Pedro Pimentel, diretor-geral Centromarca
Sobre o regresso à agricultura, a reindustrialização e a exportação, por Pedro Pimentel (Centromarca)
“O ataque aos mercados externos só é possível para empresas que nos seus mercados nacionais consigam conquistar a rentabilidade suficiente para gerar os meios financeiros necessários ao financiamento do investimento na exportação e internacionalização”, considera Pedro Pimentel, director-geral da Centromarca
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Por Pedro Pimentel, director-geral da Centromarca
Durante anos sucessivos, Portugal foi adormecendo embalado por um sonho de modernidade, com apostas políticas fortes em sectores emblemáticos como os das novas tecnologias ou das energias renováveis, mas – em simultâneo – com uma marginalização notória de uma matriz produtiva mais tradicional.
A conjugação de alguns factores exógenos com a proliferação dos tentáculos de um estado rentista, com a dificuldade de fixação de actividades efectivamente geradoras de valor e, mais do que tudo, com o descontrolo das contas públicas e o deficit crescente da nossa balança de transacções correntes, levaram-nos a um acordar estremunhado desse sonho e à rápida entrada num pesadelo que parece não ter fim…
Em pouco tempo, percebeu-se que o tal Portugal Moderno era pouco mais do que um balão de hélio, ao qual se esqueceram de atar o fio, ou um corpo grande com frágeis e curtos pés de barro!
Mantemo-nos a um nível terceiro-mundista na Justiça, a Saúde tem um custo exorbitante se considerada a qualidade dos serviços prestados, a Educação descarrega doses maciças de jovens, alguns bastante bem preparados, mas desfasados da realidade do mercado de trabalho. Possuímos uma máquina estatal que se foi auto-perpetuando, criando obrigações sucessivas para o cidadão, o contribuinte ou o empresário, que muitas vezes mais não são do que mecanismos para justificar a sua existência e formas de gerar o seu financiamento.
Temos acima de tudo um Estado sobredimensionado mas incapaz, apesar disso, de assegurar muitos serviços públicos básicos, um Estado que proporciona rendas avultadas a quem se soube aproveitar das suas brechas ou fragilidades, um Estado que o Portugal de hoje não consegue pagar, um Estado que tem um efeito eucalipto sobre sociedade e a economia.
Neste quadro, a prática sobrepôs-se à teoria e de uma forma quase espontânea percebeu-se que a solução para o país, ou pelo menos uma parte dela, derivará do regresso à terra, do regresso ao mar, do regresso à produção, da aposta nos bens transacionáveis, da aposta nos mercados de exportação. Percebeu-se que apenas a adição efectiva de valor pode gerar riqueza, amenizar a cavalgada brutal do desemprego e inverter o ciclo deficitário das nossas contas externas.
Plano dos chavões
Nesta altura, políticos, economistas e opinion makers esqueceram o que andaram a pregar durante anos e adoptaram chavões como os do regresso à agricultura, da reindustrialização ou da internacionalização, debitando-os repetidamente como se tivessem visto a luz e acordado renascidos, mas, apesar disso, mantemo-nos no plano dos chavões, no plano das declarações públicas grandiloquentes mas inconsequentes, no plano das declarações de intenções mas da ausência de políticas, no plano da exigência de programas atamancados ao sabor das pressões mediáticas do momento, com o dinheiro (que não temos) a ser usado da mesma forma que se usa a neve carbónica para apagar os incêndios, ou seja, abafando os problemas.
Além disso, aqueles mesmos políticos, economistas e opinion makers, pouco ou nada referem em relação a algumas questões cruciais. Uma primeira é a de que a adição de valor na produção se concretiza no momento da sua comercialização. Uma segunda é a de que não se pode dar uma no cravo e outra na ferradura, penalizando fiscalmente aquilo que se gera produtivamente.
Outra, é a de que, salvo raras e honrosas excepções, o ataque aos mercados externos só é possível para empresas que nos seus mercados nacionais consigam conquistar a rentabilidade suficiente para gerar os meios financeiros necessários ao financiamento do investimento na exportação e internacionalização. E a quarta é a de que para que os nossos produtos conquistem os mercados internacionais, os mesmos terão que possuir qualidade, inovação, design, terão que diferenciar-se dos seus competidores, terão que possuir marcas fortes.
Assim, é fundamental apostar em políticas – que não apenas de apoios financeiros – que potenciem o desenvolvimento da capacidade produtiva, que permitam uma melhor valorização dos nossos recursos endógenos e a construção de verdadeiras fileiras produtivas, que apoiem o ataque aos mercados externos. Essas políticas têm que ser bastante mais amplas do que simples programas de apoio que, quando existem, para além de criarem situações potenciais de distorção concorrencial, são normalmente desadequados e desarticulados e, geralmente, chegam demasiado tarde.
Novas regras
Mas diria que é ainda mais prioritário que se estabeleçam para o mercado interno um conjunto de novas regras de jogo, regras que sejam estáveis, claras e perceptíveis. Regras que sejam escrutináveis, implementáveis e fiscalizáveis. Regras que promovam uma efectiva equidade entre as partes e sejam dissuasoras de comportamentos contrários às mesmas.
Serão essas regras, mais do que quaisquer subvenções financeiras, que permitirão às empresas laborar, focalizadas na conquista da eficiência e da rentabilidade, que permitirão às empresas ser um garante de emprego sustentado e qualificado e exemplo de responsabilidade social, que permitirão premiar a investigação, a inovação e o risco, que permitirão gerar valor… valor que tem que ser distribuído de forma justa e equitativa ao longo da cadeia.
Nos últimos tempos, todos percebemos a preponderância da intervenção do Tribunal Constitucional na Economia, aplicando ideologicamente a Lei Fundamental na defesa de princípios de equidade entre o sector público e o privado. No entanto, como todos sabemos, em amplos sectores de actividade não existe um qualquer Tribunal Constitucional para velar pela Equidade na distribuição de valor entre os operadores económicos. Como todos sabemos, em amplos sectores de actividade, as regras são antiquadas, desajustadas e subjectivas, sendo que os níveis de litigância não são maiores apenas e só porque o ‘factor receio’ prevalece.
O actual Governo empenhou-se significativamente na construção de uma Plataforma para discussão, de uma forma participada, dessas novas regras. Foi dada relevância política a esse esforço, foram apresentadas pelos parceiros diversos documentos que estiveram na base de propostas legislativas concretas apresentadas pelo Executivo. No entanto, face a notórias pressões de quem quer que nada se faça ou se altere, tem sido notória a desaceleração desse esforço, o esvaziar do ímpeto político, o esquecimento no discurso mediático, fazendo temer que, uma vez mais, a montanha possa vir a parir um rato.
Tenho, ainda assim, poucas dúvidas que se a aposta passar pela construção de novas regras claras, objectivas e ambiciosas, de novas regras que promovam a competitividade e defendam a inovação e o risco, de novas regras que criem condições para um reequilíbrio das relações negociais entre as partes, de novas regras que sejam efectivamente implementadas e fiscalizadas, então, os respectivos resultados terão – sobre a Economia – um efeito que promoverá o regresso à agricultura, a reindustrialização e a aposta nos mercados de exportação, um efeito indutor do investimento e do emprego muito superior ao de um qualquer programa de apoio ‘desenterrado’ à última hora…
… e com a clara vantagem de não representarem custos adicionais para o Estado!