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Feiras digitais trazem sabores tradicionais para o online

Por a 4 de Maio de 2021 as 12:21

sites OW7U2V1Uma parceria entre os CTT, o marketplace Dott e algumas autarquias permitiu lançar uma solução que ajudou pequenos produtores e comerciantes a escoar toneladas de produtos regionais em menos de um ano. Vinhos, azeite, queijo, enchidos e mel são os produtos estrela das feiras virtuais

Em resposta às limitações e medidas de contenção promovidas pelas autoridades nacionais para travar a expansão da Covid-19, as entidades organizadoras de feiras tradicionais, assim como produtores, comerciantes, online pure players e empresas especializadas no transporte de última milha rapidamente se organizaram para adaptar o modelo de negócio das tradicionais feiras regionais para o universo online. E está a correr bem. Entre as vantagens deste modelo destaca-se desde logo, para muitos pequenos produtores e comerciantes, a estreia no mundo virtual. Para muitas empresas esta primeira experiência de venda online foi o ponto de partida para identificar as oportunidades do comércio eletrónico. Para muitos produtores e comerciantes, as feiras online foram também a sua fonte privilegiada de rendimento nestes tempos atípicos de restrições ao comércio, permitindo continuar a produzir e a escoar os seus produtos durante os confinamentos.

Através desta experiência, muitas marcas de produtos regionais conseguiram também intensificar as suas relações com os consumidores finais, eliminado os intermediários. Além disso, o potencial de visitantes das lojas virtuais das feiras regionais é largamente superior ao das feiras físicas, já que os operadores têm a possibilidade de vender em todo o país em vez de comercializar os seus produtos num circuito exclusivamente regional.

Mas, as vantagens não ficam por aqui.  Trazer para o online as feiras tradicionais foi uma forma que as autarquias, principais investidores e impulsionadores de muitos destes projetos, encontraram para manter vivas as suas tradições, promover as suas atividades económicas, valorizar o tecido empresarial, os produtos endógenos, a cultura e as marcas identitárias das respetivas regiões. Em alguns casos, há feiras que se levam a cabo há dezenas de anos e a sua realização física está pela primeira vez impedida por razões sanitárias.

Por outro lado, tratando-se de produtos regionais, endógenos e culturais, estas plataformas albergam muitas vezes produtos únicos e exclusivos, difíceis de encontrar a nível nacional. Estas plataformas permitem ainda a venda cruzada, casando produtos como charcutaria e vinhos, só para dar um exemplo.

Em termos económicos, à partida, o investimento de participação numa feira digital será inferior ao de uma feira física, além de serem eliminados custos com deslocações. A longevidade destes eventos também é maior. Em alguns casos, as feiras estão disponíveis durante seis meses. E não nos podemos esquecer que os consumidores recebem a sua encomenda no conforto do lar e muitas vezes sem custos de envio.

Mas, como tudo na vida, nem tudo são rosas. O canal online não substitui as relações humanas, uma conversa “olhos nos olhos”, não permite visualizar o produto, cheirá-lo e prová-lo, se for caso disso. Além disso, mantém-se a resistência de alguns portugueses às compras online, por motivos de segurança, por não estarem familiarizados com as novas tecnologias, entre outros. A não existência de feiras físicas também tem um impacto brutal no turismo e nas fontes de receitas do tecido empresarial dessas regiões. Há ainda três problemas identificados pelas empresas e organizações ouvidas pelo Hipersuper, a adesão das empresas ao formato online é lenta, os preços de produtor para produtor não são uniformes e registam-se atrasos nas entregas, com as empresas impreparadas para dar resposta a um crescimento do comércio online inesperado antes da pandemia e que constituem uma experiência negativa para os consumidores que utilizam os canais digitais para comprar, muitas vezes, pela primeira vez.

“As vendas são bastante positivas”

No início da pandemia, os CTT e o Dott, maior marketplace de origem portuguesa, detido pelos CTT e pela Sonae, deram as mãos para criar uma solução e um modelo de negócio para as feiras regionais na Internet. “Com o início da pandemia, os CTT identificaram de imediato que havia um conjunto de comerciantes e produtores que nunca tinham estado no ecommerce e que teriam dificuldades em entrar com a rapidez que a situação exigia”, revela Miguel Salema Garção, diretor de comunicação e sustentabilidade dos CTT, em entrevista ao Hipersuper. A empresa lançou três soluções para dar resposta a estas necessidades, uma das quais em parceria com o Dott, designada Feiras & Showrooms.

“O balanço é muito positivo. Tem havido um enorme interesse por parte dos municípios e das associações, que veem nesta solução, por um lado, uma forma de continuar a escoar os seus produtos e, por outro, um lado mais emocional de poder garantir que não há uma interrupção – em muitos casos, estas feiras realizam-se há dezenas de anos sem nunca ter havido um ano em que não se realizasse. Até ao momento, já foram feitas mais de uma dezena de feiras, e há já outras tantas agendadas para 2021”, resume Salema Garção.

“Além disso, as vendas são bastante positivas. Em menos de um ano, as feiras digitais escoaram toneladas de produtos, com uma diversidade de mais de mil produtos, mais de 150 vendedores, entre comércio tradicional e produtores, cerca de 10 mil produtos vendidos e mais de sete mil encomendas, nas mais variadas categorias – vinhos, azeite, cabazes, queijos, enchidos, mel, infusões e livros, entre outros – mostrando o sucesso da iniciativa e a confiança que os municípios depositam nos CTT e no Dott para apoiar o funcionamento da economia”, acrescenta o responsável.

Entre as vantagens do modelo desenhado para as feiras online, Salema Garção destaca desde logo a robustez tecnológica da plataforma de vendas online. “O facto de termos por base o maior marketplace português confere um fator de credibilidade, segurança e robustez tecnológica que de outra forma os municípios e associações não teriam forma de montar sozinhos, com a rapidez e eficiência de custos que os CTT conseguem”. Depois, o facto de os produtores e comerciantes poderem contar com uma equipa dedicada, “que lhes carrega os produtos e preços [na plataforma], os aconselha sobre as fotografias adequadas e, no fundo, presta um apoio end-to-end que de outra forma não permitiria a este tipo de empresas entrarem no ecommerce”.

Por último, a integração. “Todo o processo, desde o marketplace propriamente dito, passando pelos pagamentos, até às entregas via CTT Expresso estão unificadas nesta plataforma por forma a que o produtor ou comerciante só tenha que se preocupar em vender os seus produtos. Além disso, do ponto de vista do comerciante, este modelo permite vender para todo o país, em vez de vender apenas regionalmente, com um interessante potencial de crescimento de negócio”.

A principal métrica utilizada para avaliar o modelo de negócio são as vendas. Além das vendas, o principal rendimento dos vendedores, os CTT têm monitorizado o impacto mediático destas iniciativas. “Tem sido bastante elevado, o que prova que estas feiras são iniciativas que as populações valorizam e que a sua não interrupção através destas iniciativas digitais são bem acolhidas e reconhecidas como um esforço de ajuda aos produtores locais”.

O retorno do investimento é medido pelas vendas e pelo custo de operação mais baixo. “Com as feiras físicas, os próprios produtores tinham que fazer investimentos, movimentar os seus stocks, montar as suas bancas, entre outros. Neste caso, são os próprios CTT que vão à morada do produtor buscar as encomendas e entregar aos clientes. Pelo que toda a logística fica bastante facilitada com benefícios de custo para os produtores”.

Sobre o futuro, o diretor de comunicação e sustentabilidade dos CTT acredita que o modelo de feira digital veio para ficar. “O digital ficará em definitivo como um canal de venda até porque a sua abrangência é muito maior, além de ser complementar à venda física. Estas feiras no formato digital permitem que qualquer pessoa, por mais longe fisicamente que esteja do local onde a mesma está a decorrer, possa aceder a estes produtos regionais, o que alarga o leque de clientes a que os produtores tipicamente chegavam”, conclui.

Feiras digitais de 15 dias ou showrooms de 6 meses

“Quando surgiu o primeiro confinamento começámos a pensar em várias ideias e trazer o tradicional para o online era uma delas, ajudar as marcas portuguesas sempre esteve no nosso ADN e foi algo que ainda fez mais sentido quando as marcas se viram impedidas de vender nos seus espaços físicos”, começa por contar Filipe Themudo, responsável de growth do Dott, em entrevista ao Hipersuper. “A juntar a esta ideia, esteve a necessidade que as câmaras municipais nos relataram e para a qual pediram ajuda. Estes habituais certames são uma forma de manter vivas as tradições de cada região, de divulgar marcas regionais, mas também de ajudar a escoar os produtos tradicionais de produtores e comércio local e, por isso, uma fonte de rendimento indispensável para muitos”.

Nasceu, assim, a solução de feiras digitais que se divide em dois modelos: um mais simples com duração de 15 dias e um modelo de showroom digitais com a duração de seis meses. O Dott trabalha antecipadamente o design gráfico da feira, a comunicação e ajuda os vendedores a inserir os produtos na plataforma e a perceber como funciona todo o processo.

Filipe Themudo explica que são modelos vendidos aos promotores e incluem a página onde o Dott destaca os seus produtos e vendedores, a divulgação da feira, o destaque na home page e redes sociais, mas também “um desconto especial na comissão que permite aos expositores beneficiar de condições especiais que lhes permitam ser mais competitivos durante o período da feira”.

O balanço é positivo. Pelo menos duas feiras já bisaram a sua realização, a Feira do Queijo de Oliveira do Hospital e o Showroom Mercado Prove Viseu Dão Lafões. “Qualquer modelo no Dott é rentável para os vendedores, uma vez recebemos apenas uma comissão por cada venda”, garante Filipe Themudo. O investimento será sempre mais reduzido no formato online, garante, “porque os vendedores pagam apenas uma percentagem por cada venda e no caso das feiras esse valor é ainda mais reduzido. Todo o investimento em marketing, em design e na plataforma é feito pelo Dott. É muito mais rentável e seguro estar num marketplace do que investir num site próprio, sobretudo quando não se tem experiência em ecommece”.

Sobre as vantagens deste modelo, o responsável destaca “o facto de ser a única forma possível de fazer acontecer estes eventos que, devido a todos os constrangimentos que a pandemia trouxe, estão impedidos de se realizar no seu formato habitual”. Depois, caso entendam, os produtores podem continuar a vender os seus produtos no Dott. “Muitas vezes é preciso uma primeira experiência para se perceber o valor do ecommerce e desmistificar alguns receios. E as feiras vieram provar que qualquer pessoa pode ter uma loja online, mesmo que não perceba nada do assunto”.

No que diz respeito à adesão dos portugueses ao formato, Filipe Themudo diz que superou as expectativas. “O sucesso foi enorme, superando expectativas e esgotando o stock de muitas feiras”. A maior dificuldade é a “resistência que algumas pessoas têm ao online, mas a pandemia obrigou-nos a perder esse medo, seja de vender ou de comprar”.

Município de Gouveia aposta no novo formato

A primeira feira no Dott foi a Feira de Queijo DOP, em abril de 2020, onde se venderam mais de mil queijos na primeira semana. Atualmente, está a decorrer a feira virtual da Serra da Estrela, cuja realização de estenderá até 21 de agosto. A iniciativa do município de Gouveia contou nesta fase inicial com a adesão de 15 produtores e cerca de 150 produtos, como entregas não só em Portugal Continental, mas também nos arquipélagos.

Fonte da Câmara Municipal de Gouveia revelou, em declarações ao Hipersuper, que, para a maioria dos produtores presentes nas feiras, foi a primeira experiência online. “Tendo em conta que ainda estamos no início do certame, e sabendo que decorre até agosto, é ainda prematuro fazer um balanço, mas temos conhecimento de que a maior parte dos produtores presentes no evento já realizou vendas”. Para os produtores o modelo é “sempre rentável”, considerando que “o município apoiou a inscrição dos produtores e o valor das comissões é mínimo”.

Há uma dificuldade na exploração deste formato, realça a mesma fonte, que passa pela divulgação destes modelos. “Vivemos em tempos muito rápidos. As pessoas não têm a paciência necessária para procurar algo que não esteja identificável. Existe muita informação difícil de filtrar”. Por outro lado, por haver “uma grande diversidade de feiras online, há muita oferta, o que acaba por confundir um pouco o consumidor final”.

Apesar de conseguirem escoar alguma produção online, há setores que continuam com muita dificuldade em vender os seus produtos. “As feiras virtuais nunca poderão substituir as feiras físicas, o contacto com o cliente e do cliente com o produto é muito importante. O modelo de feiras virtuais pode decorrer ao mesmo tempo que as feiras físicas. Existindo as duas formas de feiras, o produtor sairá beneficiado”, salienta.

“Primeiro estranha-se, depois entranha-se”

“Primeiro estranha-se, depois entranha-se”. É assim que fonte da Associação Empresarial do Sabugal (ADES) resume ao Hipersuper a aventura de adaptar o negócio de uma feira física à world wide web. “A ADES organizava feiras periódicas em épocas festivas para apoiar produtores locais e artesãos. Por isso, foi um desafio para a nossa associação e também para os próprios produtores locais. Foi difícil na primeira edição online, pois os artesãos e produtores locais não estavam habituados e estavam reticentes em relação a esta forma de venda. Como se costuma dizer ‘primeiro estranha-se depois entranha-se’. Tratou-se de um desafio bastante agradável, já desenvolvemos três edições de feiras online”.

A ADES optou por adotar a plataforma de vendas online Smartfarmer, dinamizada pela OIKOS, uma organização não governamental. Entre as principais vantagens deste modelo, o interlocutor da associação destaca “a possibilidade de os clientes receberem os seus produtos no conforto de casa e a valorização dos produtores locais”. Pelo contrário, as principais desvantagens são a ausência de relações humanas e os atrasos nas entregas, o facto de alguns produtos não poderem ser adquiridos online ou experimentados antes da compra.

O balanço é positivo, “ainda não podemos afirmar que o modelo é rentável, mas achamos que se está no bom caminho. A adesão da população tem sido feita de forma gradual, o que no nosso caso tem muito a ver com a demografia da região. Verificamos uma maior procura nas feiras online por parte da população residente nos grandes centros urbanos, nomeadamente de Lisboa”.

As empresas não têm encargos para participar na feira, mas deverão estar licenciadas e serem portadoras da Carta de Artesão e UPA (Unidade Produtiva Artesanal).
*Artigo originalmente publicado na edição 389 do Hipersuper

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