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Da escassez de cartão à inovação na embalagem

Por a 17 de Maio de 2021 as 17:00

sara monte e freitasPor Sara Monte e Freitas, partner da Expense Reduction Analysts

E, no dia seguinte, ninguém recebeu encomendas por falta de embalagens. Adapto esta afirmação de um grande romance de José Saramago, ‘As Intermitências da Morte’, que começa com o sobejamente conhecido “no dia seguinte ninguém morreu”. Tal como o livro do Nobel da Literatura, esta minha frase parte de um absurdo, de uma impossibilidade ou, no mínimo, de uma enorme improbabilidade. Mas, será que o é?

Em boa verdade, mas sem dramas, no último ano, esta improbabilidade não foi assim tão grande. Houve, há e haverá escassez de embalagens no mercado, o que faz soar alertas a empresas expedidoras e catapultou os preços entre 15% a 65% acima do valor médio dos últimos anos, dependendo da base/quantidade da matéria prima de cada produto.

Ainda assim, o problema persiste e não é apenas de preço, mas, sobretudo, de disponibilidade, a menos que as organizações se tivessem precavido atempadamente e feito apoiar em parceiros com capacidade para restringir esses aumentos apenas entre 5 a 10% e lhes conseguissem assegurar stocks de embalagens capazes de satisfazer as necessidades. Foi com êxito que começámos a trabalhar nesses objetivos para muitos clientes nacionais e internacionais há mais de um ano.

Mas, a que se deve esta escassez de embalagem e consequente subida a pique dos preços de mercado, que, para muitos, é incompreensível? A explicação é simples e a mesma de muitos outros desafios que as empresas enfrentam: deve-se à pandemia.

De que forma? O confinamento gerou um aumento repentino e exponencial de compras online, que se refletiu na utilização em quantidades nunca antes vistas de embalagens para transporte, associado a quebras nos índices de reciclagem de cartão (96% do papel europeu para reciclagem é fornecido internamente). Como se não bastasse, junta-se ainda a proibição de importação de aparas para a China, desde o primeiro dia deste ano. Três fatores que geram uma duplicação de custos na matéria-prima, o que, inevitavelmente se reflete, não apenas no preço final da embalagem, mas sobretudo na sua escassez. Se a isto somarmos os açambarcamentos de stocks feitos por grandes corporações como a Amazon, a incerteza económica que atrasou o reinício da produção de papel, a procura esmagadora nos Estados Unidos, que restringiu as exportações para a Europa, a escassez de contentores para transporte, ou estrangulamento do canal do Suez, então, temos a tempestade perfeita que conduziu os preços de matéria-prima e produto acabado a valores nunca antes vistos.

Sendo a embalagem essencial para o transporte de roupa a medicamentos, de comida a equipamentos industriais, a escapatória ao cartão passou para o plástico. Ora, uma opção que se revelou inviável, dado este material ter sofrido das mesmas contingências do cartão. Aquela que poderia ser uma solução, ainda que transitória, não o é.

E, como não há duas sem três, (infelizmente e mesmo nas notícias menos boas), a pandemia também acelerou o declínio estrutural das gramagens gráficas. A produção global diminuiu 18,0%. As referências de papel de jornal e papel de impressão e escrita diminuíram 20,5% e 18,4%, respetivamente.

Mas, como diz um colega britânico, e sendo o papel de embalagem aquele que é o nosso foco, “cardboard  shortage forces retailers to box clever”. É aqui que as marcas e retalhistas online e offline se têm de focar. Reinventar e fazer da ameaça uma oportunidade de diferenciação.

Estamos a trabalhar nesse sentido em parceria com mais de 20 clientes de setores muito diversos, depois de, no imediato, assegurarmos embalagem em quantidade satisfatória e a valores contidos, face ao mercado atual.

Ultrapassada a necessidade imediata de satisfazer uma necessidade premente, é tempo de pensar em inovação e, adaptando o que diz o meu colega do Reino Unido, esta crise vai obrigar os retalhistas a embalarem de forma mais inteligente, criativa e diferencial, face à concorrência.

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