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Entrevista: “Mercadona não vai mudar a estratégia devido à pressão dos preços”

Por a 10 de Agosto de 2020 as 11:19

Elena Aldana 1Em entrevista ao Hipersuper, Elena Aldana, diretora-geral internacional de relações externas da Mercadona, faz um balanço do primeiro ano da operação em Portugal e salienta que a empresa não muda a sua estratégia em Portugal

Com um ano de operação, que aprendizagem retiraram do mercado português?

A Mercadona anunciou a entrada em Portugal em 2016. Até 2019 estivemos a estudar todo o mercado e a criar toda a infraestrutura da Mercadona Portugal, como a criação da sociedade, a contratação e formação das pessoas, a procura de fornecedores, o conhecimento da sociedade, instituições e associações. E foi criada, na parte do capital, uma sociedade para pagar os impostos em Portugal. O que foi muito relevante. Tivemos de estudar toda a gama e sortido dos produtos que tínhamos de pôr nas prateleiras, sempre com uma visão de que, em Portugal, tínhamos de ser portugueses. Descobrimos imensas diferenças no centro de Coinovação de Matosinhos, como no packaging e nos sabores dos produtos. Este trabalho de aprendizagem, que foi no início mais teórico, teve posteriormente uma parte prática, principalmente no relacionamento com a sociedade e com os fornecedores.  Os produtos eram comprados e enviados para Espanha, mas realmente tínhamos de ver como iam funcionar nas lojas assim que abrissem em Portugal. Depois da abertura, a adaptação foi imensa.

Que adaptações foram feitas?

Na gama dos produtos percebemos que talvez fôssemos portugueses a mais, que podíamos trazer produtos novos de Espanha que os próprios clientes estavam à procura porque já conheciam a Mercadona em Espanha. Começámos a lançar produtos que tínhamos no sortido em Espanha também em Portugal, mas sempre com a ambição de que o principal era a compra a fornecedores locais. Depois da adaptação, tivemos de descer os preços de 2.000 produtos, porque estávamos um bocado desposicionados. Temos a política de não fazer promoções, uma política sempre de preços baixos.

Já estão totalmente adaptados?

É um processo de aprendizagem continua. A Mercadona, em Espanha, também está continuamente a mudar e a e a lançar novos projetos. O que estamos a fazer em Portugal é ver projetos que estão em andamento em Espanha que poderiam ter sucesso em Portugal. Espanha também está a pedir coisas para lá porque são coisas inovadoras e que podemos lançar no mercado

A Mercadona faturou 32 milhões de euros em 2019 em Portugal. A faturação nos dois primeiros meses do ano, em média, esteve em linha com os meses anteriores?

Faturámos 32 milhões de euros num semestre. Não foi no ano completo. E também não foi com as dez lojas a funcionar. Estamos ainda a abrir lojas todos os meses. Estamos ainda numa fase de crescimento e desenvolvimento. Janeiro e fevereiro, depois da campanha de natal, são normalmente meses fracos. Temos na distribuição muita sazonalidade. Estava dentro do que podia ser o normal. Claro que nunca vou dizer a 100% que era o normal porque nunca tivemos um janeiro e um fevereiro em Portugal.

Em março houve um recorde de faturação no grupo, no período de açambarcamento. O que ocorreu na Mercadona?

Uma venda inusitada. Com a campanha de Páscoa, as pessoas começam a preparar-se também para as férias e levam mais produto. Há normalmente um pico em março. Neste caso o pico foi totalmente anormal. As pessoas foram à procura de muitos produtos movidos sobretudo pelo medo. Temos os casos do papel higiénico, desinfetante, lixívias. Estes produtos de primeira necessidade são aqueles normalmente os que têm uma margem menor. Pode-se vender muito, mas o lucro é muito baixo. Devemos acrescentar que os custos também dispararam porque tivemos de implementar todas as medidas de segurança e saúde nas próprias lojas.

O mês foi rentável?

Março não foi rentável. Vendemos muito, mas também tivemos muitos custos. E o lucro caiu bastante. A partir de abril, as pessoas começaram a comprar outro tipo de produtos. Começou o bom tempo e já estamos mais próximos do verão. Em abril e maio, as vendas continuaram a subir, mas de uma forma mais racional. As pessoas passaram a levar produtos de maior valor acrescentado e com maior margem. Abril e maio foram bastante bons em termos de vendas. Também para as contas da empresa. Os próprios clientes valorizaram imenso as medidas que a Mercadona implementou na própria loja. Todos o serviço e atenção dados aos clientes ajudaram-nos imenso a valorizar esse esforço que fizemos em termos de custos. Mas esse esforço era necessário e penso que devíamos fazer.

E, em termos de custos, atribuíram também um prémio de 20% do salário bruto aos trabalhadores.

No próprio salário de março já receberam esses 20%. Foi fundamental para que estivessem motivados numa situação em que ainda nem sabíamos o que ia acontecer. Para que eles soubessem que, em primeiro lugar, segurança e saúde estava garantida. Depois houve uma motivação, em termos do salário, pelo esforço que estão a desenvolver.

Em Espanha foi noticiado que os lucros da Mercadona desceram, no global 95%, em março. Em Portugal houve lucro?

O lucro caiu 95% em março, porque as medidas de segurança foram implementadas em Espanha e em Portuga. Não sei dizer as vendas. Mas posso dizer que, mesmo que as vendas estivessem a subir por causa do açambarcamento, tratava-se de bens de primeira necessidade, havendo uma margem não muito alta. Aumentámos os custos por causa dessas medidas. Por isso é que lucro caiu.

Falou que abril e maio, o desempenho foi bom. Mas as previsões económicas são negativas. Está a haver, em junho, alguma diferença em relação a esses meses?

Por enquanto estamos bem em termos de vendas. Também devemos ter em conta que, mesmo que haja uma crise, as pessoas vão continuam a comer.  O nosso trabalho é garantir que vendemos produtos de uma muito boa qualidade a um preço competitivo. Se as pessoas começarem a experimentar, vão acabar por valorizá-los. E esperemos que acabem por se fidelizar. O nosso principal problema, desde o início da operação Portugal, está relacionado com a política de não fazermos promoções. O facto de a pandemia ter travado o boom das promoções e ter valorizado mais a segurança das pessoas fez com que muitas tenham experimentado a Mercadona pela primeira vez. Daí que as nossas vendam tenham começado a crescer.

Já falou que tiveram de reduzir os preços. Porquê? E porque é que decidiram reduzir o tamanho das lojas?

Por enquanto as lojas que temos abertas e as que vamos abrir este ano têm a mesma dimensão. No futuro veremos. É verdade que a Mercadona não um sortido muito alargado. Não é um hipermercado. Não temos 20 mil referências, mas dentro das referências que temos nas lojas, o que estamos agora a testar é, se os produtos distintos que talvez venhamos a ter em Espanha, serão também a ser valorizados em Portugal. Em relação à diminuição dos preços foi realizada no fim do ano passado e no início deste. Terminámos em janeiro a descida. E foi uma descida de 2000 produtos.

Mas porquê?

Demo-nos conta de que estávamos desposicionados em alguns. Se um produto está a 50% numa semana em outro distribuidor e 50% na semana seguinte noutro, o cliente acaba por não perceber que o preço real é outro, porque ficou na sua cabeça que o preço é sempre metade. Logo, não podemos colocar o preço normal. Devemos estudar todas estas descidas, sendo que, como digo, não fazemos promoções. Não vamos reduzir os preços a 50%, mas haverá talvez um preço mais reduzido do que aquele que já tínhamos, para não ficarmos tão longe dos preços das promoções.

Prevê-se, no futuro, uma política agressiva nos preços. Como é que a Mercadona vai dar reposta a esta realidade para manter a sua competitividade no mercado?

Ainda não temos certeza do impacto real que esta crise sanitária vai ter na economia. A Comissão Europeia já lançou previsões de baixa do PIB para Portugal e para Espanha. Da nossa parte, o que estamos a presenciar são imensas solicitações das instituições sociais com pedidos de ajuda. Recebemos imensas e estamos a tentar dar saída. Temos uma equipa dedicada às doações e estas aumentaram. Entre janeiro e junho doámos 400 toneladas de produto. E vamos continuar a fazê-lo até ao final do ano.

Mas num cenário que se avizinha mais promocional, como é que Mercadona poderá manter a sua competitividade?

O que os outros fazem é um tema deles. Espero que os clientes valorizem muito mais do que o preço. Eu sei que é difícil, pois é uma que existe há muitos anos em Portugal.  Mas queremos que os clientes valorizem a qualidade, que valorizem como tratamos os nossos colaboradores, como tratamos os nossos fornecedores, o nosso relacionamento com a sociedade, o pagamento de impostos em Portugal. E que valorizem todo o modelo da Mercadona. Eu sei que é difícil.  Quando há uma crise económica e quando há despedimentos, eu percebo que a variável principal seja o preço. Mas adaptaremos os nossos preços para sermos competitivos. O que não vamos fazer nunca é entrar numa guerra de preços.

Excerto da entrevista a Elena Aldana publicado na edição de julho do Hipersuper. Para ler na íntegra clique aqui

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