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Centros comerciais e lojistas com visões diferentes da retoma

Por a 16 de Julho de 2021 as 13:03

centro comercialLojistas dizem que a retoma está a ser lenta, enquanto centros comerciais estão otimistas depois da reabertura de todas as lojas. Ambos se queixam das restrições impostas pelo Governo

De um lado, a voz do otimismo. Do outro, o tom é de desencanto, alimentado por uma crise sem precedentes vivida no comércio. Proprietários de centros comerciais e lojistas não estão em sintonia quando o tema é a retoma do setor, depois de a última fase de desconfinamento ter seguido marcha. O que permitiu que todos os lojistas retomassem a atividade. Mas estes dizem que a situação é “brutal”, no sentido negativo. Opinião diferente da expressa pelos representantes dos centros comerciais.

“Os resultados estão muito acima das nossas expectativas. Mesmo considerando as restrições horárias, as limitações de lotação ou mesmo a ausência de turismo, o processo de retoma foi mais acelerado do que podíamos esperar”, afirma António Sampaio de Mattos, presidente da Associação Portuguesa de Centros Comerciais (APCC). A afirmação é sustentada por um estudo da REDUNIQ Insight, desenvolvido para a APCC. O mesmo indica que, no primeiro mês de reabertura da maioria das lojas a operar em centros comerciais, nas compras efetuadas com cartão, a faturação das lojas ficou acima da registada em igual período de 2019.

Ainda assim, estes números não convencem os lojistas representados pela Associação de Marcas de Retalho e Restauração (AMMR). “Após um período de quebras de 100%, a reabertura pensou poder ser rápida e plena, mas o que se verifica é que temos quebras a rondar os 20% e um cenário de imprevisibilidade constante de abre e fecha, de horários mais ou menos limitados. Nos primeiros quatro meses do ano as quebras cifraram-se em 70%. Estamos perante uma crise nunca antes vivenciada”, afirma Marco Torres, secretário-geral da AMRR.

Depois de um ano difícil em 2020, o novo ano começou da pior forma para os comerciantes. As lojas, com exceção das que comercializam bens considerados essenciais pelo Governo, estiveram encerradas durante três meses e meio. Contando com o período em que estiveram de portas fechadas, em 2020, assim que decretado o estado de emergência, as lojas estiveram “sem faturar um só euro durante cerca de metade de um período de 14 meses”. Marco Torres deixa o desabafo: “Isto é brutal!”. “Mas a agravar a situação, no restante período temos vivido sob fortes limitações, quer de horários, quer de lotação”, acrescenta.

O estudo da APCC vem, por outro lado, reforçar que o cenário é favorável, apesar da quebra no número de visitantes de centros comerciais. “No primeiro mês de desconfinamento dos centros comerciais houve uma menor afluência aos centros comerciais do que em 2019, mas, em média, cada cliente gastou mais cerca de 12,5%, o que justifica o aumento da faturação face a 2019”, adianta Sampaio de Mattos.

Da parte dos lojistas, não são apenas os avanços e recuos provocados pelo plano de desconfinamento do Governo que os deixa preocupados. É ainda a economia. Num cenário de retração acentuada do PIB desde o início da pandemia, a propensão para o consumo de bens que não os alimentares diminui. “Um dos fatores mais críticos para o presente e futuro relaciona-se com a procura, e essa está diretamente relacionada com as condições económicas do país e a imprevisibilidade. Não só porque as pessoas perderam rendimentos nesta crise, mas o receio do futuro também as leva a retrair o seu consumo”, sustenta Marco Torres.

Apesar do otimismo revelado no primeiro após a reabertura de todas as lojas, o cenário económico também merece cautelas por parte dos centros comerciais. “Para já estamos acima das nossas expectativas, mas teremos que analisar um período mais alargado de vendas para poder ter uma perspetiva mais consolidada da sua tendência”, assinala o presidente da APCC. Embora o ano de 2020 tenha sido também dramático do ponto de vista do encerramento definitivo de lojas nos centros comerciais, os associados da APPC estão agora a assistir à abertura de outras. “Em 2020 encerraram cerca de 200 das 8.600 lojas que integram o universo os associados da APCC. Do início deste ano até ao final de abril encerraram mais 169 lojas. Face ao universo total de lojas, são cerca de 2% das mesmas. Um valor dentro do normal no ciclo de vida de um centro comercial”, avança o presidente da APCC. E deixa uma nota: “O que é assinalável é que só no primeiro trimestre deste ano, durante o confinamento, foram registadas 124 aberturas, um número que representa a regeneração do mix comercial”.

A associação que representa os lojistas não tem ainda números definitivos em matéria de encerramentos. Mas há dados preliminares resultante de um inquérito aplicado aos associados. “Ficou claro que 82% das empresas reconhece que, se não houver apoios e soluções de equilíbrio, é impossível manter o número de trabalhadores. Tem havido uma enorme resiliência por parte das empresas, mas os sacrifícios que estão a ser pedidos estão no limite. Todos os dias os empresários lutam pela sobrevivência das suas empresas e pela manutenção dos empregos criados”, lamenta o secretário-geral da AMMR. O cenário é ainda mais grave, do ponto de vista dos lojistas, quando os centros comerciais se encontram a funcionar com restrições de horários, de lotação e na procura. Referindo-se às limitações de horários, o secretário-geral da AMMR diz ser “especialmente grave ao fim-de-semana, no qual habitualmente o volume de negócios é melhor”. “Fechar às 13h é quebrar em dois terços as vendas do fim-de-semana”, exemplifica. Acrescenta ainda o drama vivido pelos lojistas devido à limitação de lotação nas lojas, que é de uma pessoa por 20 metros quadrados. “No que respeita à lotação devemos ser caso único na Europa”, lamenta Marco Torres. “A procura é reduzida, mas quando há, não se permite que se concretize”, acrescenta.

O responsável diz existir uma outra agravante. “Sendo o limite também para o próprio centro comercial”, verifica-se “em uma outra loja âncora ou supermercado filas e zero pessoas nas restantes lojas, porque não podem simplesmente entrar no centro comercial”. “A procura é reduzida. O volume de tráfego nos centros comerciais é muito inferior. A tudo isto devemos somar a imprevisibilidade”, resume.

Nestas matérias, a posição dos centros comerciais vai ao encontro da assumida pelos lojistas. A APCC, ao  longo dos meses, tem vindo a defender medidas no sentido de se dispersar as pessoas no espaço e no tempo para assegurar a segurança dos visitantes. “Alargar os horários tem esse efeito positivo e isso também nos permitiria rever os rácios de pessoas por metro quadrado, salvaguardando a posição das lojas mais pequenas que têm sido especialmente penalizadas com estas restrições. Na realidade, as pessoas estão, efetivamente, mais seguras no ambiente controlado dos centros comerciais, e das lojas, que no exterior”, defende Sampaio de Mattos.

POLÉMICA DAS RENDAS CONTINUA
Matéria que gerou controvérsia entre centros comerciais e o estado é o desconto de 50% da renda fixa dos lojistas. O que levou os centros comerciais a solicitar a inconstitucionalidade da medida. Esta foi prorrogada, em março, pela Assembleia da República, até junho. A possibilidade de o fim da medida conduzir ao encerramento de lojas nos centros comerciais é, no entanto, descartada pela APCC. “Com a retoma do comércio, acreditamos que essa questão não se colocará. No entanto, como previsto no Plano de Retoma do Retalho, os sectores com maiores dificuldades e os lojistas mais pequenos vão poder contar com o apoio dos centros comerciais.  Como sempre puderam. Estas medidas de apoio entram em vigor com o final da lei”, diz Sampaio de Mattos. Marco Torres, por seu turno, diz não ser possível falar de um desconto. “Descontos fazem as lojas quando um cliente compra o mesmo produto ou serviço por um preço mais baixo. A realidade é que durante três meses e meio os lojistas viram-se privados do seu produto ou serviço, com as lojas fechadas, e durante o restante período o produto ou serviço encontra-se limitado”, critica.

Esta posição demonstra que os lojistas consideram a medida desadequada face à redução total da atividade. “Houve uma lei que refere que há uma redução de renda de acordo com a redução das vendas, mas limitando essa redução a 50%, o que significa que nos termos dessa Lei os lojistas teriam de pagar 50% no período de encerramento da renda, com zero euros de faturação”, critica o secretário-geral da AMMR. O responsável vai mais longe e diz que a legislação deverá ser ajustada. “Essa Lei foi aprovada antes do novo lockdown e num período em que não só não se admitia novo encerramento como essa possibilidade era expressamente afastada”, defende, apelando ainda a que sejam colocadas em prática medidas justas para proteger os lojistas.

O responsável lembra ainda a questão das despesas comuns para realçar o que considera ser uma desproporção de forças entre centros comerciais e lojistas. “Desde o início da pandemia esta parte da renda, que assegura o funcionamento do centro comercial e assegura os ordenados dos gestores dos centros comerciais, foram pagos a 100% pelos lojistas. O que é absolutamente injusto para aqueles que tiveram de fechar. E este valor pesa muito, representa em média 20% da renda total”, defende. E face à situação de aperto vivida pelos lojistas, estes consideram ser necessário continuar o apoio à sua atividade. “É impossível que um setor que emprega, só em centros comerciais, 375 mil pessoas, possa continuar a viver assim. Não podemos enfrentar 2021 como se nada tivesse acontecido. Como se estivéssemos em tempos de normalidade. É fundamental uma Lei que permita um equilíbrio das rendas e que o setor do comércio a retalho não fique fora da extensão das moratórias de crédito”, defende Marco Torres.

A APCC rebate as críticas, tal como tem vindo a fazer ao longo da crise, com os apoios atribuídos aos inquilinos. “Em 2020, só em ajudas aos lojistas, o sector despendeu mais de 600 milhões de euros, tendo os centros comerciais sido as entidades que suportaram sozinhas os efeitos desta crise pandémica, sem qualquer tipo de compensação”, realça Sampaio de Mattos. Quanto à retoma total do setor, o responsável deixa um sinal de prudência: “Será prematuro adiantar um horizonte temporal, pois já percebemos que esta pandemia pode surpreender-nos de um momento para o outro. No entanto temos esperança que o pior já tenha passado e com a massificação da vacinação se dê uma retoma do comércio que permita melhorar as receitas do sector”.

Artigo publicado originalmente na edição 392 do Hipersuper

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