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Opinião. Estarão as franquias de retalho alimentar condenadas ao falhanço?

Por a 13 de Outubro de 2020 as 14:38

Foto Miguel (2)Por Miguel Murta Cardoso, CEO da Compracá

A nível mundial existem diversas redes de franquia que surgem para apoiar os comerciantes independentes. Nas missões dessas empresas podemos encontrar chavões como “suportar o crescimento do comerciante independente”, “fornecer maior poder de negociação ao pequeno comerciante”, “capacitar o pequeno comércio com as tecnologias e processos mais inovadores de mercado”, entre outros.

Porém, em qualquer parte do mundo, as críticas por parte dos franqueados são bastante semelhantes: “não há competitividade”, “os gestores da franquia não acrescentam valor”, “só querem empurrar produtos”, “a informação que nos enviam é bastante limitada”, “há muitos problemas com a logística”, entre outros.

Ao longo dos últimos anos tive a oportunidade de trabalhar e acompanhar diversos projetos de franquias tanto a nível nacional como internacional. Tive a oportunidade de estar posicionado nas diferentes perspetivas: do lado da empresa franqueadora, do lado do franqueado e como consultor de projetos, o que acredito que me permite ter uma visão imparcial e global.

Assim sendo, o que a minha experiência me leva a concluir é que existe um simples motivo que faz com que as franquias sejam tão pouco consistentes e a rotação de franqueados (turnover) seja tão elevada: o desempenho da equipa da sociedade franqueadora não pode ser medido através das métricas tradicionais de retalho como “quantidade de lojas inauguradas por ano” ou “valor de compras ao franqueador ao ano”. Enquanto assim for, os gestores continuarão a focar-se em atingir as suas próprias metas e não nas reais necessidades e saúde financeira dos seus parceiros.

O erro começa logo na angariação de novos fraqueados. Imaginemos que ao final do ano o meu bónus vai ser em função do número de lojas abertas, então à partida não me preocupa tanto que estas lojas sejam viáveis e apresentem potencial de vingar com a nossa marca. Isto faz com que as equipas de expansão se preocupem maioritariamente em abrir lojas e não com as projeções financeiras desses negócios.

Este primeiro erro tem duas consequências bastante impactantes. Em primeiro lugar, colocamos equipas de operações e logística a trabalhar para parceiros que à partida têm um prazo de sobrevivência reduzido ao invés de maximizarem os seus esforços para parceiros que realmente agregam valor. Em segundo lugar, estas lojas que ficam abertas pouco tempo, acabam por passar períodos bastante complicados antes de fechar, ficando sem mercadoria, com pessoal reduzido, lojas sujas, entre outros problemas. Esse período, que por vezes dura meses ou mesmo anos, tem um impacto bastante negativo na perceção do público em geral sobre a imagem de marca do franqueador.

Porém, o problema não se fica por aí. Ultrapassando esse ponto, é claro que as equipas de operações que dão apoio às lojas também estão mais preocupadas com os seus objetivos anuais do que com a saúde financeira do seu parceiro. Isto faz com que a confiança nessas equipas se vá deteriorando, bem como a expectativa do que deveria ser um parceiro de negócio com os mesmos interesses. Por exemplo, todas as redes de franquia forçam os seus franqueados a comprar mais ao franqueador. Mesmo que o franqueado demonstre que consegue alternativas mais competitivas ou que os produtos indicados pelo franqueador não fazem sentido para determinado supermercado. Isto demonstra claramente que não há preocupação com o parceiro, mas sim com os seus objetivos anuais.

Desta forma, acredito que a solução para a gestão de franquias passa por uma alteração de modelo de avaliação das equipas que suportam o negócio. Devem-se abandonar os tradicionais indicadores de desempenho de retalho, em prol de novas métricas de avaliação do sucesso dos parceiros de negócio. Por exemplo, em vez de ter como meta 20 lojas inauguradas por ano, ter 20 lojas que estão cinco anos a dar lucro. Ou em vez de ter dez milhões de euros de compras faturadas, ter 90% de avaliações positivas feitas pelos franqueados à competitividade do franqueador.

Num primeiro momento, poderá parecer que isto não é viável, porque o que mede os resultados financeiros do franqueador no curto prazo são os indicadores tradicionais. Porém, enquanto o franqueador só se preocupar com os resultados financeiros do curto prazo, continuará a verificar taxas de abandono dos seus franqueados altíssimas, seja por insatisfação dos mesmos, seja por insolvências das empresas. Por outro lado, se ajustarmos os indicadores à realidade deste modelo de negócio, poderá haver uma mudança de cultura em que o importante passará a ser o sucesso do franqueado no longo prazo, ao invés do sucesso do franqueador no curto prazo. E é aí que se encontra a chave do sucesso: os bons resultados dos franqueados no longo prazo terão como consequência o sucesso do franqueador no longo prazo. Mas para isso é preciso ter coragem para mudar e acabar já com as tradicionais metas no próximo ano.


*Artigo originalmente publicado na edição de setembro do Hipersuper

 

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