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Cenário inflacionista poderá fazer retrair o consumo

Por a 14 de Março de 2022 as 18:08

inflaçãoEconomistas preveem uma diminuição dos salários reais. Bens essenciais serão os menos afetados pela possível diminuição do consumo

Depois de dois anos marcados pela pandemia, o ano está a ser marcado por uma escalada de preços. O preço dos produtos alimentares, de bebidas, de vestuário e calçado está a aumentar à medida que o custo das matérias-primas e da energia segue o mesmo sentido. A inflação situou-se em 3,3% em janeiro, segundo dados oficiais do Instituto Nacional de Estatística. O preço dos produtos alimentares cresceu, em comparação com o mesmo período de 2021, registou uma subida de 3,78%, O vestuário teve uma subida homóloga de 2,95%, enquanto o apresentou um crescimento dos preços de 0,67%.

O cenário é para continuar? As projeções do INE para fevereiro indicam que sim. Uma das consequências será a redução nos salários reais, que poderá ter influência no comportamento dos consumidores. “Em 2021 a inflação subiu menos em Portugal do que na Zona Euro e nos EUA. Em termos homólogos, em dezembro de 2021 a inflação em Portugal foi de 2.7% contra cerca de 5% e 7% na Zona Euro e nos EUA respetivamente.  Este aumento da inflação teve origem não em aumentos dos salários nominais, mas em aumentos dos preços internacionais da energia, de cerca de 30%, e de produtos primários e intermédios importados. Por essa razão, a inflação estará já a reduzir os salários reais”, afirma Pedro Leão, professor de Economia do Instituto Superior de Economia e Gestão (ISEG).

Também Miguel Varela, professor do Instituto Superior de Gestão, acredita que a tendência será para um decréscimo dos salários reais. “A Europa e também Portugal têm conseguido travar a inflação nos últimos anos, mas desde o final de 2021 e de forma generalizada os preços têm vindo a sofrer aumentos”, começa por dizer o economista. “Um dos maiores responsáveis percentuais dos custos dos produtos no preço de venda ao consumidor é o fator transporte, que, com o aumento do preço dos combustíveis e da energia, implicará que todos os setores irão sofrer agravamento de preços”, explica.

Segundo a estimativa do INE para fevereiro, só a taxa de variação homóloga do índice dos produtos energéticos terá sido de 14,9%. No mês anterior, o crescimento homólogo foi de 12,1%. “A principal consequência será um aumento generalizado de preços, que certamente não será compensado pelo crescimento dos salários. Ou seja, haverá uma perda do poder de compra dos portugueses com a diminuição do salário real”, estima Miguel Varela.

Em virtude deste cenário, o ritmo da retoma económica poderá sair afetado. “É expectável uma retração do consumo, mas também do investimento, caso as taxas de referência comecem a subir, como se prevê. Também as taxas de rentabilidade das poupanças deverão continuar pouco apelativas. Esta situação pode comprometer a retoma económica e o ritmo de crescimento do PIB a que se começava a assistir”, explica o professor do ISG. O economista defende que todos os setores serão afetados, mas o impacto será menor nos essenciais, por serem “menos sensíveis ao aumento dos preços por serem de primeira necessidade”.

A invasão da Ucrânia por parte das tropas russas também agrava a situação, sendo a consequência mais óbvia uma diminuição do consumo. “Ao prolongar de forma acentuada as subidas dos preços de inputs importados, poderá fazer a inflação subir ainda mais em 2022 e contribuir para uma nova redução dos salários reais. Se isto acontecer, o consumo privado poderá retrair-se, apesar da poupança acumulada pelas famílias nos lockdowns de 2020-21 poder limitar essa retração”, Pedro Leão.

Segundo a Estimativa Rápida do INE para fevereiro, inflação deverá situar-se em 4,2% em fevereiro. E se o conflito continuar, o índice de Preços no Consumidor continuará a subir, em virtude do aumento do preço da energia e das matérias-primas. Pedro Leão diz, por outro lado, que há outra variável a introduzir na equação. “É possível que os agentes económicos que auferem salários, lucros e rendas pretendam em 2022 recuperar o poder de compra perdido em 2021, impondo maiores aumentos nominais de rendimentos. Isso fará com que a inflação em 2022 não diminua para os níveis anteriores a 2021 – 1.5% – mas que continue próxima ou até superior a 3%”, sustenta o economista.

Se este cenário se concretizar será certa uma subida das taxas de juro. “A inflação na Zona Euro poderá em 2022 manter-se em valores altos, acima do objetivo do BCE (2%). Nesse caso, este aumentará as taxas de juro em 2022”, afirma o professor do ISEG. Se tal suceder, o poder de compra dos consumidores também poderá ressentir-se. “As prestações mensais das famílias com dívidas aumentarão e, como consequência, os seus rendimentos disponíveis para consumo diminuirão”, antecipa o economista. “Os custos com juros das empresas portuguesas também aumentarão, o que poderá diminuir os seus lucros e, assim, os seus investimentos. Mas o efeito do aumento da taxa de juro do BCE sobre o Estado será no imediato insignificante. A razão é que a quase totalidade da dívida pública consiste em obrigações de longo prazo com taxa de juro fixa”, acrescenta.

Já Miguel Varela acredita que, no curto prazo, o crédito continuará a ser barato. “As taxas Euribor permanecem desde 2015 em terreno negativo tendo funcionado nestes sete anos, como grande incentivo ao investimento e ao consumo, com recurso a crédito historicamente barato, tanto para as famílias, como para empresas. Apesar de se terem verificado pequenas subidas, é certo que as taxas Euribor ainda se encontram em terreno negativo, o que se deverá manter ainda no curto prazo”, estima. No entanto, o economista admite que a situação poderá sofrer uma mudança. “Um aumento das taxas de juro para valores positivos pode comprometer o rendimento disponível de muitas famílias e a liquidez de muitas empresas. As taxas de juro, passivas e ativas, deverão subir gradualmente no médio prazo”, afirma.

Em relação à manutenção do cenário inflacionista, o economista do ISG recorda que os diagnósticos iniciais das autoridades internacionais e nacionais tendiam para uma situação inflacionista passageira, portanto de curta duração. Porém, a manutenção dos preços elevados das matérias-primas, da energia e dos transportes está a contrariar as estimativas iniciais. E poderão ser ainda mais contrariadas, tudo dependendo da duração do conflito na Ucrânia. “Os indicadores agora são outros dificultando a previsão da evolução da conjuntura, pois dependerá de inúmeros fatores e até da evolução do conflito na Ucrânia. Uma certeza, no entanto, é de que a economia depende muito das expetativas dos agentes e o clima de pessimismo tenderá a prevalecer no curto prazo, condicionando decisões de consumo e de investimento”, conclui.

 

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