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“Mais do que nunca, temos de continuar a ser uma empresa consumer-centric”

Por a 11 de Junho de 2021 as 15:02

Bruno CalvãofBruno Calvão assume em julho o cargo de country manager da Pernod Ricard Portugal. Em entrevista ao Hipersuper, o responsável antecipa quais poderão ser as tendências de consumo nas bebidas espirituosas

A Pernod Ricard Portugal foi uma das filiais mais afetadas pela pandemia, tal como a espanhola. Tudo por uma questão cultural, pois os consumidores são mais propensos a consumir fora de casa. Com um canal que representa 70% das vendas em Portugal fechado, o aumento das vendas na distribuição moderna andou longe de compensar as perdas de 50% no canal Horeca em 2020. Bruno Calvão assume que a estratégia que até aqui tem dado tão bons resultados à empresa é para manter. A pandemia pode ter trazido novas tendências de consumo ou tê-las acelerado. E a empresa, mais do que nunca, tem de estar presente em todos os momentos de convívio do consumidor, defende.

A Pernod Ricard tem um posicionamento associado aos momentos de convívio proporcionados pelas suas marcas. No último ano, este posicionamento ficou comprometido?
A visão da Pernod Ricard em Portugal está associada a momentos ‘convivialité’, que é quando as nossas marcas entram na vida dos consumidores. Foi efetivamente um dos pontos que a pandemia mais beliscou, porque a distância social não promoveu isso, pelo menos fora de casa. Mas o nosso negócio foi afetado pela pandemia no on trade. No consumo em casa, as nossas marcas continuaram a fazer parte da vida das pessoas. Só que os momentos de convívio são mais intimistas, dentro do seio familiar. Aí continuámos a estar dentro dessa experiência. Infelizmente, devido à pandemia, não podemos explanar o que é o impacto positivo na vida das pessoas nesses momentos de convívio, porque, fruto da pandemia, deixaram de existir.

Que resposta deram ao encerramento do canal Horeca?
A nossa estratégia não mudou. Continuou a estar focada em duas marcas chave, como são os casos da Jameson e da Beefeater. Em termos de estratégia de canal, esta teve de ser canalizada de forma diferente. O único canal que não sofreu nenhuma interrupção foi o off trade. Foi aí que colocámos a dedicação das equipas comerciais. Com a abertura e o encerramento do canal Horeca, fomos navegando ao sabor do que eram as restrições sanitárias, que tiveram de existir do lado do canal on trade. Mas a estratégia não muda. Continua a ser consistente. Existem algumas adaptações ou oportunidades que o consumo em casa traz. No cômputo geral, a estratégia mantém-se, mas mantendo o foco num canal que esteve sempre aberto. Aqui e ali, sempre que abria o on trade, o nosso foco foi posto num canal que é onde os consumidores têm a experiência de consumo na plenitude.

Em 2020 houve uma subida nas vendas no canal da distribuição?
Naturalmente porque, se olharmos para um consumidor que está habituado a consumir fora de casa, como o português, quando esse consumo fora de casa deixa de existir, os momentos de consumo passam a ser substituídos pelo consumo em casa. O que fez com que a moderna distribuição tivesse, na generalidade das categorias, aumentado as vendas. Nem de perto nem de longe substituiu, por inteiro, os momentos de consumo fora de casa. O que fez com que os momentos de consumo na indústria de bebidas espirituosas tivessem baixado drasticamente.

Os resultados semestrais da Pernod Ricard do ano financeiro de 2021 apontam para quebras de vendas, a nível internacional, de 3,9% em termos orgânicos. Na Europa, a quebra das vendas orgânicas foi de 5%. Houve uma descida acima dos 5% em Portugal?
Normalmente não falamos de resultados das filiais. Mas é perfeitamente percetível, por esses resultados globais, que em Portugal houve um impacto muito mais negativo. Em mercados onde a cultura do consumo fora de casa é forte, o impacto da pandemia foi muito mais evidente do que a média dos resultados da Pernod Ricard como grupo.

Quanto representam as vendas em cada um dos canais?
Num período normal, antes da pandemia, a indústria de bebidas espirituosas tem um peso no on trade de 70% e no off trade de 30%. Este peso de 70% teve alguns momentos com um volume próximo do zero, alguns momentos com restrições sanitárias e alguns momentos aberto. Houve 70% do peso do nosso negócio que teve um impacto dramático. As principais categorias tiveram perdas de 50% no canal on trade.

Como olha para a situação do não funcionamento das discotecas. A indústria tem falado com o Governo acerca das restrições nos estabelecimentos à noite?
Esse trabalho está a ser feito pela indústria e não é de agora. A ANEBE (Associação Nacional de Empresas de Bebidas Espirituosas), juntamente com a AHRESP – Associação da Hotelaria, Restauração e Similares de Portugal, estão a acompanhar a situação. Estamos a falar de um canal ou de um mercado que tem mais de 70 mil pontos de venda no país. Preocupa-nos bastante, porque são negócios de família, na maioria dos casos, colocando em causa a sobrevivência de famílias. Mais do que aquilo que é o nosso negócio, estamos preocupados com as pessoas que são os agentes económicos do nosso setor. E foram altamente penalizados. A questão da abertura de discotecas à noite também está a ser acompanhada para, pelo menos, termos uma noção de quando podemos contar com uma possível reabertura. Até podemos compreender que esteja fechado, mas é muito importante conseguirmos uma visão, num curto espaço de tempo, para saber se as coisas correrem no sentido positivo, os estabelecimentos poderão abrir.

Com as discotecas fechadas e tendo os restaurantes a atividade condicionada, as perspetivas de recuperação não são as melhores…
Ainda continuam a contar com muita instabilidade, ou seja, as estimativas são ainda com intervalos, pois não sabemos ainda ao certo o que vai acontecer no futuro, pois este, infelizmente, continua a ser incerto. Existem obviamente categorias que são as que na nossa indústria têm mais peso na noite, como a categoria de vodka, em que a falta de visibilidade da abertura de bares ou discotecas faz com que algumas categorias continuem muito limitadas.

A categoria de vodka foi a mais afetada?
Foram várias. A de vodka foi por ter muito peso na noite. A categoria de uísque, que tem momentos de consumo noturnos, também foi severamente afetada. E depois há uma categoria que, embora afetada, acaba por ter um efeito positivo do consumo em casa, porque os consumidores portugueses já se habituaram a beber gin em casa. Mas todas as categorias acabam por ser afetadas, devido à natureza do comportamento consumidor português, que gosta de consumir fora de casa.

Como foi o desempenho das várias categorias no retalho alimentar?
Houve um aumento generalizado da compra na moderna distribuição, porque o consumidor se habituou a ter os seus momentos de consumo. Este aumento de compra no off trade foi de certa forma cross-category. Há categorias mais fáceis de fazer em casa, até pela simplicidade de preparação, como, por exemplo, um uísque. Algumas marcas mais complicadas de se fazer em casa não tiveram tanta tração.

Em relação ao primeiro confinamento, houve diferenças no consumo dentro do lar?
Na nossa indústria não houve diferença no cabaz de compras. O consumidor português, quando houve o primeiro confinamento, deu primazia no cabaz de compras a produtos como conservas, por exemplo. Neste segundo confinamento, os produtos enlatados já deram lugar a produtos mais frescos. O consumidor já estava mais habituado a estar em casa. Não tivemos uma grande compra no início do primeiro confinamento nem o contrário no segundo.

O agravamento da situação económica não se fez sentir no consumo dos produtos da Pernod Ricard?
Há várias estratificações. Há famílias cujo dinheiro que não utilizam em viagens e jantares fora e utilizam através da poupança que geraram. E há realidade de famílias que efetivamente perderam capacidade financeira. Não podemos ainda dizer que estas duas realidades afetaram a indústria de forma incisiva. Mas todos temos a noção de que há perda de postos de trabalho, há empresas que se reestruturaram, o que pode ter efeitos que estão ainda por vir. Esses efeitos, infelizmente, podem ser de uma crise económica e de dinheiro disponível para as famílias. Aí sim, pode ter impacto.

Estando as pessoas a ser vacinadas, poderá haver uma total abertura e uma recuperação. Estão a fazer estimativas com base em que perspetivas económicas?
Se por um lado podemos estar a falar na capacidade financeira das famílias portuguesas poder estar a ser afetada ou vir ainda a ser mais afetada, o nosso portefólio é muito completo e temos marcas que vão do segmento mais standard até ao ultra premium. Sentimos que, em alguns momentos, este trade down existiu na nossa indústria. Por outro lado, em contraciclo a essa realidade, temos de nos preparar para um dos motores da nossa atividade, a indústria do on trade. Independentemente de serem famílias que também passaram pelo mesmo processo, têm um poder de compra mais alto e o nosso portefólio tem de estar lá. São dois eixos diferentes. Parecem um pouco antagónicos, mas também temos um portefólio que é vasto para todas as categorias e para todos os níveis de segmentação.

Vai assumir, em julho, o cargo de country manager da Pernod Ricard em Portugal. Que objetivos tem traçados? Vai ser estimulante começar a trabalhar num cenário tão adverso?
Qualquer desafio destes é sempre estimulante, independentemente da conjuntura. Gostaria que a conjuntura fosse diferente. Definimos, desde 2016, uma estratégia baseada em algumas marcas foco. A nossa estratégia mantém-se a mesma porque nos trouxe resultados altamente positivos. Para o futuro, a definição estratégica vai continuar a mesma. Como já fazia parte da direção, também fiz parte da definição dessa estratégia. O objetivo é continuar com uma estratégia que nos tem levado a resultados altamente positivos em termos de ganhos de quota de mercado. Quando falamos de notoriedade e de presença das nossas marcas, é continuar esse caminho. O mundo está diferente. Veio trazer comportamentos diferentes do consumidor. O futuro passa por uma estratégia inteligente ao ponto de estar sempre atento ao que o consumidor está a pedir. É aí que está a chave do sucesso, porque ninguém sabe qual vai ser efetivamente o comportamento do consumidor daqui para a frente, mesmo abrindo o on trade. Temos de perceber se o consumidor teve uma boa experiência no consumo em casa e se a vai manter mais do que antigamente. Mais do que nunca, temos de continuar a ser uma empresa consumer-centric. Temos de estar sempre atentos àquilo que o consumidor pretende em termos de consumo e onde o consumidor vai estar para consumir as nossas marcas. E isto é fundamental para tomar algumas decisões que, sendo mais táticas ou mais estratégicas, continuemos próximos do consumidor e dos seus momentos de convívio.

Que ganhos de quota de mercado tiveram?
Em 2020 ganhámos 0,5 pontos de quota em valor, fruto dos nossos ganhos no canal off trade. Só no canal off trade ganhámos 1,7 pontos de quota.

Como pensa que será o comportamento dos consumidores em relação ao portefólio da Pernod Ricard?
Vai ter obviamente, pela sua natureza, um consumo fora de casa, sempre que lhe for permitido. Porque é cultural consumir fora de casa. Vai
voltar aos poucos assim que as condições de segurança o permitirem. Mas consumidor acelerou algumas coisas. O consumidor teve boas experiências de consumo em casa e isso irá manter-se, mais até do que que existia antes da pandemia. Por outro lado, existem algumas tendências, que já existiam antes do confinamento, como a procura de produtos mais saudáveis, um consumo não tanto à noite, mas mais ao final da tarde e diurno. Essas tendências já existiam antes, mas podem eventualmente ser aceleradas e vão acelerar no novo normal.

Foi nesse sentido que lançaram o novo Ballantines e o novo Beefeater com metade do álcool. No contexto atual, não é será arriscado estar a lançar dois produtos tão diferentes?
Não. A inovação faz parte do ADN da Pernod Ricard. Inovar para ir ao encontro daquilo que o consumidor quer. E esta categoria, na base destes produtos light, foi basicamente uma resposta ao pedido do consumidor em estudos de mercado. Fomos o segundo mercado no mundo da Pernod Ricard a lançar estas duas marcas. O primeiro foi o espanhol. Efetivamente é uma tendência que já estávamos a assistir antes da pandemia, a procura de um consumo mais equilibrado. A redução do nível de álcool e do nível calórico para metade faz todo o sentido. Quando tomámos uma decisão não é para agora. É para preparar o futuro para perceber o que os consumidores vão querer. Independentemente da pandemia, é o momento para o fazer.

Como tem sido o desempenho em Espanha?
Ainda é muito embrionário para estar a dizer. Mas a aceitação do trade tem sido muito positiva. Temos dois critérios que nos deram toda a segurança para o lançamento em Portugal, como a segurança na qualidade do produto e a boa aceitação por parte do trade, em Espanha, país que já atingiu níveis de distribuição interessantes.

Os consumidores, como já referiu, pretendem consumos mais equilibrados. Isso fará com que a Pernod Ricard lance novos produtos do género?
Inicialmente precisamos de arrancar nestas duas principais categorias. Estamos a falar das duas principais categorias do mercado em Portugal, o gin e o uísque, através de duas das nossas principais marcas, Beefeater e Ballantines. Não descartamos a possibilidade de estender versões light. Estamos a falar de versões que tenham efetivamente uma redução não só de álcool como de valor calórico noutras categorias. Mas neste momento vamos começar por estas duas e depois vamos avaliando a tração do consumidor. Um grupo como a Pernod Ricard está em continua investigação e desenvolvimento para ter sempre opções que vão ao encontro das tendências globais.

Entrevista publicada originalmente na edição 391 do Hipersuper

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