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Instabilidade leva a seleção criteriosa de investimentos

Por a 13 de Maio de 2022 as 17:04

peas-g628490014_640A incerteza quanto ao futuro não está a atrasar os planos de expansão das empresas de congelados, mas sim a obrigá-las a definirem critérios mais rigorosos. Porque qualquer operação tem de ser sustentável

A pandemia alterou o comportamento de compra dos consumidores e afetou o negócio das empresas que atuam no setor dos congelados? A resposta inevitável é “sim”. O negócio foi impactado. Quer pela pandemia, pela atual instabilidade política, mas, também, pelo aumento dos preços da energia e das matérias-primas. E, embora 2021, tenha registado, pelo menos para a Riberalves, valores acima de 2020, ainda estão abaixo de 2019. Já o grupo Brasmar registou uma faturação consolidada próxima dos 240 milhões de euros, valor que, segundo o CEO do Brasmar Group, Sérgio Reis, foi o melhor ano de vendas do grupo. Já os dados provisórios do grupo Frip, em 2021, traduzem-se num volume de negócios de 43 milhões de euros, uma melhoria face aos dados consolidados de 2020 que se cifaram em 42,6 milhões de euros. E se a Soguima, por seu lado, conseguiu aumentar em 28% o volume de negócios, a Sr. Bacalhau, sem divulgar números exatos, afirma ter registado alguma recuperação no passado, quando comprado com os números de 2020, tendo faturado 75 milhões de euros.

Mas, qual o real impacto da instabilidade atual? Essa é uma conta difícil de fazer. Mesmo porque, como refere Ana Monteiro Castro, marketing specialist da Soguima, “não conseguimos refletir na mesma proporção esse agravamento das matérias-primas, subsidiárias e serviços subcontratados, sendo a consequência imediata a diminuição da nossa margem comercial e contabilística”. A que se junta uma outra consequência: a de haver uma maior seleção dos artigos em função do preço de venda.

Ao que João França, administrador do grupo Frip, acrescenta o aumento do preço de venda ao consumidor já de si confrontado com a perda do poder de compra, com o impacto e a instabilidade do mercado a afetar fortemente a decisão da compra e o regular abastecimento.

Sérgio Reis, por sua vez, lembra que os aumentos significativos nos preços que estão a ocorrer causam sempre impacto no negócio no curto ou no médio prazo, embora os comportamentos de compra possam ser um pouco diferentes consoante o tipo de produtos. “Com um aumento significativo de preços há uma tendência de diminuição do consumo, sendo que, em alguns casos, pode ocorrer uma migração do consumo para outras espécies alternativas mais económicas”, constata o CEO do Brasmar Group.

“A inflação irá aumentar os custos dos produtores, dos retalhistas e impactar o poder de compra dos consumidores. O regresso aos níveis normais de vendas, após um período de aumento durante a pandemia de Covid-19, e uma maior pressão sobre o poder de compra levarão os consumidores, nomeadamente aqueles com rendimentos mais baixos, a procurar produtos mais baratos e promoções”, avalia Ana Gamelas, do departamento de marketing da Sr. Bacalhau.

“As últimas semanas trouxeram um aumento generalizado dos custos operacionais. Inicialmente, os custos de trabalho tiveram um aumento relevante, posteriormente tem-se verificado um aumento generalizado de outros custos, em particular o custo da energia, que, devido ao contexto externo, mas também devido ao contexto interno, tem tido subidas significativas e está a provocar grande impacto na nossa atividade”, afirma Ricardo Alves, administrador da Riberalves, acrescentando que o mesmo se tem verificado no aumento “significativo” das matérias-primas, “devido a um rápido aumento da procura que a oferta não conseguiu, ainda, acompanhar”. E todos estes aumentos têm um impacto significativo no negócio, dado que, refere Ricardo Alves, provocam uma “subida de custos e quebra de rentabilidade, uma vez que não conseguimos passar todos os aumentos para os clientes. Ou seja, é a indústria que está a fazer um grande esforço e a absorver parte destes custos”, garante. Situação que obrigou a empresa a aumentar a tabela de preços em cerca de 10% no ano passado, aumento esse que, nas palavras do administrador da Riberalves, refletiu apenas parte desse crescimento de custos, sendo que provavelmente o mesmo acontecerá este ano. “Teremos naturalmente de ajustar os preços devido ao contexto referido anteriormente. É um processo dinâmico. Será necessário perceber qual o impacto que a conjuntura terá na procura e ir ajustando”, afirma Ricardo Alves.

A subida dos preços variou de produto para produto, lembrou Sérgio Reis, acrescentando que os fatores das subidas foram diversos, no entanto, o aumento exponencial dos custos dos transportes marítimos foi transversal a uma grande parte das espécies, tendo este, pesos diferentes consoante a origem do produto.

 

Qual a passagem de custo para o cliente?

“A escalada de preços iniciou-se com o aumento dos custos logísticos resultantes dos fatores energéticos, fundamentalmente ao nível do transporte marítimo e não tanto no aumento do custo das matérias-primas”, afirma João França, acrescentando que a escalada foi transversal afetando todas as variáveis de custo, matérias-primas, matérias subsidiárias, especialmente materiais de embalagem, custos energéticos, custos com pessoal, entre outros. E, embora, tenha havido “um esforço de contenção no ajustamento dos preços à custa de perda de margem líquida” por parte das empresas do setor, verificou-se, no início do segundo semestre de 2021, a necessidade de aumento de preços. Sendo que este aumento “variou entre os 5 e os 10%, dependendo do segmento de produto na categoria de congelados”.

A Soguima emitiu uma opinião semelhante. Segundo a empresa, foi necessário atualizar os preços, mas não de forma generalizada. Isto porque havia contratos estabelecidos no início do ano com alguns clientes, nomeadamente com a moderna distribuição, “pelo que o efeito consolidado dessa subida sai distorcido”, constata Ana Castro.

E se, no ano passado, a atualização dos preços foi provocada pela pandemia de Covid-19, a atualização realizada este ano prende-se com o efeito da escalada da guerra na Ucrânia.

A isto, João França acrescenta que, embora a situação que ocorre na Europa do Leste agrave substancialmente a situação, “era expetável e sentido o aumento brutal em alguns fatores de produção/logística (especialmente os energéticos), em resultado da política energética seguida pela maioria dos países ocidentais”. Sendo que, consequência da pandemia, houve uma redução drástica da produção, com reflexo direto na diminuição significativa ao nível da oferta. Tudo isto leva a que João França acredite que “os preços não vão parar de subir e de forma significativa nos próximos tempos”.

E vão subir especialmente o preço dos produtos importados, em muito associados ao aumento do preço do combustível, bem como aos problemas globais que se vivem em termos de transportes de bens e matérias-primas”, acrescenta Ana Gamelas.

Sérgio Reis afirma que o grupo continua a sentir uma instabilidade muito alta ao nível dos transportes, nomeadamente marítimos, que se traduz num aumento muito significativo do seu custo (há origens nas quais o custo do contentor multiplicou por seis vezes e até mais), a que acresce a própria indisponibilidade de contentores ou espaços nos navios. “Isto traduz-se em fortes atrasos nos embarques e, consequentemente, em atrasos na chegada da mercadoria que acaba inevitavelmente em ruturas de stocks e, também, em perdas de vendas”, constata.

No caso da Riberalves, fatores como o aumento da matéria-prima, dos custos do trabalho e o aumento muito significativo dos custos energéticos e dos combustíveis estão a penalizar a rentabilidade da empresa. Isto porque, como lembra Ricardo Alves, a empresa trabalha com uma matéria-prima 100% importada e exporta cerca de 30% da sua produção. “Temos, por isso, toda uma operação logística fortemente impactada pelo aumento dos preços dos combustíveis, por exemplo. É praticamente impossível passar todo este impacto para os clientes”, refere o administrador.

O mesmo aconteceu com a Soguima. A rentabilidade da operação foi afetada negativamente dada a impossibilidade de refletir tais impactos no preço de venda aos clientes.

João França, por seu lado, aponta que a rentabilidade da operação depende da elasticidade da procura e afirma que tudo dependerá de até onde será sustentável o aumento de preços.

 

Estratégias para o futuro

Todo este cenário de estabilidade condiciona a definição de estratégias para o futuro. Porque, como Ana Castro, o aumento dos preços teve como consequência direta a redução do rendimento disponível dos consumidores, obrigando estes a optar por soluções mais “amigas” da carteira. Isto leva a que as empresas tenham de ser mais seletivas nos seus investimentos. “Não deixando de fazer aqueles que contribuam para o aumento de valor para a empresa como, por exemplo, os que estão associados à qualidade do produto e serviço ao cliente”, realça, no entanto, a responsável da Soguima.

João França tem uma visão ligeiramente diferente. O administrador do grupo Frip considera que as suspensões dos investimentos não devem depender do aumento de custos, mas, sim, se a sua rentabilidade estiver em causa. “É um facto que a situação atual não convida a investimentos, mas o mais importante é perceber se a mesma resulta de aspetos estruturais ou conjunturais”, afirma.

A tudo isto, Ricardo Alves acrescenta que há, ainda, que contar com um aumento das taxas de juro, o que leva, inevitavelmente, a que os consumidores tenham menos dinheiro disponível. No caso específico do consumo de bacalhau, nas últimas décadas tem demonstrado resiliência. “A nossa expectativa é que exista um ajuste, mas que o bacalhau não seja dos setores mais afetados”, aponta Ricardo Alves, acrescentando que a estratégia da empresa não passa por suspender planos de investimento, mas sim, eventualmente, de reprogramar alguns, em função da estabilização dos custos.


O poder da inovação

Numa fase em que o poder de compra dos consumidores está a diminuir, obrigando a escolhas mais “inteligentes”, o papel das marcas passa, também, por apresentar soluções diferentes, que aufiram valor acrescentado. No caso específico da alimentação, por exemplo, nota-se que a evolução do ritmo de vida das famílias tende a fazer com que dediquem menos tempo à confeção das refeições. “Embora não queiram prescindir de qualidade”, a estratégia da Riberalves passa pela expansão da gama Pronto a Cozinhar, “fazendo chegar ao consumidor ainda mais opções de caráter especializado, potenciando esta proteína e matéria-prima tão valiosa que é o bacalhau”, sustenta Ricardo Alves. Adicionalmente, a marca vai ter gama de produtos com preparação no forno, para as famílias confecionarem em dez minutos, a par de outras novidades que “chegarão ao mercado ainda no primeiro semestre”.

Já o grupo Frip, no que se refere ao lançamento de novos produtos, prefere apostar na verticalidade dos mesmos. “O grupo possui uma frota industrial pesqueira a operar essencialmente em marisco capturado em Moçambique e tem sido nessa subcategoria que tem incidido a aposta”, explica João França, referindo que o mesmo acontece na produção de vegetais congelados, onde o grupo está a investir na diversificação da oferta. A Soguima, por seu lado, vai aumentar a oferta na gama de polvo congelado, nomeadamente do polvo tradicional limpo com mais origens e lançar polvo cozido em variados formatos. Infelizmente, e segundo a empresa, trata-se de um produto (o polvo) que ainda tem um valor reduzido na distribuição, “pelo que será estratégico para a empresa o crescimento desta categoria na distribuição”, conclui Ana Castro.

 

 

 

 

 

 

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