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Robots, emprego, problemas e poesia, por Nuno Sousa e Silva (Católica)

Por a 20 de Junho de 2017 as 11:27
Nuno Sousa e Silva, Professor na Faculdade de Direito, Escola do Porto, da Universidade Católica Portuguesa

Por Nuno Sousa e Silva, Professor na Faculdade de Direito, Escola do Porto, da Universidade Católica Portuguesa*

Um dos grandes receios gerados pela utilização crescente de robots passa pela diminuição drástica do emprego. Este é um medo antigo. Já Aristóteles, no século IV AC, tinha escrito que “se cada ferramenta, quando a tal instada, executasse o trabalho para a qual foi concebida (…) então não existiria necessidade de mestres, trabalhadores ou escravos”. Aquando da revolução industrial, os arautos do movimento denominado “ludismo” destruíam os teares que vinham substituir os tecelões. John Keynes falava, em 1930, da “doença do desemprego tecnológico”. No entanto, os dados demonstram que, nos últimos dois séculos, o desenvolvimento tecnológico tem aumentado o emprego. Por isso, há boas razões para duvidar do anunciado “fim das profissões”. Na perspectiva dos optimistas tecnológicos, as alterações no mercado de trabalho produzidas por robots/inteligência artificial, além de produzirem uma imensa riqueza, libertarão mão de obra agora ocupada com tarefas monótonas, que se dedicará a tarefas mais interessantes, induzindo, além disso, uma redução do horário médio dos trabalhadores.

No entanto, os dados também mostram que, nos EUA, a primeira década deste século foi, também, a primeira década, desde que há registos, em que o número líquido de empregos criados foi próximo do zero. Têm surgido estudos com números algo alarmantes. Um estudo de 2013 refere que, em 20 anos, 47% das profissões nos EUA desaparecerão. Apesar de isto não implicar uma taxa de desemprego dessa magnitude, a confirmarem-se as previsões, estaremos perante uma revolução.

E o futuro parece estar aí ao virar da esquina. Já há robots (ou software de inteligência artificial) exercendo as funções de guardas prisionais (na Coreia do Sul), de porteiros (na Bélgica), de advogados (nos EUA) e de gestores de fundos de investimento (no Japão).

Se pensarmos na tecnologia que permitirá, a breve trecho, que os veículos autónomos circulem com maior segurança e fiabilidade e menores custos, é fácil prever que o trabalho de motorista (de passageiros ou mercadorias) estará em vias de desaparecer. Categorias profissionais como portageiro, lojista, bancário ou revisor, entre muitas outras, estarão em risco. Tarefas que envolvam a análise de dados, probabilidades e previsões como a avaliação de risco, a revisão de documentos ou o próprio diagnóstico médico já podem, em muitos casos, ser realizadas mais eficientemente com recurso a inteligência artificial do que por seres humanos. Curiosamente, há quem sugira que algum trabalho menial, como a jardinagem, sairá valorizado, visto envolver movimentos finos, ainda muito difíceis de obter de um robot.

Regras de Direito Civil sobre robótica

Reflectindo estas e outras preocupações, o Parlamento Europeu adoptou, a 16 de fevereiro de 2017, uma resolução com recomendações à Comissão Europeia sobre regras de Direito Civil sobre robótica. Nesta resolução, reconhecem-se os perigos e oportunidades da robótica e da inteligência artificial e são feitas várias sugestões para a respectiva regulação. Os problemas que a Robótica coloca ao Direito são de vária ordem. Mas, neste pequeno espaço, refiro apenas algumas questões relativas ao seu impacto nas profissões e na Economia.

Nesse contexto, a distribuição de riqueza será um assunto premente. Por isso mesmo, a “robolução” é um dos argumentos invocados pelos defensores do Rendimento Básico Incondicional. Uma diminuição do emprego terá inevitável impacto nas finanças públicas, especialmente na Segurança Social. Há quem defenda a necessidade de criar um imposto sobre robots, a ser cobrado aos respectivos fabricantes, utilizadores (ou mesmo aos próprios robots!). Mas parece-nos algo contraditório o Estado estimular a inovação e vir depois penalizar aqueles que produzem mais riqueza.

O direito ao trabalho poderá adquirir renovada importância, mesmo em conflito com a liberdade de iniciativa económica e o direito de propriedade, impondo limitações ao uso de robots para defesa do “direito a trabalhar”. Podemos pensar em transformações que visem repartir o benefício do aumento de eficiência pelos trabalhadores – por exemplo reduzir o horário de trabalho máximo admitido para 25 ou 30 horas. Pode tentar assegurar-se a existência de trabalhadores, impondo a obrigação de contratar uma pessoa por cada robot que se utilize ou proibindo a extinção do posto de trabalho com fundamento em introdução de tecnologia. No entanto, as medidas que imponham custos excessivos às empresas afectarão a sua competitividade e correm o risco de ser contraproducentes. Se as empresas não tiverem boas condições jurídicas e económicas para o exercício da sua actividade, poderão desparecer e aí não haverá emprego para ninguém…

Além disso, haverá que ponderar o que fazer com tanto tempo livre. Agostinho da Silva dizia “O português não gosta de trabalhar. Se há uma tecnologia que trabalhe por ele, ela que avance. Ele tem coisas mais interessantes para fazer como poeta, do que a trabalhar”. Será?

*O autor escreve segundo o antigo acordo ortográfico

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