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“O setor do grande consumo não será dos mais afetados”

Por a 16 de Junho de 2020 as 17:32

Marta Santos_kantarMarta Santos, manufacturers sector director da Kantar, fala, em entrevista ao Hipersuper, da dinâmica dos bens de grande consumo durante a pandemia

O encerramento do canal Horeca estimulou o consumo dentro de casa, que numa primeira fase se focou nos bens mais básicos, tendo os portugueses passado posteriormente a adquirir produtos de indulgência que não conseguiam consumir fora de casa. Depois da reabertura do canal Horeca, a dinâmica do consumo dentro casa dependerá retoma daquele canal. “Se a retoma do consumo fora de casa for lenta, poderá significar que, dentro de casa, continuaremos a ver os produtos a entrar porque, no final do dia, as famílias têm de consumir”, refere a responsável da Kantar.

Com as previsões da queda do consumo, o que poderá mudar no comportamento dos consumidores?
Já começamos a assistir a algumas mudanças no que diz respeito ao consumo dos portugueses. Vínhamos de um cenário que era privilegiado em termos de FMCG em Portugal. Em 2019, os produtos de grande consumo comprados pelas famílias portuguesas cresceram à volta de 1,4%. Esperávamos que 2020 não fosse realmente tão forte. As perspetivas iam muito no sentido da manutenção da tendência. E, realmente em 2020, vemos alguns ajustes que poderão ter um impacto maior nos FMCG. Ainda é o momento em que o consumo dentro de casa está em crescimento. Na Kantar estamos a acompanhar os dados destes primeiros três meses de 2020 e temos os FMCG a crescer a dois dígitos. As pessoas estão a transferir uma grande parte do seu consumo fora de casa para dentro de casa.

E o que esperar com a reabertura do comércio?

Com o avançar dos próximos tempos e com o impacto que a realidade pode vir a ter na atividade profissional dos portugueses, como a taxa de desemprego, existem alterações que poderão afetar os FMCG. Mas não nos podemos esquecer que o setor do grande consumo é dos mais resilientes, porque as pessoas têm de continuar a fazer a sua vida na perspetiva do consumo. Acreditamos que não será dos setores mais afetados. É esperado que estes momentos de crise também favoreçam uma maior procura pelo preço e pela promoção. Existe uma grande procura de preço, o que também pode favorecer as marcas próprias. Podermos estar perante alguns cenários de ajustes. Mas acreditamos efetivamente que o setor de FMCG vai ser dos menos afetados.

Mas haverá realmente uma quebra.
Sim, mas esse já era uma pouco o cenário que imaginávamos o ano passado quando pensámos em 2020 sem Covid. Já seria uma manutenção da tendência ou até mesmo uma ligeira redução. Há um ano falámos de que o grande desafio é como crescer num mercado de soma zero. Todos querem o crescimento, mas temos uma população que não está a aumentar. Agora, infelizmente por outras questões, também será afetada. Temos um envelhecimento da população, temos uma população que continua sem grande crescimento e o setor de FMCG tinha todos estes desafios.

E colocando o efeito na economia da pandemia?
Com a Covid estamos ainda a ver uma estimulação do consumo dentro de casa. Os FMCG ainda estão num momento de crescimento, mas também sabemos que este este momento foi muito inflacionado pela situação da comunicação do estado de emergência, que levou a uma grande afluência às lojas num primeiro momento. As pessoas compraram muitos produtos para abastecer as suas despensas, porque não sabiam como seria o dia de amanhã. Mas, ao entramos num outro momento, começamos a perceber que a situação será mais de manutenção daquilo que estamos a viver agora. As pessoas começam a ajustar de novo o seu padrão de compra, voltam a não ir tantas vezes às compras. E há agora uma menor afluência às lojas. As cestas efetivamente estão mais carregadas.

Que efeitos terá a abertura do canal Horeca?

Ainda não é muito claro como será esta retoma do consumo fora de casa porque as regulamentações ainda não estão 100% claras para o consumidor. Se a retoma do consumo fora de casa for lenta, poderá significar que, dentro de casa, continuaremos a ver os produtos a entrar porque, no final do dia, as famílias têm de consumir. Se não o conseguirem fazer fora de casa, porque não têm confiança, segurança ou até mesmo poder de compra, irão certamente fazê-lo dentro de casa, conforme já vimos acontecer na anterior crise económica.

marta SantosQue categorias serão mais afetadas?

Ainda que, neste momento, vejamos muito o foco dos consumidores nos produtos mais básicos, há produtos que podem ser secundários. Mas, sendo secundários, se estiverem muito ligados àquilo que é uma procura ligada a uma compensação extra ligada ao prazer, estimamos uma maior procura. Mesmo agora, neste momento de Covid, já vemos isso acontecer. Num primeiro momento, os consumidores focaram-se muito nos produtos frescos, nos produtos de primeira necessidade. Mas já há uma procura maior por produtos de indulgência, como algumas bebidas alcoólicas, como vinhos e como cervejas. É verdade que pode afetar mais algumas categorias, mas o consumidor já nos habituou a ter alguns patamares em que não está na iminência de os voltar a perder.

Falando das pessoas com um nível de rendimentos mais baixos, havendo também uma redução da confiança na economia, como gerirão o orçamento?
Já estamos a ver, num estudo que estamos a acompanhar, que a situação profissional de alguns portugueses já está a sofrer alterações, sejam porque entraram em lay-off, seja porque foram despedidos. Paira muito no ar a incerteza sobre o impacto desta crise na situação laboral de uma grande franja dos portugueses. Sabemos que, ao verem os seus rendimentos afetados, terão de fazer novamente escolhas. Mas essas escolhas não feitas são logo no imediato. Mais facilmente deixarão de gastar o que gastavam habitualmente em outros bens que não sejam os bens de grande consumo. Mesmo dentro daquilo que são os FMCG, podemos ver alguma desaceleração do crescimento daquilo que compram, mas não vão deixar de comprar por completo. O que vamos ver nestes grupos mais afetados é algum ajuste no que compram no que diz respeito às marcas. Nesta gestão do orçamento, irão comprar os produtos com escolhas diferentes, de forma a tentar gastar o menos possível, mas continuará a necessidade de comprarem estes produtos. Nesses casos, serão ajustes dentro do sortido que compram nas diferentes categorias.

Pode afirmar-se que as cadeias de distribuição serão das menos afetadas durante a crise?
Não diria dessa maneira, porque sabemos que esta crise está a começar. Estamos a ver neste momento grandes alterações não só na forma de comprar dos portugueses, mas também em relação ao local onde estão a comprar. E, neste primeiro momento, o comprador voltou a diversificar as insígnias e as lojas que visita. Não foi tão evidente que as insígnias líderes reforçassem a sua posição neste momento, seja porque em algumas delas os horários foram alterados, seja por se terem verificado filas às portas destas lojas. Isto fez com que comprador começasse a procurar imensas alternativas que não tivessem tantas multidões. Isto acabou por ajudar algumas lojas que não eram tanto a primeira opção, como por exemplo o Minipreço. O Minipreço cresceu bastante em cestas. Agora tem outro tipo de desafios, como a fidelização destes compradores. O Intermarché também teve um bom desempenho, mas já vinha na continuidade do que tem feito desde o início de 2019. Mas as lojas de ultraproximidade, como o Amanhecer, o Meu Super, o Pingo Doce & Go, o My Auchan, ao estarem quase porta a porta dos portugueses, também foram agora escolhidas de forma mais privilegiada do que o habitual.

Pensa que esta será uma oportunidade para haver uma maior consistência de compra no canal online?
Está criada no consumidor a imagem de que é uma forma segura de fazer as compras e de as pessoas não estarem demasiado expostas ao vírus. E o online é uma forma segura de fazer as compras. Mas isto só é possível porque as pessoas, ao estarem em casa o dia inteiro, também lhes permite ter uma maior disponibilidade para receber as encomendas em casa. Acredito que o online veio para ficar e sairá ainda mais reforçado, porque tivemos, nos últimos meses, as pessoas ainda mais expostas ao online e ao digital. Vemos um aceleramento do online em Portugal desde o início deste ano, mas muito mais exponenciado pela Covid e que afeta todas as faixas etárias.

MartaAté os mais idosos tiveram de aderir.
Não estamos apenas a falar dos mais jovens, mas os targets mais maduros também estão a ter uma maior adesão a tudo o que seja o digital e o online. Já estão a fazer mais compras no online e a intenção dos portugueses é continuar a aumentar as compras que fazem online de produtos de alimentação e de bebidas. Se os players que entrarem agora no online conseguirem manter as suas estruturas bem alicerçadas nos próximos tempos e continuar a haver uma maior disponibilidade de quem faz as entregas online, acredito que continue a ser uma opção complementar para os portugueses. Num estudo apresentado há meses pela kantar, concluía-se que as marcas próprias estavam a ganhar terreno em relação às marcas de fabricante. Com a crise, há possibilidade de ganharem ainda mais? A possibilidade há. Acredito que vamos ter marcas de fabricante mais bem preparadas para fazer face a este cenário porque, neste momento, vemos infelizmente algum standby no que diz respeito à inovação e às marcas de fabricante. Mas nos próximos meses vamos voltar a ver as marcas a comunicar, inovar e lançar novos produtos, se assim as lojas também o permitirem. As marcas estão prontas certamente para isso. E acredito que será uma forma muito importante para as marcas de fabricante evitarem um maior crescimento das marcas de distribuição naquelas categorias em que as marcas de fabricante já são fortes. Sabemos que, se o consumidor procurar ainda mais preço, este cenário poderá favorecer novamente as marcas da distribuição.

Há quem defenda que estas também estão a inovar.
Estas têm vindo a inovar e a entrar no território das marcas de fabricante, como por exemplo na alimentação de bebés, nas cervejas ou nas sidras. Se as marcas da distribuição continuarem com este crescimento em várias frentes, sempre alicerçado no preço e na qualidade, e as marcas de fabricante não reforçarem a sua ligação com o consumidor através da inovação de produtos fortes, receio que as marcas de fabricante se possam ressentir. Mas acredito que, neste momento, as marcas de fabricante querem também reforçar a sua presença junto do consumidor. É também nestes momentos mais difíceis de crise que as marcas também têm um papel adicional de manutenção da esperança, da confiança da ligação emocional com os consumidores. Acredito que os próximos meses nos mostrarão se as marcas estarão preparadas para isso.

Terão de aumentar a componente promocional?
No mercado português já é um pouco difícil falarmos de um aumento da componente promocional, porque temos um mercado que já é muito promocionado. Em 60% das ocasiões de compra dos portugueses leva-se pelo menos um produto em promoção. Já há uma componente promocional muito forte. Acredito que não será na perspetiva de aumentar a percentagem de promoção, mas sim de diversificar a forma como as marcas fazem promoções, de uma forma mais variada ao longo do tempo e no momento certo. Se realmente virem que o consumo fora de casa para dentro de casa continua a ser transferido, acredito que no momento certo, nessas categorias, deve haver alguma promoção que ajude a estimular o consumo das marcas, porque acaba por realmente ser uma das possibilidades de crescimento, mas não a única e não a central.

Os discounters sairão beneficiados em termos de quota de mercado?
Acredito que não será um movimento exclusivamente ligado à Covid-19. O conceito de smart dicount, do Lidl e do Aldi, tem vindo a ter nos últimos anos, em Portugal, um crescimento já bastante consolidado e que assenta numa maior aproximação cada vez maior ao que o consumidor português procura. Dando o exemplo do Lidl, já tem a longo prazo quase o mesmo número de compradores que visitam a loja do que tem um Pingo Doce. Para uma insígnia como o Lidl, é um feito histórico. O grande desafio é continuar a desenvolver a cesta do comprador, porque têm as pessoas a ir à loja, mas precisa de converter isso em cestas maiores para que consiga concretizar também uma maior quota de mercado. E o Aldi também vinha a reforçar a sua posição em Portugal. Vemos agora ambas a manterem o reforço dessa posição. Já vinham de uma posição privilegiada em que são mais visitados pelos consumidores portugueses, já estão mais dentro daquilo que é a sua esfera de conhecimento e os consumidores gostam da experiência de compra, porque esta tem mudado muito ao longo do tempo. São duas insígnias que têm uma boa oferta de produtos mais ligados à alimentação saudável. São duas tipologias de loja que estão muito atentas a estas necessidades.

Falou que há uma menor fidelização às cadeias de distribuição. Tendo em conta que o fator preço poderá ser crucial nos próximos tempos, essa fidelização poderá diminuir ainda mais?
Vamos estar perante várias fases desta adaptação. Não é que o comprador esteja menos fiel às lojas. Mas as necessidades da procura da melhor loja estão a mudar de acordo com a fase em que estamos. Um dos grandes drivers na anterior crise foi efetivamente a procura de preço e a promoção. Neste momento, não estamos a falar de uma crise completamente focada só em preço e promoção. Há outros drivers. A experiência de compra mais segura, a experiência de compra mais próxima, aquela que leva as pessoas a estar menos em contacto com tudo o que possam ser agentes de contágio. Acredito que será um desafio fidelizar a sua clientela. Porque irá estar a mudar constantemente o driver de compra e da escolha da loja de acordo com a fase em que estivermos em cada um desses momentos. Vou comprar mais online num momento em concreto, depois complemento com a ida a um comércio de mais ultraproximidade. Posso depois fazer uma compra maior num espaço maior. Vai fazer com que o comprador multiplique a sua presença por diferentes lojas.

 

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