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De negócio de subscrição ao retalho. A história da primeira marca portuguesa de pensos higiénicos eco-friendly

Por a 29 de Dezembro de 2020 as 11:19
Period Box

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Depois de trabalhar no marketing de empresas de FMCG, Marta Cardoso, perante uma adversidade, teve uma “wake-up call” que a levou a viajou pelo mundo. O confronto com níveis de poluição sem precedentes iluminou-lhe o caminho e resolveu lançar uma marca de higiene menstrual com vocação ecológica. Conheça a história da Clementine

Perante uma adversidade, Marta Cardoso decidiu viajar pela Ásia com a família durante seis meses. “Tivemos [eu e o meu marido] uma ‘wake-up call’, após uma adversidade. Não devemos adiar os nossos sonhos, não sabemos o dia de amanhã. Um cliché, eu sei! Mas nós pusemo-lo em prática e partimos com uma mochila e três filhos pequenos lá fomos fazer a nossa viagem de sonho”, relata ao Hipersuper a fundadora da marca Clementine.

Durante a viagem foi confrontada com o excesso de poluição e tomou uma resolução: queria ser parte ativa da redução da pegada ecológica e mostrar, através do exemplo, aos filhos pequenos como se deve proceder para preservar o ambiente. “Foi durante a viagem pela Ásia, em que me impressionou o excesso de poluição nas ruas e de plásticos nas praias, que decidi que tinha de ser parte ativa na redução da pegada ecológica, por nós, e pelas futuras gerações. Depois, ao aperceber-me do impacto que a maioria dos produtos de higiene feminina descartáveis têm no ambiente por causa do plástico – assim como na saúde da mulher – pela utilização de lixivia e cloro, entre outros produtos tóxicos na sua composição – resolvi por mãos à obra. Foi então que nasceu a Clementine”, resume a especialista em marketing com experiência em empresas de “Fast Moving Consuming Goods” (FMCG).

Desta experiência “de sonho” nasceu a primeira marca portuguesa de pensos higiénicos e tampões eco-friendly – 95% do seu material é biodegradável no caso dos pensos e 100% no caso dos tampões – com um modelo de negócio também inovador. É a primeira marca deste setor a apostar numa lógica “home delivery” (entrega ao domicílio), através de um modelo de subscrição. Além do sistema de subscrição, a loja online da Clementine permite efetuar compras únicas. A Clementine não tem concorrência direta em Portugal e considera seus adversários as empresas britânicas TOTM e a Freda.

Marta Cardoso, fundadora da Clementine

Marta Cardoso, fundadora da Clementine

Do “home delivery” ao retalho tradicional

Experiente no mercado de bens de grande consumo e atenta à categoria de higiene íntima feminina, Marta Cardoso cedo detetou o potencial de redução da pegada ecológica através da reformulação destes produtos. “Encontrei uma falha grande na categoria de produtos para a higiene íntima feminina, pois a oferta anda à volta de produtos com muitos químicos e repletos de plástico na sua composição e embalagem. Assumindo que metade da população mundial é feminina, e que cada mulher é menstruada, em média, durante cerca de 40 anos, percebi que o potencial na redução da pegada ecológica, através de produtos mais amigos do ambiente, era enorme e que era por aí que queria seguir”.

O projeto demorou cerca de um ano a sair do papel. “O facto de ter trabalhado em marketing em multinacionais FMCG a vida toda, deu-me a experiência e o ‘drive’ necessário para iniciar de raiz um projeto com esta dimensão e esta ambição”, acredita.

A viagem foi há três anos, a marca foi lançada com o modelo de subscrição em outubro e, até ao final do ano, contou Marta Cardoso ao Hipersuper, há planos para entrar no retalho tradicional. “Os canais de distribuição tradicionais são muito importantes, pois levam o produto a todas as pessoas que não sentem confortáveis em comprar online e, por isso, a nossa estratégia, passa por estar presente nestes canais já no último trimestre de 2020”.

A aposta no retalho físico passa pela presença da marca em lojas especializadas e espaços com vocação ambiental e ecológica. O plano de expansão da Clementine prevê “estarmos presentes em lojas físicas e, com isso, estarmos mais perto de consumidoras que não se sintam tão confortáveis em comprar na internet, mas cujas preocupações ambientais e de saúde íntima sejam elevadas. A nossa prioridade passará por estar presente em lojas onde a preocupação ambiental faça parte da sua estratégia”, sustenta.

Clementine_49O modelo de negócio

A Clementine opera a partir da loja online através de um modelo de subscrição para as caixas “period box”, concebidas à medida das necessidades de cada mulher. É a própria que seleciona online os produtos que pretende integrar na caixa, assim como a frequência de entrega. Além de Portugal, a loja online vende para todos os mercados europeus.

A opção pelo modelo de negócio de subscrição de um serviço com entrega ao domicílio faz todo o sentido para a empresária, numa altura “em que se verifica um aumento das compras online. Os consumidores preferem cada vez mais fazer as suas compras sem saírem de casa e receberem tudo em casa ou no escritório”.

Além disso, o modelo de subscrição permite ainda o “conforto de garantir que a mulher recebe em casa, com a periodicidade desejada, os produtos que são necessários todos os meses para a menstruação, evitando com isto serem apanhadas desprevenidas”, explica.

Marta Cardoso reconhece, no entanto, os desafios da implementação de um negócio de retalho por subscrição no mercado português, onde ainda é pouco utilizado. “Em Portugal, o maior desafio para um modelo de subscrição é a falta de confiança que os portugueses ainda têm das compras online e também a necessidade de ter um parceiro que garanta as entregas das encomendas no mais curto de tempo desejado, com preços competitivos”.

O estádio de desenvolvimento da consciência ambiental dos portugueses é mais um grande desafio para a nova marca. “Existe nos países mais desenvolvidos uma maior preocupação com o ambiente. Mas cada um de nós está a ser, cada vez mais, chamado a fazer compras conscientes. Já existem no mercado soluções “zero waste”, como o copo menstrual, cuecas menstruais e pensos de pano, reutilizáveis, mas há milhares de mulheres que não se sentem confortáveis com essas soluções e, por isso, havia uma lacuna na oferta de pensos e tampões mais amigos do ambiente. O nosso lançamento tem como objetivo preencher esta lacuna de mercado, e é para toda a Europa, não se focou exclusivamente em Portugal”, defende.

Antes de lançar a marca, Marta Cardoso testou a eficácia dos produtos através de estudos de mercado. “Fizemos um estudo de mercado que passou pela experimentação dos produtos, para termos a certeza de que estes produtos, que não têm toda a investigação e tecnologia que existe por trás dos produtos das marcas mais conhecidas, cumprem o seu propósito com eficácia. O resultado do estudo foi positivo e, por isso, lançamos a marca com esta oferta”.

A fundadora da Clementine ressalva, no entanto, que este é um negócio “work in progress”. “É um tipo de modelo de negócio que permite receber diariamente e a qualquer hora o ‘feedback’ das consumidoras, possibilitando retirar ‘insights’ importantes relativamente a todo o negócio e implementar medidas de ação quase no imediato. Ouvir as nossas consumidoras é chave para nós”.

Custo de produção: o grande desafioClementine_14

Os produtos da Clementine não contêm lixívia, cloro, fragâncias, fibras sintéticas, aditivos químicos, corantes, pesticidas, toxinas, látex, OMG e formaldeído. Os tampões, com e sem aplicador, são 100% feitos de algodão orgânico certificado e são embalados com papel biodegradável, “o que os diferencia de todas as outras marcas do mercado nacional, onde os tampões sem aplicador são embalados em plástico. São, assim, 100% biodegradáveis”. Já os pensos higiénicos, disponíveis com abas finas e ergonómicas, são feitos de fibra de bambu, polpa de celulose e amido de milho. São 95% biodegradáveis. Os restantes 5% dizem respeito ao polímero muito fino que “assegura” a inexistências de fugas.

São poduzidos em fábricas europeias, onde Marta Cardoso conseguiu encontrar “parceiros de produção com um ‘mindset’ ecológico muito grande e foi muito fácil adaptar os nossos produtos à capacidade de produção” destes fabricantes. No que diz respeito ao caderno de encargos, “os produtos têm certificação de origem, mas como existe a customização das ‘period boxes’ feita nas nossas instalações, a entidade certificadora exige uma certificação só nossa. Estamos, neste momento, a concluir a certificação GOTS [Global Organic Textile Standard] para em breve a poder comunicar na embalagem e no site”, conta.

A responsável confidencia que o custo de produção dos produtos é, talvez, o maior desafio do negócio que criou. “As fábricas estão preparadas para grandes produções em massa, que otimizem a produtividades nas fábricas, com matérias primas baratas. A produção destes produtos com ingredientes premium, como o algodão 100% orgânico, sem químicos, encarece o produto e provoca quebras de produtividade nas linhas de produção. Isto faz com que o produto final, seja mais caro do que o que se encontra nas prateleiras dos supermercados e, por isso, pode ser uma barreira à sua compra”.

No entanto, garante, o preço dos produtos está alinhado com o preço de pensos e tampões com posicionamento mais ecológico vendidos em lojas online na Europa e em lojas físicas especializadas. Garantir preços competitivos nas entregas é, por isso, mais um desafio. “Garantir as entregas das encomendas num curto espaço de tempo e com preços competitivos será um desafio a que as empresas do setor terão de responder. O comércio eletrónico será o futuro e estes parceiros têm de se tornar mais eficientes e competitivos”, vaticina.

As embalagens, essas, são também amigas do ambiente e são “discretas de forma a não se conseguir perceber o seu conteúdo” para serem entregues em qualquer local, no trabalho ou em casa, por exemplo. A “period box” também permite significativas poupanças ambientais. “Uma só embalagem e vários produtos diferentes vendidos avulso permitem eliminar diferentes embalagens em cada um”, termina.

Retrato da concorrência

Sem concorrência direta em Portugal, a Clementine considera as empresas britânicas TOMT e Freda os seus principais adversários. A TOTM é uma marca britânica ecológica, ética e sustentável de produtos de higiene menstrual. Conheceu a luz do dia em 2016 com a missão de facilitar a vida às mulheres menstruadas e ajudar o ambiente. Os produtos estão registados na The Vegan Society.

O modelo de negócio core da empresa assenta num negócio de subscrição com entrega ao domicílio, através da sua própria loja online, mas também comercializa dos seus produtos na cadeia de distribuição britânica Tesco e nos retalhistas Superdrug Online e Urban Outfitters.

A oferta consiste numa linha de pensos higiénicos e tampões feitos com algodão orgânico com certificação GOTS. Ao contrário do algodão convencional, o algodão orgânico é cultivado sem utilização de químicos e outros produtos nocivos ao ambiente.

Em comunicado publicado no seu site, a TOMT indica que está a revolucionar o mercado “femcare”, avaliado mundialmente em 29 mil milhões de libras (cerca de 32 mil milhões de euros), com o lançamento de produtos sustentáveis, incluindo tampões de algodão orgânico e copos menstruais reutilizáveis. A marca diz ter uma quota de 40% do mercado de cuidados menstruais orgânicos no Reino Unido, à boleia de consumidores cada vez mais preocupados com o meio ambiente ou com problemas de saúde associados ao plástico descartável. No ano passado, a TOMT alcançou um volume de negócios de 1,3 milhões de libras (cerca de 1,5 milhões de euros). Nos últimos três anos, atingiu uma taxa composta de crescimento anual (CAGR) de 176%.

A Freda, por sua vez, é uma startup baseada no Reino Unido com um modelo de negócio de subscrição online com entrega ao domicílio e além da vocação ambiental tem um forte propósito social. Por cada subscrição realizada na sua loja online, a empresa financia a empresa social – KiliPads – dirigida por mulheres na Tanzânia, para produzir e distribuir pensos higiénicos reutilizáveis localmente pelas escolas do país.

A sua fundadora, Affi, quando confrontada com as notícias que davam conta de refugiados presos em fronteiras europeias, e relembrando a sua própria experiência de refugiada, pensou naquelas mulheres sem acesso a produtos menstruais, já que estes produtos não fazem parte dos kits de higiene distribuídos pelas organizações de ajuda humanitária. Resolveu, assim, lançar o seu próprio negócio e partilhar o lucro com empresas que possam produzir e distribuir estes produtos entre os mais necessitados.

 

 

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