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Agenda para o comércio: cumprir calendário agendando fora do timing?, por João Barreta

Por a 9 de Julho de 2015 as 15:32

Joao_BarretaPor João Barreta, Mestre em Gestão do Território

Não se tratando, obviamente, de um plano estratégico, pelo qual o(s) setor(es) em causa muito anseia(m) e que já há muito justificam, a publicação da Agenda para a Competitividade do Comércio, Serviços e Restauração, para o período 2014 – 2020 (cfr. Resolução do Conselho de Ministros n.º 6-A/2015, Diário da República, 1.ª série — N.º 22 — de 2 de fevereiro), constitui-se como um documento oficial perante todos os atores económicos “visados” e, naturalmente, todas as suas estruturas associativas representativas, pelo que se depreende tratar-se de um documento que compromete, responsabiliza e condiciona, também e principalmente, quem o engendrou.

Em primeiro lugar, o cabal (re)conhecimento da(s) tutela(s) da importância e do contributo da(s) atividade(s) económica(s) – Comércio, Serviços, Restauração e Similares, para a economia nacional, sob as mais diversas perspetivas, será um dado adquirido, dando, igualmente, um sinal evidente de que já não farão sentido as distinções entre Comércio e Serviços, por um lado, e Restauração e Similares, por outro.

Seja em contexto urbano ou rural, o planeamento e o ordenamento do território e das atividades (económicas e não só!) que nele se implantam e desenvolvem, terão de ser encaradas e trabalhadas de uma forma integrada, não fazendo qualquer sentido as destrinças e o argumentário de um passado ainda muito … presente!

A enumeração, ainda que possa parecer algo exaustiva, do conteúdo da Agenda, em termos da simples identificação de eixos e medidas, justificar-se-á, neste caso, por várias razões.

Em primeiro lugar destaco o desconhecimento, puro e simples, da Agenda por parte dos seus “principais destinatários”. Entre empresários dos setores abrangidos e estruturas associativas locais, raros serão aqueles que saberão sequer da existência da dita Agenda. Tal facto poderá deixar transparecer a ideia de que a Agenda terá servido para mero cumprimento de calendário, mas mesmo que assim não seja, pelo menos, aparenta!

Mais grave e gravoso, será o mais do que aparente desconhecimento, também por parte daqueles que se comprometem com a Agenda, ou seja, a adotá-la, a segui-la, a cumpri-la e … a fazê-la cumprir! (basta ler as Linhas de Orientação Geral para Elaboração do Programa Eleitoral e respetiva Carta de Garantias – documento(s) datado(s) de 03.06.2015, da coligação PSD/CDS, e verifica-se que a Agenda se terá … extraviado nos poucos meses que passaram desde a sua publicação em Diário da República! Mas, sejamos positivos, tenhamos alguma réstia de esperança e … aguardemos pelo respetivo Programa Eleitoral!).

Aliás no campo da política, desde sempre (reportando-me às últimas quatro décadas) que os Programas Eleitorais das diferentes forças partidárias têm primado pelo esquecimento (neste caso, não quero acreditar na ignorância ou no desprezo!) deste(s) setor(es) em termos de políticas públicas (medidas/ações) especificamente delineadas para os mesmos.

“Agradar a Gregos e Troianos”

Face a um tal vazio, e apesar de tudo, o surgimento desta Agenda, podia criar expetativas, mais do que legítimas, e que agora dificilmente poderiam vir a ser goradas, sob pena de se poder vir a criar mais uma comprometedora desmobilização destes setores económicos, cuja relevância me parece inquestionável e pouco dada a ignorância(s), tanto em termos de esquecimento(s) como de incompetência(s) .

Todavia, assumindo o “formato” de Agenda, que não terá sido obra do acaso, em vez de Plano, Programa ou outro mais … formal/oficial, era um risco sério (mas talvez calculado!) que se corria – as Agendas são o que são, e agendarão mais compromissos do que … comprometem!

Nesse contexto, tratando-se de uma Agenda, não deixará de ser estranho que a mesma seja publicada a pouco mais de seis meses de eleições legislativas, diga respeito ao período 2014-2020 (ou seja, assumindo, praticamente, como perdido o ano de 2014) e recorra, para atenuar este último efeito, ao artifício de incluir medidas “em curso” (inclusive, e ao que me parece, anteriores a … 2014!).

O facto de existirem medidas com taxas de implementação na ordem dos 60% (designadamente a Medida 4) e 40% (Medidas 1 e 5), à data da publicação da Agenda (início de 2015), cujo horizonte temporal, relembro, vai até 2020, retira-lhe alguma … credibilidade, revestindo-se de contornos que mais facilmente se associam a um “Relatório de Progresso” do que propriamente a uma … Agenda.

Ainda assim, e começando pelos eixos estratégicos definidos, afigura-se que existirá algum “desprendimento” entre a realidade, efetivamente, patenteada, em Portugal, pelos setores visados – Comércio, Serviços e Restauração, e aquilo que se entendeu definir como “estratégico” (e posteriormente, mais operacional) para os mesmos.

É certo que, à semelhança, de muito daquilo que se vai produzindo, desde há décadas, no nosso País, em matéria de “estudo”, os “capítulos” referentes aos diagnósticos, à caraterização do existente e às análises evolutivas, além de serem, quase sempre, excessivos (neste caso, corresponde a mais de metade do documento!) e inconsequentes, podem ser “trabalhados” no sentido de conduzir a tipologias de propostas/medidas “pré-definidas” (daí as tais “taxas de Implementação”, já mencionadas!).

Pelo teor das medidas expostas, com alguma facilidade se consegue chegar à mais que provável “autoria” da participação/colaboração das respetivas estruturas associativas dos setores visados, daí a “transformação lógica”, em sede de Agenda, das propostas (muitas delas, reivindicações de há muito) em medidas. Mal feita a comparação, e num momento melindroso para recorre a uma tal expressão, afigura-se querer “agradar a Gregos e Troianos”.

O mérito da formalização de um conjunto de medidas específicas, umas mais trabalhadas do que outras, é certo, e a sua assunção em documento merecedor de publicação em Diário da República, acaba por se diluir na sua total ausência de divulgação junto dos públicos-alvo, o que nesta “altura do calendário” pode ser revelador de alguma inabilidade, talvez até mais política do que técnica.

Por sua vez, ter privilegiado a forma em detrimento do conteúdo, que se pretenderia mais objetivo e fundamentado (como ocorre, por exemplo, e muito bem, com o caso da Medida 3.7, por se ter fundamentado em trabalho que se iniciou, praticamente, desde o arranque dos Quadros Comunitários de Apoio (QCA), em Portugal, com a experiência do PROCOM e da medida relativa ao urbanismo comercial, e todo o trabalho que se seguiu com o URBCOM e outros), constata-se que há medidas e … medidas, ficando evidente que a qualidade da Agenda não se pode medir pela quantidade de “eventos” que prevê, mas sim pela qualidade (e exequibilidade) dos mesmos.

Ter uma Agenda preenchida não é, de forma alguma, sinal de poder usufruir de tempo de qualidade, e infelizmente o tempo da(s) Agenda(s) nem sempre será o tempo do(s) calendário(s)!

 

TAXA DE IMPLEMENTAÇÃO ATÉ HOJE

 

A Agenda para a Competitividade do Comércio, Serviços e Restauração contempla 36 medidas, distribuídas por cinco eixos (estratégicos), a saber:

 

  1. Potenciar o conhecimento e o acompanhamento(Taxa de Implementação = 40%, em fevereiro/2015):
  • Conselho para o Comércio, Serviços e Restauração (CCSR);
  • Plataforma de Colaboração do Comércio, Serviços e Restauração;
  • Boletim Informativo com diagnóstico consolidado e regular dos setores de Comércio, Serviços e Restauração;
  • Via Verde para o Comércio, Serviços e Restauração;
  • Criação de Rede de Empresas de Comércio, Serviços e Restauração com proximidade às atividades de investigação científica e de desenvolvimento das universidades e politécnicos.

 

  1. “Reduzir custos de contexto e executar a simplificação administrativa” (Taxa de Implementação =20%):

 

  • Novo regime jurídico de acesso e exercício de atividades de Comércio, Serviços e Restauração;
  • Melhorar as condições e garantias para empresas e consumidores nas vendas à distância;
  • Introdução do livro de reclamações eletrónico;
  • Revisão do código de publicidades;
  • Avaliar os custos de contexto ao nível local;
  • Avaliar formas de agilizar as alterações aos Códigos de Atividade Económica;
  • Agilizar os processos de contratação nos setores e a valorização técnica nas áreas do comércio e dos serviços;
  • Resolução alternativa de litígios de consumo;
  • Grupo de trabalho para avaliar e promover a utilização de ‘Big Data’ em Portugal;
  • Criação de regras tendo em vista a proteção de informações comerciais confidenciais.

 

  1. “Incrementar a competitividade e o acesso ao financiamento” (Taxa de Implementação =30%, em fevereiro/2015):

 

  • Regime jurídico aplicável às práticas individuais restritivas do comércio;
  • Programa para a competitividade das pequenas e médias empresas;
  • Comércio Investe – Sistema de Incentivos ao Investimento;
  • Projetos conjuntos de qualificação comercial;
  • Portugal 2020 – Apoios para a competitividade do próximo período de programação 2014-2020;
  • Promover o financiamento colaborativo (crowdfunding);
  • Estratégia territorial para o comércio, serviços e restauração;
  • Alargar a marca «Portugal Sou Eu» junto aos setores dos serviços;
  • Capacitação das pequenas e médias empresas para a dinamização de modelos de negócios mais competitivos.

 

  1. “Capacitar a internacionalização e a economia digital” (Taxa de Implementação = 60%, em fevereiro/2015):

 

  • Maior presença das empresas de comércio, serviços e restauração no mercado digital global;
  • Mentor diáspora portuguesa para apoio à exportação;
  • Marca «Portugal Sou Eu» para apoio à internacionalização;
  • Alargamento dos instrumentos de apoio à promoção e internacionalização às empresas;
  • Concretizar uma presença unificada na Internet e em aplicações para telemóveis;
  • Maximização do potencial da Diretiva Serviços no mercado único Europeu;
  • Protocolo de estágios para recém-licenciados com Organizações Internacionais de Comércio.

 

  1. “Revitalizar e fomentar a restauração e similares” (Taxa de Implementação =40%, em fevereiro/2015):

 

  • Implementar um regime simplificado de prestação de cuidados de saúde ocupacional a trabalhadores isolados e ou de microempresas sem risco elevado;
  • Avaliar a criação de uma linha de financiamento específica para o setor da restauração entre as linhas de financiamento existentes;
  • Estudar a criação de uma linha de financiamento para capitalizar a restauração e similares;
  • Regulação da atividade das entidades de gestão coletiva do direito de autor e dos direitos conexos;
  • Protocolo de estágios para recém-licenciados com Organizações Internacionais de Hotelaria e Restauração.

 

 

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