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“Capacidade de adaptação à nova realidade será determinante para a nossa competitividade futura”

Por a 17 de Julho de 2020 as 17:32

Rui SerpaEm entrevista, Rui Serpa, country manager de Portugal Coca-Cola European Partners (CCEP), fala das mudanças que a companhia foi obrigada a fazer assim que o coronavírus entrou em Portugal

Tal como todas as empresas que estão expostas ao canal Horeca, a filial portuguesa da CCEP sofreu perdas de receitas. Mas a companhia acompanhou de perto os clientes. Aos que conseguiram manter atividade através do takeway, a CCEP teve de dar uma nova resposta, pois as necessidades passaram a ser diferentes. Como serão daqui para a frente. A companhia decidiu, por isso, ajustar o seu plano de investimento e avançar para uma mudança de lançamentos ao nível de produto e de formatos.

Tinham a perceção de que já havia muitos casos da Covid em Espanha e que, mais tarde ou mais cedo, chegaria a Portugal.  Como se preparam para essa realidade e que cenários é que traçaram?

Para acompanhar a situação, pudemos beneficiar de alguma informação que nos foi chegando e a que fomos tendo acesso não só pelo facto de a CCEP atuar em 13 países, mas também pelo próprio sistema Coca-Cola. Na própria companhia circulava muita informação e, sobretudo, conseguimos conhecer com bastante detalhe a informação do que estava a acontecer da Ásia. Mas também o que cada país estava a fazer, em particular em Itália. No início, a informação não era mais completa possível. Houve muitas coisas que fomos descobrindo ao longo do tempo. Mas dava para perceber a gravidade quer económica quer social. E obviamente a gravidade para o nosso negócio, sobretudo com enorme impacto no canal Horeca.

Ao nível do negócio, como se preparam para reagir?

O nível de informação que temos hoje não é aquele tínhamos há um mês nem há dois meses. Esta curva de aprendizagem foi muito importante, se andarmos três meses e meio para trás, houve três pilares de preocupação.

Quais?

Primeiro, com as pessoas. Temos grupos de pessoas com funções muito diferentes, Temos funções corporativas ou centrais em que, com alguma facilidade, conseguimos deslocar as pessoas para teletrabalho. Temos pessoas que trabalham na nossa linha da frente, que são os comerciais, que têm de continuar a andar na rua enquanto houver postos de venda abertos. E as pessoas da fábrica. Temos a fábrica em Azietão onde produzimos mais de 90% daquilo que vendemos. A segunda preocupação está relacionada com ajuda e colaboração com a comunidade portuguesa e prepararmo-nos para o que aí vinha. E continuarmos a exercer esse papel que continuamos a considerar relevante na nossa integração na comunidade.

Que apoio deram à comunidade?

Fizemos várias doações dos nossos produtos. Já doámos mais de 320 mil embalagens a instituições medico-hospitalares, aos profissionais médicos e enfermeiros que nos conhecem e nos contactaram. Apoiámos os centros onde estavam a trabalhar. Apoiámos instituições hospitalares, profissionais hospitalares, algumas ONGs que se organizaram para combater a pandemia. Houve um outro grande pilar de apoio do sistema Coca-Cola. Foi através da Coca-Cola Foundation que dedicou 120 milhões de dólares, a nível global, para apoiar o combate à pandemia. Em Portugal permitiu equipar o centro de testagem rápida da Cruz Vermelha em Lisboa.

Quanto foi atribuído a Portugal?

250 mil euros, o que permitiu equipar esse centro para 45 dias de testes.

A 18 de março houve o encerramento do canal Horeca. Houve algum apoio aos clientes?

Desde o primeiro momento. Temos cerca de 130 pessoas dedicadas ao canal Horeca. Mantivemos o contacto com os clientes. Durante as primeiras quatro semanas fechadas fizemos mais de 60 mil contactos telefónicos com os clientes. Significa correr toda a nossa base de clientes mais do que uma vez. Basicamente, continuámos a contactar os clientes, a saber o estado em que se encontravam, se estavam fechados ou não. Sobretudo para acompanhar a reconversão que alguns fizeram para delivery e takeaway.

Como?

Um nosso cliente que está a atender à porta e, às vezes para o fazer, precisa de equipamento adicional, de mais equipamento de frio ou precisa de outro tipo de embalagens. Se antes vendia garrafas soltas de vidro, agora começa a vender packs de litro ou litro e meio. Os nossos clientes tiveram necessidades específicas, nalguns precisaram de ajustar o seu portefólio, seja em embalagens, sabores ou marcas. Acompanhámos esse processo. A parte mais complicada foi no final de abril.  No início de maio já começou a haver alguma expectativa a partir que se soube que poderiam abrir a partir de 18. Para a equipa de vendas, animicamente não foi fácil. Foi também para a própria empresa, pois houve uma pressão enorme económica e social.  Mas decidimos privilegiar as pessoas e decidimos não recorrer ao layoff.

Rui serpa1Que cortes operacionais foram feitos?

Houve os custos operacionais que reduzimos bastante em algumas coisas, depois em marketing e em promoção. Dos custos operacionais, houve cortes alguns que advieram da própria inatividade, como custos associados imediatos com os combustíveis e a Via Verde. Nos próprios escritórios, quando colocámos as pessoas em teletrabalho e ao recorrerem ao confinamento recomendado, enviámos mais de 120 pessoas para teletrabalho. E com isso, vimos uma oportunidade, fechamos os escritórios, poupámos em eletricidade e em ar condicionado.

Em contrapartida houve um aumento de custos em material de proteção nas fábricas.

Não olhamos a custos em materiais de proteção individual A fábrica manteve-se em funcionamento porque a equipa comercial de distribuição moderna manteve-se a trabalhar. Foi um canal que se manteve em pleno. Continuou a trabalhar, mas com cuidados redobrados na sua segurança e proteção. Uma fábrica já tem muitos processos de segurança e proteção. Adicionamos mais circuitos e houve um reforço da limpeza. E até à data não temos nenhum caso positivo na nossa unidade fabril, o que é muito importante para nós.

No global, a companhia teve uma descida de vendas homóloga de 4% homólogo no primeiro trimestre. Em Portugal Espanha e Andorra esse valor foi de 1,5%. No relatório há referência um sólido crescimento em volume nos meses de janeiro e fevereiro. Onde é que se vinha a refletir o crescimento, no canal Horeca ou no de grande consumo?

Esse comportamento da Península Ibérica também se refletiu em Portugal. Terminámos 2019 muito bem, com muito bom crescimento. Tínhamos muito boas perspetivas para 2020. Os meses de janeiro e de fevereiro foram muito positivos.

Houve uma transferência no consumo para casa. O que aconteceu no canal da distribuição?

Em março, apesar da queda de 1,5% na Península Ibérica, o comportamento foi muito influenciado por Espanha. Em Espanha sofreu um impacto duas semanas antes. Além de ser um mercado maior, eles começaram a sofrer o impacto da Covid mais cedo. O que se refletiu muito mais de março para eles. Em março sofremos um impacto, mesmo antes do encerramento do canal Horeca. Houve uma enorme redução de consumo e de compras. A partir do fecho foi quase zero. Notou-se uma compensação na distribuição moderna. Na primeira semana antes do fecho e nos quatro dias a seguir, houve efetivamente um crescimento brutal, de crescimento a dois dígitos na distribuição moderna. Esse crescimento, durante essas duas semanas, quase que compensou o canal Horeca. Nos meses seguintes já não.

Pode dar-me uma ideia das vendas através do delivery?

Temos de separar dois tipos de clientes. Primeiro, as cadeias organizadas, como McDonald’s Burger King ou Domino Pizza. Têm muito delivery e são cadeias organizadas com dimensão nacional. Depois há os clientes tradicionais que se reconvertem ao delivery ou ao takeway. Estes tiveram efetivamente um valor muito baixo. Em relação às nossas vendas normais mensais, estas custaram a atingir 5% do volume de vendas. O Horeca organizado sofreu quedas enormes. Mas neste canal, a venda de drive in ou de delivery correu relativamente bem.

Pode dar uma ideia?

Enquanto os outros clientes tradicionais, caem praticamente a 100%, estes clientes viram a sua faturação reduzida para cerca de metade. Em algum período para mais de metade, mas posteriormente foram recuperando e dir-lhe-ia que metade já era um bom indicador.

Há pouco falou que, a dado momento, as vendas na distribuição não compensaram a quebra do canal Horeca. Que queda homóloga se prevê no segundo semestre?

O mais importante é olharmos para o ano inteiro. Porque no dia 18, quando foi dada a possibilidade de a maior parte de pontos de venda abrirem, houve muitos que não abriram porque ou estavam em lay-off ou porque são pontos de venda que dependem maioritariamente de escritórios. Neste momento, temos a expetativa de que as vendas ultrapassem ligeiramente o primeiro trimestre, porque estamos a chegar ao início do verão. Temos ainda à disposição boas ferramentas para recuperar. E a primeira é o verão. O verão, por natureza, é o nosso melhor período de vendas. Temos de ser aqui otimistas.

Até que ponto?

Durante o mês de maio toda a indústria bateu no fundo e pior é impossível. Daqui para a frente é só melhorar. E melhorar numa altura em que vem o verão, numa altura em que as pessoas têm vontade de sair à rua e de conviver. Os escritórios ainda vão sofrer. Vamos concentrar-nos no verão, pois vem aí uma excelente oportunidade. Também há incertezas, sobretudo no quarto trimestre, com o regresso do outono e do inverno. E há incertezas sobre possíveis ressurgimentos. Se não houver uma normalidade, nas escolas, nos escritórios e na restauração, essa realidade impactará o nosso negócio. Temos consciência que o terceiro trimestre não será igual ao do ano passado. A questão é quanto desse prejuízo, sobretudo o que está para trás, somos capazes de recuperar. Nisto somos otimistas e preferimos concentrar-nos nas oportunidades que existem, porque efetivamente há algumas limitações, mas há locais abertos, há oportunidades por explorar.

RUISERPA2Como está o segundo trimestre face no canal alimentar?

Está positivo. Face ao período homólogo do ano passado, está positivo. Estamos a crescer. Tratamos hipermercados, supermercados e discounts juntamente com cash & carries. Esta perna está muito coxa, porque está a sofrer imenso com o canal Horeca. Hipermercados, supermercados e discounts vão ser positivos. Estamos a crescer porque houve uma mudança na forma de consumir. Sentimos isso nas embalagens que são escolhidas. Sentimos também na frequência de compra e na quantidade que é comprada por canal. Também estamos a melhorar distribuições e a ajustar portefólio. Este crescimento acaba por ser um pouco consequência de tudo.

Como está a ser o desempenho dos produtos como a Coca-Cola Zero?

Neste período, por causa do confinamento, não estamos a notar uma alteração extraordinária. Notámos de há anos para cá, em que 50% das nossas vendas já são feitas em produtos sem açúcar ou baixos em calorias. A Coca-Cola Zero é uma grande marca. Vendemos muito, mas ainda vendemos ligeiramente mais da Coca-Cola clássica. A Zero está a chegar às vendas da clássica.

Relativamente ao imposto sobre o açúcar. Até que ponto tem impactado as vendas?

O grande impacto que sofremos foi logo no início da implementação em 2017. Em 2019 também sofremos um pouco por causa da atualização dos escalões. Basicamente houve um agravamento, pois foram criados mais dois escalões. Se houve um escalaão que se agravou, o segundo manteve-se e os dois de baixo reduziram. Não é tão percetível pelo consumidor. Nós, pela forma como reformulamos os nossos produtos, pela forma como fazemos as nossas vendas promocionais, já por defeito estamos a dar mais relevância às referências com menos açúcar.

E que opinião tem em relação à lei da publicidade, que não permite ser feita junto às escolas?

A nossa prática responde à pergunta. Para nós, não implicou praticamente nenhuma mudança porque o nosso sistema Coca-Cola já se autorregulava. Já tinha inclusivamente um código deontológico, não fazendo publicidade a menores. Não fazemos comunicação para esse escalão etário nem sequer, nas práticas comerciais, promovemos as vendas neste tipo de locais, apesar de termos produtos que não têm açúcar e que podem encaixar. Não tivemos de alterar nada. De alguma forma concordamos com a medida.


Há cerca de dois anos foram anunciados 120 milhões de euros de investimento a cinco anos.  Desses 120, 30 milhões de euros são para a fábrica. Quanto já foi investido na fábrica?

Quase metade. Desses cinco anos, provavelmente vamos estender o período, basicamente por causa deste ano. Estamos a reformular a parte do edifício de escritórios. Os investimentos industriais tinham várias componentes. Em primeiro lugar, a renovação de algumas linhas para torná-las mais modernas, mais rápidas, mais eficazes e, sobretudo, mais capazes de fazer diferentes formatos. Entendemos que o mercado cada vez mais nos vai exigir mudanças e rapidamente. Os padrões de consumo vão mudando muito. Temos de ter linhas flexíveis para produzir vários tipos de embalagem, de ter linhas capazes de produzir lata desde 150 centilitros até meio litro. Estamos num país mais pequeno e precisamos de os slots de produção mais pequenos e precisamos também de ajustar a nossa parte industrial a essa flexibilidade. Depois ha ainda outra parte, que é a linha de crescimento. E temos um plano grande de expandir a fábrica nesse sentido.

Em quantos metros quadrados vai ser aumentada a fábrica?

Ainda não posso dizer, porque depende muito das autorizações camarárias. É um processo longo. Já submetemos um conjunto de propostas e de sugestões.

E em relação à restante parte do investimento?

Será canalizado para marketing e lançamento de novas marcas e formatos. Os formatos são muito importantes, porque uma vez mais se considera que a adaptação do portefólio aos consumidores também está relacionada com a forma como se entrega o produto habitual. As famílias estão a mudar bastante. Já não são tão numerosas como antigamente, já há muitas famílias monoparentais, pessoas a viverem sozinhas. E, portanto, a forma como se entrega o produto habitual é muito importante.

A Coca-Cola internacional adquiriu a Costa Coffee. Quando será lançada a marca em Portugal?

Relativamente à Costa Cafés, de momento não temos planos para Portugal. Esta aquisição é relativamente recente. E como é recente as sinergias que existem estão a ser preparados vão ser postas em prática em breve. Mas, de momento, só nos maiores países da Europa.

Estão a pensar lançar novas marcas?

Tínhamos e temos previsto. Mas neste momento estamos a reavaliar tudo. Quanto a lançamentos falo não só de marcas, mas também de sabores e até embalagens. Tínhamos um plano a cinco anos e agora estamos a reavaliá-lo. Porque há algumas marcas, sabores e embalagens que deixam de fazer sentido e outras que passam a fazer mais sentido agora. Neste momento, já estamos a trabalhar em 2021. E entendemos que este ano que devemos não só trabalhar o plano de 2021, mas também reavaliar o nosso plano, que tem novamente em uma cista de cinco anos. Os padrões de consumo mudaram. Quais a expetativas para o futuro? As pessoas vão voltar massivamente ao consumo fora de casa? Vão voltar com a mesma confiança? Vão voltar a consumir da mesma forma? Tudo isto está a ser avaliado.

Em que medida?

Não podemos agarrar na Europa Ocidental e avaliá-la sendo toda igual. Estamos a falar de países da Europa do Norte, do Sul, nos quais há padrões de consumo completamente diferentes. Os países da Europa do Sul foram os mais afetados pelo encerramento do Horeca. É um momento em duas linhas.  O de mantermos firme a nossa intenção de investimento. Mas vai ser investido de forma diferente.  Estes tempos estão a trazer aprendizagens. Estão a trazer alterações a nível da forma como os consumidores consomem os nossos produtos. Temos de nos ajustar e, agora, num período de tempo muito mais curto. Vamos ter de nos ajustar muito mais rapidamente. Quem se conseguir ajustar, quem se conseguir adaptar a esta nova realidade, mais rapidamente vai ser quem vai tomar a dianteira.

Logo, não têm nenhuma decisão fechada em termos de lançamentos a curto prazo.

Vamos consolidar alguns lançamentos que fizemos, consolidar algumas adaptações que estamos a fazer para a nova realidade. Não descuramos obviamente as oportunidades. Acreditamos muito que, nas crises, também há oportunidades. E há oportunidades para lançamentos de marcas e até categorias que anteriormente não faziam sentido e agora passam a fazer. Veja o caso das marcas próprias da distribuição nos últimos meses. Estão com um forte crescimento, o que indica algumas preocupações dos consumidores e não é só com preço. Temos de aprender essas coisas.

Com a crise, os produtos do vosso portefólio podem sofrer impacto nas vendas com transferência para marcas próprias?

Todas as categorias sofrem quando isso acontece. Felizmente temos o caso particular da Coca-Cola, que é uma marca muito forte. E sempre que há transferência de consumo mais para marcas próprias, as macas líderes, como a Coca-Cola, são as menos afetadas. No caso das bebidas isotónicas, obviamente que sofreram bastante durante este período. Há consumos muito diferentes. Toda esta circunstância leva-nos a reavaliar o plano que tínhamos porque as coisas mudaram bastante. E temos a perfeita consciência que essa capacidade de adaptação, será determinante para a nossa competitividade futura.

 

 

 

 

 

 

 

 

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