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Tempo é dinheiro

Por a 8 de Junho de 2021 as 17:35
Pedro Pimentel, diretor-geral da Centromarca

Pedro Pimentel, diretor-geral da Centromarca

Por Pedro Pimentel, director-geral da Centromarca

Desde há séculos que se discute a relação entre capital e trabalho e qual deverá ser a articulação entre um e outro numa economia de crescente conhecimento.

O desenvolvimento civilizacional, pelo menos nas economias mais evoluídas, vem permitindo fazer a ultrapassagem daquela discussão e a sua transição para uma perspectiva mais humanista dessa relação. Focamo-nos obviamente sobre produtividade e tempo de trabalho, mas também sobre a qualidade do trabalho, a felicidade no trabalho, a motivação, a remuneração emocional e, implicitamente, a própria gestão do tempo.

Por outro lado, é dada cada vez mais importância à quantidade e qualidade do tempo dedicado às actividades extra-trabalho: interacção com a família e amigos, tempos de lazer, tempos dedicados à prática desportiva e à promoção da saúde e bem-estar. E também, claro, o tempo dedicado às compras… as necessárias e as que desejamos realizar.

Para muitos, o tempo aparentemente não é um valor essencial, seja porque dispõe dele em abundância, seja porque as suas disponibilidades económicas são escassas, seja porque obtêm um gozo especial na realização de certas actividades que para outros poderão ser morosas e aborrecidas, seja porque preferem utilizá-lo em vez de compensar terceiros pela concretização de tarefas que poderiam não realizar.

Para outros, o tempo – ao contrário – é um bem escasso e, como tal, caro. E estão disponíveis a investir parte dos seus rendimentos no pagamento de serviços que terceiros possam, sem demasiadas questões, executar na sua vez, não ‘perder’ tempo com tarefas que alguém pode realizar por eles. Investir, na prática, na compra de tempo.

Poderíamos estar a falar em limpezas caseiras, na jardinagem do quintal, na mudança das lâmpadas dos faróis do carro ou – relevante para o tema deste texto – na realização de certos tipos de compras.

O último ano e o contexto em que vivemos promoveu uma fortíssima aceleração digital. O fenómeno do comércio online passou a ser seguido com crescente atenção e existe hoje a convicção clara que, mesmo com um crescimento menos estonteante nos próximos períodos, é algo que veio para ficar.

No universo do grande consumo e na pré-pandemia ainda não se tinha observado essa aceleração. Densidade da rede de lojas (em especial na malha urbana), reticências na compra online de produtos frescos ou os sobrecustos e complexidade associados à operação logística eram referenciados como factores de inibição da sua explosão.

Mas tudo a pandemia ‘levou’… A parcela de compras online realizadas no chamado retalho alimentar não cessou de crescer e representando ainda uma fatia menor (quase 4%) do total das vendas dos supermercados, todos os insights apontam para a sua aceleração e para que em 3 ou 4 anos se possa ultrapassar a barreira do duplo dígito.

Este desenvolvimento faz com que sejam vários os ângulos em que inúmeros operadores estão actualmente a trabalhar. Ao nível dos retalhistas, mas também das marcas. Da construção de aplicações cada vez mais amigáveis para o consumidor, a soluções de logística mais sofisticadas e eficazes. Do desenvolvimento de mecânicas promocionais direccionadas para este canal, à preparação de sortidos específicos e vocacionados para nichos concretos de consumidores. Da criação de sublojas temáticas, ao surgimento de aplicações específicas para o canal empresarial ou para o canal da hotelaria e restauração.

Uma parte importante da equação foca-se na área das entregas e muito se discute sobre soluções de entrega, custos de entrega ou tempos de entrega.

O boom do comércio electrónico tem uma implicação prática na necessidade de investimento na área da logística capilar. Se a nível de logística de longo curso e entregas centralizadas Portugal dá cartas, anos de desinvestimento colocaram o nosso país numa situação deficitária ao nível das entregas porta-a-porta.  E há que contar, igualmente, com a pressão para a aceleração dos tempos de entrega.

Como há poucos dias referia Pedro Soares dos Santos, numa intervenção pública, o encurtamento dos tempos de entrega será um desafio para os diferentes parceiros – retalhistas, fornecedores, operadores logísticos – e obrigará a uma gestão adequada de lojas, plataformas e armazéns específicos para fazer face a estas novas exigências.

O sector imobiliário já indica a crescente procura pelos chamados dark stores e, pelo menos nas principais malhas urbanas, podemos assistir à crescente conversão do e-commerce para um mais sofisticado q-commerce. No entanto, entregas mais ‘quick’ implicarão também um custo operacional mais elevado e maior dificuldade de resposta a encomendas mais amplas e de ‘cauda’ mais longa.

Parece, pois, que a aceleração e crescente sofisticação do e-commerce irão gerar desafios muito fortes na equação de rentabilidade de todos os elos da fileira de aprovisionamento e geram pontos de interrogação importantes quando se antecipa o avolumar da crise económica e uma sensibilidade crescente dos consumidores a preços e custos de serviço.

Mas, uma franja crescente do mercado permanecerá disponível para suportar um custo adicional para que as suas compras lhe cheguem confortavelmente a casa ao escritório, se esse mesmo custo for comedido, adequado e, acima de tudo, se for a contrapartida de uma elevada qualidade e rapidez do serviço prestado. Porque, efectivamente, para muitos consumidores tempo é e continuará a ser dinheiro.

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