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Entrevista. “Poder de compra no Brasil recuou cinco anos”

Por a 20 de Outubro de 2015 as 16:19

Miguel Murta CardosoApesar da crise que atualmente se vive no Brasil, “as oportunidades são imensas. O país tem uma dimensão enorme e 70% das cadeias a atuar no país são regionais. Há muito espaço para as melhores cadeias se expandirem e terem sucesso”, revela em entrevista ao Hipersuper Miguel Murta Cardoso, consultor sénior especialista no retalho brasileiro

 Segundo previsões da Kantar Worldpanel para 2015, os lares brasileiros iriam aumentar a compra de bens de consumo, embora reduzir na frequência de compra, e priorizar categorias desenvolvidas em detrimento de categorias premium. Estas estimativas estão a concretizar-se?

Na verdade nem todas essas previsões se estão a verificar. O consumo das famílias brasileiras está a registar quedas que não se viam desde 1997. O segundo semestre de 2015 registou uma queda de 2,1% face ao semestre anterior e de 2,7% face ao mesmo período do ano anterior.

Que principais mudanças levaram a esta alteração de comportamento?

Essas quedas devem-se essencialmente aos problemas do mercado de trabalho, à redução da renda dos brasileiros, à queda real das operações de crédito e à inflação em alta.

As famílias não conseguem manter os seus padrões de compra. As rendas diminuíram e os preços aumentaram. Segundo a Tendências Consultoria, o poder de compra dos brasileiros deverá mesmo retroceder ao nível observado há cinco anos.

Que categorias de grande consumo beneficiaram com estas alterações? E, por outro lado, quais as mais prejudicadas?

O setor de bens não duráveis (ex. alimentos, medicamentos e combustíveis) tem registado uma queda (-1,5%) inferior ao setor dos bens duráveis (ex. automóveis, eletrodomésticos e vestuário) que registou quedas de -12,4%.

O setor automóvel (-15,6) e o setor de móveis e electrodomésticos (-11,3%) foram os mais afetados com as alterações abordadas anteriormente, liderando as quedas das vendas do retalho em 2015.

É interessante referir ainda que as vendas de alimentos prontos crescem a um ritmo de 17% em 2015. Este crescimento tem que ver com a crise. As pessoas estão a trabalhar mais e têm menos tempo para as atividades domésticas, por isso esse tipo de alimentos é cada vez mais procurado.

O que se pode esperar do consumo até ao final do ano?

Segundo os analistas, esta trajetória de queda no consumo verificar-se-á até 2016. Não existe nada que leve a acreditar no aumento do consumo. Só fatores negativos (maior desemprego, decréscimo da renda, difícil acesso ao crédito e ainda baixa confiança do consumidor).

O que estão a fazer as principais cadeias retalhistas para levar os consumidores à loja e aumentar a cesta de compras?

A principal estratégia tem sido recorrer a liquidações de stocks. Nos super e hipermercados podem observar-se promoções bastante agressivas.

Qual a importância da atividade promocional atualmente no consumo dos lares?

O brasileiro para enfrentar a crise procura muito as promoções. Segundo estudo do Instituto Data Popular, 64% dos brasileiros tornam-se “caçadores” de promoções na altura de crise. E, segundo o mesmo Instituto, hoje 87% das pessoas afirmam pesquisar os preços antes comprar, em comparação aos 52% registados em 2010.

RETALHO

Qual o peso do setor do retalho no Produto Interno Bruto e no volume de emprego doMiguel Murta Cardoso consultor país?

O peso do varejo [retalho] no PIB do Brasil é de 22% segundo a Sociedade Brasileira de Varejo e Consumo. Segundo o IBGE, o varejo emprega 19,1% dos trabalhadores formais no Brasil (atualmente cerca de 19 milhões de brasileiros). Já a CAGED (Cadastro Geral de Empregados e Desempregados) indica que o varejo foi responsável por 23% dos empregos em 2014

Que balanço faz da evolução da distribuição alimentar no último ano nos principais indicadores?

A inflação é alta e isso reflete-se nos produtos dos supermercados. O comportamentos das pessoas muda quando têm menor poder de compra. Segundo a Dunnhumby, agora há menos quantidade e variedade de produtos às mesas dos brasileiros, ou seja, o consumidor opta por comprar menos quantidade e menos itens. Nas categorias menos importantes para os consumidores, optam pelo mais barato. Porém, nas categorias que realmente fazem a diferença para si o consumidor é capaz de alocar um maior gasto (mas sempre ponderando bem as suas decisões). Por vezes, economiza nas categorias mais básicas para continuar a ter alguns dos seus “luxos”, padrão a que se acostumou nos últimos anos.

Podemos dizer que, com a crise, os brasileiros estão a passar a ter um comportamento de países desenvolvidos, como na Europa e nos Estados Unidos, uma vez que o seu nível de exigência aumentou.

A marca própria no Brasil ainda não atingiu a representatividade que se observa nos países desenvolvidos.

E o retalho não alimentar?

Em 2014 cresceram as vendas de artigos farmacêuticos, médicos, ortopédicos e de perfumaria (6,2%); outros artigos de uso pessoal e doméstico (1,6%); equipamentos e materiais para escritório, informática e comunicação (7,9%).

Qual o papel e o peso do canal grossista no comércio brasileiro? Como têm evoluído?

O canal grossista no comércio brasileiro é bastante interessante. Ainda para mais considerando o modelo de atacarejo que é um mix de venda a retalho/varejo e venda a grosso/atacado. O atacarejo foi o único canal de vendas a registar crescimento no primeiro semestre deste ano (18%). Os principais players a nível nacional são o Atacadão (Carrefour), Assaí (Grupo Pão de Açúcar) e o Sams Club (Walmart).

Quais os formatos comerciais mais dinâmicos?

O atacarejo (loja que atua como atacado/grossista e varejo/retalho em simultâneo) e as lojas de proximidade.

Quais as oportunidades de crescimento para os retalhistas com operação no Brasil?

As oportunidades são imensas. O Brasil tem uma dimensão enorme e 70% das cadeias a atuar no país são regionais. Há muito espaço para as melhores cadeias se expandirem e terem sucesso. A título de exemplo, o Dia% (MiniPreço) atua em apenas quatro estados do Brasil e tem mais de 800 lojas. Ou seja, a sua margem de crescimento é ainda muito grande mesmo já tendo 800 lojas.

Quais as insígnias líderes do retalho brasileiro?

Segundo o ranking da SBVC, lideram as vendas, por esta ordem, o Carrefour (37,9 bi reais), Multivarejo – Pão de Açúcar, Extra, Assaí (37,6 bi) e a Walmart (29,6 bi).

Por outro lado, em número de lojas, o Top 3, segundo a mesma fonte, é liderado pelo Grupo Boticário (3.912), Subway (1.817) e Cacau Show (1.774).

Que estratégias principais são utilizadas hoje pelos retalhistas para fidelizar os consumidores?

Os cartões de fidelização com programas de fidelidade e pontos estão em grande crescimento no Brasil, dos quais são exemplo os programas Multiplus e Netpoints.

Qual o peso do canal de ecommerce no Brasil?

Em 2014, o Brasil movimentou 13 mil milhões de dólares tendo crescido 18% (segundo a ATKearnet). Este ano prevê-se um crescimento de 20% apesar da crise.

BALANÇA COMERCIAL

Como evolui a balança comercial no setor do grande consumo?

Em agosto deste ano, a média diária das importações brasileiras atingiram o mínimo desde Janeiro de 2010. Em agosto, as importações atingiram os 12,79 mil milhões de dólares. O setor de bens de consumo foi um dos sectores com maior queda (-25,3%) em relação ao mesmo período do ano anterior.

Já as exportações atingiram os 15,48 mil milhões de dólares.

No acumulado do ano o saldo é de 7,29 mil milhões de dólares, melhor resultado observado para o período desde 2012.

Os brasileiros gostam muito do azeite português. Que outros produtos mais importam de Portugal?

O azeite português é muito apreciado pelos brasileiros e cada vez se encontra mais nas mesas das suas casas e nos restaurantes. Na verdade, consideram um produto muito caro mas recentemente fiz uma comparação ao preço em Portugal e não considerei tão caro como falam.

Por outro lado, o vinho português que também é um produto bastante apreciado pelos brasileiros atinge valores de venda três a quatro vezes superiores ao encontrado em Portugal (preços de venda em supermercados).

O bacalhau é outro produto muito apreciado pelos brasileiros. Não que seja um produto de Portugal (ou importado de Portugal), mas os brasileiros associam sempre os pratos de bacalhau a Portugal.

 

 

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