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Gonçalo Lobo Xavier (APED): “Estamos a assistir a um caminho nada virtuoso de crescimento de preços”

Por a 29 de Março de 2022 as 16:38

APEDGonçalo Lobo Xavier admite que inflação poderá fazer retrair o consumo. Em entrevista ao Hipersuper, o diretor  geral da Associação Portuguesa de Empresas de Distribuição (APED) garante que relações com produtores e a indústria são cada vez mais marcadas pela transparência

 

Vivemos um cenário de inflação. Com a possibilidade de uma diminuição dos salários reais, poderá haver uma diminuição do consumo?

Temos sempre de falar em dois segmentos. No segmento da distribuição alimentar e no segmento do retalho especializado. E estes, durante os últimos 24 meses, tiveram um comportamento diametralmente diferente do retalho especializado. Na parte do alimentar estamos a assistir a uma trajetória de consumo sustentadamente crescente, que decorre do teletrabalho e dos diferentes confinamentos. Com a abertura da economia, iriamos agora seguir um caminho em que o canal Horeca voltaria a ter crescimento, baixando um pouco o consumo em casa para transferir para algum consumo fora de casa. Mas há coisas que vieram para ficar nos últimos 24 meses.  Claramente há algumas tipologias de comportamentos que serão para manter, nomeadamente no que diz respeito a alguns segmentos muito interessantes, o consumo de bebidas alcoólicas e de bebidas espirituosas e de vinho, que teve um crescimento muito relevante nestes últimos meses.

O aumento da inflação poderá fazer com as pessoas retraiam o consumo no canal Horeca?

A inflação vai ter um impacto negativo nesta trajetória de consumo de crescimento. Vamos todos sofrer com isto. Os preços já estão a aumentar em todos os segmentos ou em quase todos os segmentos. Mesmo no retalho especializado, os preços aumentaram bastante, fruto da escassez de matérias-primas, sobretudo na área da eletrónica. Alguns fornecedores já disseram que este aumento de preços veio para ficar e ainda iremos enfrentar alguns desafios para enfrentar neste ano.

No retalho especializado, que viveu um período delicado durante a pandemia, adivinha-se um caminho mais difícil em termos de recuperação?

O aumento dos custos de energia e o aumento dos custos de transporte estão a ser muito penalizadores. No retalho especializado ainda estamos longe dos valores de 2019, que é o que estamos a comparar. Ainda estamos longe dessa performance. O negócio da distribuição é um negócio de eficiências.  Com custos de energia e de transporte energia tão grandes é muito difícil não transmitir esse crescimento dos preços no produto final. Como é evidente, com esta complexidade, ainda podemos vir a ter um cenário em que os 5% poderão não chegar para a inflação que iremos ter.

Com a guerra, adivinham-se tempos ainda mais difíceis?

Damos muita importância aos índices de confiança do consumidor, porque a perspetiva de consumo baseia-se muito na confiança. O consumidor baseia os seus gastos numa confiança em ter emprego, na economia e em dias melhores. E este tipo de eventos vem naturalmente ter implicações na perceção da confiança e, consequentemente, vai fazer retrair o consumo.

Pode adiantar o valor do retalho alimentar em 2021?

Segundo a Nielsen, são 16,2 mil milhões de euros, mais 3,6% face a 2020. O que se deveu à conjugação de vários confinamentos. As pessoas passaram a consumir mais em casa, passaram a ter menos vida social e a fazer essa vida social em casa. E, em muitos segmentos, passaram a consumir produtos um pouco mais exigentes, mais caros, porque passaram a valorizar mais a alimentação em casa. No caso das bebidas espirituosas e do vinho houve um aumento significativo. Os consumidores foram naturalmente à procura de produtos de excelência que têm um preço diferente.

O aumento dos custos das matérias-primas e da energia anda na casa dos dois dígitos. Sabe-me dar uma ideia de quanto esses aumentos se refletem no preço dos produtos nas prateleiras?

O negócio da distribuição alimentar é de volume, em que as margens são na ordem dos 2% a 3%. É um negócio de muito volume, de muita rotação e de eficiência.  Conta comprar bem ao produtor, comprar bem à indústria, negociar bem. O transporte e a logística têm de ser o mais eficientes possível para poder ter muita eficiência e apresentar o melhor preço em prateleira dentro da lógica das margens de 2% a 3%. Se em toda a cadeia de valor há um aumento de preço na produção, por via do aumento do custo das matérias e, consequentemente, um aumento de preço na indústria, temos nas operações de logística e de transporte aumentos dos custos dos combustíveis fósseis, aumento dos custos de manutenção e dos armazéns.  Estamos a assistir a um caminho nada virtuoso de crescimento de preços que, quando chegam à prateleira, mesmo que sejamos muito eficientes, é impossível não transmitir um aumento no preço, porque ele já vem da origem com esse crescimento. É preciso, de uma forma organizada, nos casos da produção nacional, dar mais apoios para poderem também fazer face a estes desafios. A questão da seca é claramente uma oportunidade para isso.

Que tipo de apoios defende para os produtores?

Há um conjunto de medidas para facilitar todo o tipo de produção, desde o programa Vitis até a alguns apoios na área da produção animal e das rações. Passa por facilitar mecanismos financeiros e antecipar pagamentos. O Governo avançou agora com um conjunto de medidas que ia um pouco ao encontro do que acabo de dizer. Quando falamos com a produção nacional e com os agricultores, o essencial passa pela antecipação de pagamentos, por facilitar acesso a apoios específicos, descontos nas próprias rações ou facilidade nos transportes. É evidente que estamos a enfrentar uma questão global. A questão das matérias-primas, dos cereais. O risco de uma guerra na Europa vem trazer variantes muito complexas.

Para os produtores, com o aumento de custos, poderemos estar perante um cenário em que alguns negócios poderão não ter rentabilidade?

Os mercados de nicho e de qualidade cresceram bastante nestes últimos tempos. Há pouco falava de os produtores se terem virado para produtos de excelência e de terem valorizado a dieta mediterrânica e os produtos nacionais.  Houve uma valorização geral dos produtos portugueses, que foi sentida e que foi muito importante para a produção nacional. A pandemia trouxe uma procura de produtos de excelência. Quero acreditar que com os ensinamentos que a pandemia nos trouxe – que os portugueses valorizam o que é bom, valorizam o que é nacional, valorizam produtos que são de grande qualidade e estão disponíveis para pagar o preço pela qualidade – há espaço para todos e espaço para crescer.

Com a inflação, os consumidores não poderão virar-se menos para esses produtos de excelência?

É uma tendência natural e tem a ver com a variável de confiança. As pessoas podem retrair-se agora e quererem ser mais cautelosas no seu consumo. O que posso dizer é que nos nossos associados há um leque de oferta para todos os públicos. E esse é um grande ativo que a distribuição alimentar tem. A capacidade de apresentar soluções para todos os públicos e a vários preços.

Falou de apoios do Governo. Como é que a distribuição poderá apoiar a produção nacional?

Fomos bastante felizes nos apoios que fizemos durante a pandemia. Houve muitos produtores que vieram ter com as nossas insígnias porque quando fechou o canal Horeca ficaram sem poder distribuir os seus produtos. Houve um contacto muito grande por parte de produtores de raças autóctones, de produtores de leite e de pequenos ruminantes. Houve um conjunto de produtores agrícolas que tinham a sua vida toda voltada para o canal Horeca e que foram resgatados para a área da distribuição, com tudo de bom que isso significa. Falo de questões ligadas à certificação dos produtos, às exigências que própria distribuição impõe a si própria, ao quadro regulatório que impõe, assim como o cumprimento de legislação ambiental e de segurança e de higiene e segurança.  Muitos destes produtores não estavam habituados a estas questões, porque as exigências do canal Horeca são diferentes. O apoio que demos foi sobretudo abrir a esses produtores a possibilidade de escoarem os seus produtores na distribuição. Também houve muitos exemplos de retalhistas que anteciparam pagamento e facilitaram tesouraria. Há um conjunto de ações que tiveram muito impacto e que vieram para ficar.

Houve escoamento. Foi suficiente para manter o negócio desses produtores rentável?

Tudo indica que sim, porque não temos registo de produtores que estejam descontentes. Enquanto APED, quando vamos a fóruns de discussão, são vários os produtores que publicamente se manifestam reconhecidos pelo trabalho que a distribuição fez numa altura que era particularmente difícil para eles. O retalho alimentar é um negócio de margens pequenas e de eficiência. Se este leque de produtores que, de repente, passou a fazer parte do universo da distribuição ainda hoje lá está, é sinal de que as coisas funcionaram e é por esse caminho que temos de olhar as coisas.

Falando da questão das negociações entre a distribuição e fabricantes. Num período inflacionista, poderá este vir a ser um período de tensão entre as duas partes?

Não só temos em vigor um código de boas práticas comerciais, que envolveu a indústria, a produção e a distribuição, como temos em curso a transposição de uma diretiva europeia. Há uma coisa que garanto. Não tenho dúvida nenhuma que está a ser cumprida a lei e que está a ser cumprido todo o enquadramento regulatório que rege as relações entre a cadeia de produção, a indústria e a distribuição. Numa negociação há sempre tensões. Mas, neste momento, é muito mais o que une a cadeia de distribuição em geral do que o que separa. Todos demos um exemplo de resiliência e de capacidade de trabalhar em conjunto durante a pandemia, o que é de assinalar e toda a gente registou. Não faltaram produtos essenciais nas prateleiras no retalho alimentar. Há sempre, em períodos de inflação e de aumento de custos, um ajustamento que tem de ser feito. Se lhe quiser chamar período de tensão, podemos chamar. Mas uma coisa é certa. Estamos muito tranquilos e perfeitamente conscientes de que as relações na cadeia de valor estão cada vez melhores e que a distribuição tem assumido a sua responsabilidade em todos estes processos negociais que estão cada vez mais transparantes e cada vez mais a beneficiar o consumidor.

Há também o reconhecimento por parte dos fabricantes que as relações melhoraram. O que melhorou em concreto?

Em todos os fóruns de discussão em que estamos envolvidos, em que está a produção, a indústria e a distribuição, temos verificado que precisamos uns dos outros. É muito mais o que nos une do que o que nos separa. Não podemos viver sem a produção e sem a indústria. E a indústria e a produção precisam de nós para escoar os produtos. É muito melhor vivermos num ambiente de confiança e de transparência, que tem vindo a melhorar ao longo dos anos. Mas este quadro regulatório e este código vieram trazer níveis de transparência maiores, cumprimento de prazos de forma mais evidente e negociações bastante mais balizadas.  Quem beneficia no final do dia é claramente o consumidor.

No atual contexto, há maior pressão para aumentar a dinâmica promocional?

Portugal já é um país em que 49% dos produtos vendidos são em promoção. Não me meto nas políticas comerciais dos nossos associados. Mas 49% é um número significativo e estamos entre os cinco países da Europa onde a atividade promocional é mais significativa. Não sei se é uma situação que se irá manter nos próximos tempos. Não sei se teremos ambiente para manter e se a própria concorrência entre os vários associados vai permitir isso.  Que os portugueses se sentem confortáveis com essa dinâmica, parece-me evidente pelos números.

APED1As marcas de distribuição poderão sair reforçadas?

O que vejo é que as marcas da distribuição têm feito uma evolução muito grande. Não são a mesma coisa que eram há dez anos. É uma questão de política comercial. O que posso dizer é que temos assistido a investimentos muito interessantes e que têm impacto no consumo e na forma de consumir dos portugueses.

Falando do online. O negócio online subiu significativamente no retalho alimentar. No entanto, há consultores que referem que a operação online, per si, ainda não é rentável, devido a todos os custos inerentes. Já se caminha para a rentabilidade?

Importa lembrar dois dados que são muito relevantes. O online no alimentar teve um crescimento muito grande em 2020, fruto também das especificidades da situação que estávamos a viver. Temos consumidores que descobriram o online e ficaram no canal. E em cada vez que havia uma abertura da economia, o consumo no online descia muitíssimo, porque as pessoas continuam a gostar da experiência em loja. A experiência em loja continua a ser muito valorizada. O online é um serviço importante que todos quiseram passar a ter. É uma presença muito importante para a afirmação da marca. No caso do alimentar há uma questão importante. As plataformas nacionais deram um exemplo de resiliência que não se viu em outras partes do globo. Fala-se muito da nossa capacidade e do investimento nas plataformas. Estas estavam preparadas para um aumento dos pedidos. O que não estava preparado era a parte da logística e dos transportes.

Mas tiveram de fazer investimentos.

Naturalmente. Quando vemos que a Tesco, no Reino Unido, teve de fazer o shut down da plataforma porque não estava a conseguir responder a tudo, que a Amazon Groceries teve de fechar a plataforma durante uma semana…o que quero dizer é que, do ponto de vista da infraestrutura informática, estávamos preparados. Não estávamos preparados para o resto. Não estou a responsabilizar as empresas de transportes. O que estou a dizer é que não tínhamos dimensionado uma capacidade de resposta e, por isso, tivemos de ir para o mercado à procura soluções. E não havia assim tantas quanto isso do ponto de vista dos transportes.

Mas já é rentável?

Resolvido esse problema, é algo que me parece evidente. Mantendo os níveis de eficiência e mantendo o canal online, aparentemente deve ser rentável porque não houve desinvestimento nos últimos tempos no online por parte dos nossos retalhistas. Pelo contrário.

Aproveito que estamos a falar no online para ir ao retalho especializado. Não se coloca um desafio para os retalhistas, tendo em conta que, para determinados produtos, uma encomenda feita na Amazon chega a ter um prazo de entrega menor?

É um facto que os últimos 24 meses obrigaram a um esforço muito grande por parte do retalho especializado em antecipar em cinco ou dez anos a sua visão do online. Claramente, ficamos a ganhar todos. Ficaram a ganhar empresas e ficaram a ganhar consumidores, porque verificou-se a necessidade de investir mais no online e a possibilidade de empresas relativamente pequenas perceberem que o online não implicava ter o seu próprio site ou a sua própria plataforma. E, por isso, o marketplace é uma solução muito interessante para empresas de dimensão mais ou menos reduzida e que lhes permite estar no mercado global de uma forma relativamente equilibrada e eficiente do ponto de vista do investimento e da racionalidade económica da sua operação.

E sobre o desafio colocado pela Amazon?

É evidente que um gigante como a Amazon ou como outras plataformas chinesas têm uma aptidão e uma capacidade logística invulgar que lhes permite ter uma capacidade de resposta que é assinalável, embora estejamos a falar de produtos muito específicos. Do que não tenho dúvida é que o consumidor hoje é muito exigente. Quer as coisas logo. Por isso é que também estamos a assistir a uma utilização maior do online para a seleção e escolha de produtos para posteriormente se dirigirem à loja fazer a compra. Isto é muito visível no mercado da moda e no mercado da eletrónica. As pessoas vão à loja já depois de terem feito uma busca muito intensa. O online tem tido níveis de crescimento e tem tido uma oferta cada vez maior, que permite que as pessoas tenham de facto um conhecimento dos produtos maior. Mas há também um crescimento da utilização do online só para pesquisar o produto, para depois ir à loja buscá-lo. As pessoas ainda continuam a valorizar muito a experiência de ir à loja.

Mas essa capacidade de resposta das grandes plataformas gera apreensão?

A questão da fiscalidade gera apreensão. É uma matéria muito sensível e concorrencial e, até do ponto de vista do mercado interno, é uma questão que tem de ser analisada. Prefiro ver as coisas de uma forma positiva. A capacidade de as empresas nacionais poderem disponibilizar os seus produtos de uma forma global é positivo. A possibilidade de o consumidor português ter acesso a um mercado global de produtos e ter rapidez na entrega em casa também é globalmente positivo. É um desafio enorme no sentido em que temos players a nível global com cadeias de logística altamente eficientes e que são altamente concorrenciais. É um caminho irreversível. Mas uma coisa é certa. O consumidor acaba sempre por valorizar o produto. É claro que a aptidão para querer as coisas logo é um desafio que está neste momento a ser muito estudado. Há agora outras formas de ter esses produtos rapidamente na casa das pessoas. Há todo um desenvolvimento de sistemas de informação e de plataformas informáticas que todos usamos. A conveniência do consumidor é algo que veio para ficar e que encerra enormes desafios. Mas não creio que possa ser visto como uma ameaça às plataformas nacionais ou aos marketplaces. Há uma necessidade de ir à procura de soluções e de conveniência do consumidor. E não tenho qualquer dúvida de que todos os retalhistas estão à procura de maior eficiência.

Falou de matérias relacionadas com a fiscalidade. Que medidas são defendidas pela APED?

Do ponto de vista da legislação europeia há muitas questões a serem trabalhadas. Mas, como é evidente, a fiscalidade é uma questão sensível do ponto de vista dos impostos inerentes à compra online serem pagos em Portugal. Quero acreditar que todas as leis são cumpridas. Mas é matéria que merece uma reflexão e isso está a ser feito. Do ponto de vista regulatório do mercado interno e nível europeu, a questão também está a ser trabalhada e o importante é que haja justiça e defesa do consumidor e defesa dos estados-membros do ponto de vista da receita fiscal e da circularidade dos produtos.

Em muitos setores sente-se falta de mão-de-obra. O mesmo sucede na distribuição?

Em todas as áreas estamos a sentir falta de mão-de-obra. Seja na indústria, seja na distribuição, seja na produção, estamos com escassez. Esta questão tem levado a um esforço por valorizar o setor e por valorizar a carreira na distribuição e por valorizar a atratividade de trabalhar no setor da distribuição, quer falemos de retalho alimentar, quer falemos no retalho especializado. Estamos todos a lutar no mercado aberto por melhores recursos humanos. Estamos a tentar formar melhor.

Em que áreas sentem mais escassez?

No caso do alimentar, claramente nas áreas de corte de alimentos, de carne e de peixe. Todas essas áreas têm aptidões muito específicas e fazem falta nos espaços comerciais.

Falando do salário mínimo nacional. Considera o aumento razoável?

Se compararmos o nosso salário mínimo com o de outros estados-membros, vemos que é baixo. E ninguém pode estar descansado e dizer que estamos satisfeitos com o valor do salário mínimo. Mas é um tema que a APED deixa para a CIP. É evidente que o salário mínimo tem de estar indexado à competitividade da economia. Portugal é uma economia que não é muitas vezes comparável com a de outros estados-membros. À nossa escala e dimensão, temos o salário mínimo que corresponde à competitividade da nossa economia. Mas uma grande parte das empresas do retalho especializado e do retalho alimentar paga acima do salário mínimo. Não escondo que temos uma ambição de, em sede de negociação coletiva, termos um valor de entrada que seja atrativo para todo o setor. É para isso que estamos a trabalhar. É claro que os valores do salário mínimo podiam ser mais generosos, mas é uma questão que tem a ver com a própria competitividade das empresas. Uma coisa é certa. As empresas querem ser sustentáveis e querem cumprir todos os compromissos e todas as obrigações que têm do ponto de vista de Segurança Social, de impostos, de sustentabilidade e isso tem de ser analisado e tem de ser tido em conta quando se define o valor do salário mínimo.

Falou do Contrato Coletivo de Trabalho. É uma matéria que não tem tido um fim à vista.

Fizemos várias tentativas mesmo com o apoio do Ministério do Trabalho. Infelizmente não deram frutos e, no período da pandemia, a negociação arrefeceu um pouco. Estamos numa fase nova. Estamos numa fase em que é evidente que estes aumentos do salário mínimo também vieram para ficar e são um objetivo desta legislatura. Posso é dizer que estamos a fazer um esforço muito grande para apresentar uma proposta que seja interessante. Estamos neste momento literalmente em negociações com os sindicatos e a preparar uma proposta que consideramos disruptiva. E que tem em conta precisamente esta realidade do salário mínimo.

Em relação ao Plano de Recuperação e Resiliência, na distribuição onde deverão ser aplicados os fundos?

Temos um desafio enorme que tem a ver com a digitalização dos processos e com a economia verde. A descarbonização do setor é algo que a APED está a trabalhar. Estamos a preparar um trabalho para apresentar um roteiro para a descarbonização do setor, que é aplicável a todas as empresas, independentemente da sua dimensão ou da área de negócio. Essa é claramente uma área em que as empresas vão precisar de apoios do PRR. Tudo o que seja mecanismos para ajudar as empresas na digitalização dos processos. Não existe digitalização sem alterações das operações dos trabalhadores. Há trabalhos que vão deixar de existir. Mas é preciso dar trabalho a essas pessoas que estavam a fazer essas operações. É preciso investir de forma combinada na formação dessas pessoas, na requalificação dessas pessoas nos processos e, finalmente, é preciso investir também nas questões ligadas à economia verde. Desengane-se quem pense que as empresas portuguesas têm capacidade e meios financeiros para o fazer sem apoios. Se queremos ter empresas sustentáveis do ponto de vista ambiental, do ponto de vista económico, crescer, captando mais emprego e mais negócio, necessariamente que estas áreas têm de ser apoiadas. Não estou a pedir nada que seja chocante.  Temos acompanhado os Planos de Recuperação e Resiliência de outros estados-membros com economias parecidas com a nossa e é nessa linha que eles estão a fazer esse investimento.

A Autoridade da Concorrência tem aplicado sucessivas multas a fabricantes e a empresas da distribuição. Pode garantir que o consumidor pode ficar descansado em relação ao funcionamento desse mecanismo sagrado para o funcionamento mercado que é a concorrência?

Todos esses processos estão a ser naturalmente discutidos em tribunais. Tudo o que possa dizer não vai contribuir para nada para a discussão. Os tribunais são soberanos e vão analisar as provas e discuti-las. Temos sempre muita dificuldade em perceber como é que num setor que é tão competitivo, tão interessante para as empresas – de tal modo que há crescimento, há vontade de investir em Portugal, há crescimento das próprias insígnias com aberturas de lojas anualmente, aumento de emprego – possa haver uma concertação de preços ou qualquer tentativa de monopolizar o que quer que seja. É contrário ao próprio espírito de competitividade que existe entre as empresas. Pensar nisso nas empresas, na distribuição, e ainda em cima disso ainda ter a veleidade de tentar monopolizar o mercado através de um fornecedor, parece-nos inverosímil e pouco inteligente.

Mas a imagem do setor sai afetada.

É evidente que não gosto que haja este tipo de notícias. Mas a verdade é que, num setor tão competitivo e que tem feito tanto pela economia Portuguesa, parece-me que conceptualmente é contrário à realidade esse tipo de práticas. Num setor que é tão escrutinado dirimente, quer pelo consumidor, quer pelas próprias autoridades, fico espantado que se possa pensar que isto seja possível. Quero acreditar que os tribunais vão clarificar toda esta situação.

 

 

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