dos Barris Branco, um produto jovem e descomplicado que sofreu um rebranding com o objetivo de conquistar um público mais jovem. “Este vinho foi distinguido no final de 2021 como o melhor da região pela CVR de Setúbal, um prémio importante de reconhecimento do nosso trabalho”, lembra a responsável.

É, no entanto, o Moscatel de Setúbal que faz a diferença nos certames internacionais, salienta a responsável que há cerca de três anos saiu da Sonae para abraçar o projeto da adega. “Na altura, os consumidores associavam a adega produtos com qualidade a preços baixos. Decidimos, por isso, elevar a fasquia: melhorar a qualidade dos vinhos, conferir-lhes mais madeira, rejuvenescer os rótulos e apostar em vinhos premium”. Exemplo disso é o lançamento do Adega de Palmela Reserva Tinto DOC, que combina quatro castas, e do monocasta Adega de Palmela Reserva Branco Galego Roxo.

O canal da moderna distribuição representa 87% das vendas da adega. Daquele valor, 45% dizem respeito a marcas próprias exclusivas feitas para as grandes cadeias de super e hipermercados. A restante fatia segue para distribuidores de menor dimensão e para a restauração. “Recentemente contratámos um vendedor regional para dinamizar o canal horeca”.

A exportação representou em 2021 cerca de 13% do volume de negócios da adega, duplicando face ao ano anterior. Em 2022, deverá igualar o valor do ano passado, prevê a diretora comercial. França é o maior mercado internacional. A adega exporta ainda as suas marcas para a China, o Brasil, a Alemanha e a Rússia.

A  adega registou um volume de negócios de sete milhões de euros no ano passado. Susana Madeira prevê que, este ano, a faturação se mantenha em linha. “A gestão da falta de matéria-prima subsidiária – garrafas, rótulos, entre outras – é uma luta diária. Temos o vinho, mas não temos o material para engarrafar. Isto tem impacto no volume de negócios, embora a previsão seja fechar este ano com um valor em linha com o ano anterior”, termina a responsável.

Já este ano, a adega começou a aposta no enoturismo não só para diversificar as fontes de receitas como para promover a rota de vinhos da Península de Setúbal.

*Artigo originalmente publicado na edição 406 do Jornal Hipersuper

 

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