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João Machado, Presidente da Confederação dos Agricultores de Portugal (CAP): “Há um novo olhar para a agricultura”

Por a 16 de Abril de 2012 as 17:58

A viver um dos piores momentos de seca das últimas décadas, o presidente da CAP, João Machado, admite que se está a olhar de forma diferente e mais positiva para a agricultura portuguesa. Tudo porque já se percebeu que é fundamental haver um sector primário forte e a produzir.

Hipersuper (H): Em que estado está a agricultura portuguesa?
João Machado (J.M.): É uma pergunta difícil. Se considerarmos de forma conjuntural, está mal, uma vez que a seca não ajuda a agricultura. Nós estamos a viver um momento muito difícil e uma seca muito acentuada e muito prolongada e que prejudica toda a actividade agrícola, com maior relevância nos cereais de Outono/Inverno, animais e citrinos.

Entendendo a sua pergunta de forma mais ampla, costumo dizer que não temos uma agricultura portuguesa, mas sim muitas agriculturas portuguesa.

No entanto, se olharmos para a agricultura portuguesa estatisticamente, ela tem feito progressos assinaláveis nos últimos anos.

H: Quando fala nos últimos anos, refere-se à pós-adesão CEE?
J.M.: Depende dos sectores. Se falarmos do vinho é um progresso prolongado há duas décadas. Se falar de outros sectores é um progresso muito mais curto. No olival e no azeite é um progresso de menos de uma década.

Mas nos últimos quatro a cinco anos, temos feito um caminho em que o investimento em novos projectos na agricultura tem sido sempre mais de mil milhões de euros por ano.

Temos novamente em carteira, apesar das dificuldades da seca e da crise vivida pelo país, mais de mil milhões de euros para serem investidos no âmbito do PRODER.

O que quer dizer que o sector agrícola tem sempre investido muitíssimo e tem-se vindo a desenvolver. E é bom não esquecer que estes projectos só são financiados a 30%, portanto os restantes 70% são fundos privados.

Além disso, o Produto Agrícola Bruto tem estado a aumentar todos os anos, estamos a produzir mais em valor, em termos globais, estamos a exportar cada vez mais e estamos a criar emprego líquido em Portugal.

Por isso, se olharmos para a agricultura portuguesa estatisticamente, não está mal. Se olharmos ainda para outra área da agricultura portuguesa que é para as pessoas, também está a progredir bem. Basta ver que os investimentos que estão a ser feitos nos últimos anos são, maioritariamente, da responsabilidade de jovens.

Infelizmente, não progredimos tanto quanto devíamos e podíamos, uma vez que iniciamos este processo muito mal e todos se lembram das próprias lutas da CAP contra o Jaime Silva e o Ministério da Agricultura de então. Nós tivemos um interregno muito grande neste quadro comunitário. O PRODER não entrou em vigor nos três primeiros anos, tratando-se de um mau programa, burocrático, dificultoso …

H: Mas este PRODER ou o PRODER de uma forma geral?
J.M.: O PRODER de uma forma geral. O que foi aconteceu foi que depois da saída do Jaime Silva e da anterior directora responsável por esta área, o anterior governo, e o actual seguiu-lhe as pisadas, agilizaram procedimentos, tentando fazer de um mau programa um bom programa, o que é impossível.

Temos estado a trabalhar com o Governo para solucionar todos estes problemas. Os sinais são animadores e percebe-se que é possível. Além disso, nota-se que há, desde 2008 e da crise alimentar, um novo olhar para a agricultura.

H: Olha-se de forma diferente para a agricultura em Portugal?
J.M.: De forma diferente e mais positiva. Não digo só em Portugal, mas em todo o mundo desenvolvido.

Em determinado momento, a Europa achou que poderia dispensar a agricultura e criar uma economia secundária e terciária. Abandonar o sector primário é um disparate e nós dissemo-lo desde a primeira hora e a crise alimentar de 2008 veio prová-lo de forma cabal.

Desde 1992 todas as políticas e reformas na agricultura visaram a diminuição da produção. Só a partir desta reforma que entrará em vigor em 2014 é que se está a dizer aos agricultores para produzirem mais.

E de facto os números da FAO são impressionantes. Se em 2025 já vamos ter problemas, em 2050 será dramático. Devíamos produzir o dobro do que produzimos actualmente.

Além disso, temos tido um problema de raiz e grave: habituamo-nos a ter os bens alimentares a muito baixo preço na Europa. Temos um conjunto de circunstâncias que permanentemente aumentam os custos de produção, sendo que o produto final tem de ter a mesma qualidade e não pode aumentar de preço.

H: Está a dizer que é inevitável um aumento dos preços dos produtos alimentares?
J.M.: É inevitável. A Europa tem esta política muito cínica que é impor muitas regras para os produtores nacionais, mas não coloca as mesmas regras nos produtos que importamos. Portanto, o consumidor acaba por consumir produtos semelhantes em que não lhe é dito como é que é produzido, a origem, que tipo de semente tem por trás ou que protecção social tiveram as pessoas que produziram aquele produto, acabando por consumir mais barato pondo em concorrência os produtos nacionais e comunitários que têm de cumprir estas regras todas.

H: Encara então de forma positiva o anúncio feito por parte do Ministério da Agricultura no que diz respeito à publicação dos preços no elo produção distribuição?
J.M.: É positiva e faz parte de um projecto de trabalho organizado na PARCA e onde a transparência na formação de preço era o primeiro assunto.

De facto, temos de ter elementos da produção, transformação e distribuição para saber como é que o preço final foi formado e em que áreas desse preço é que as pessoas ganharam ou perderam dinheiro.

Quando tivermos essa cadeia de preços transparente e avaliada por um organismo autónomo, poderemos saber onde está o problema e tentar actuar sobre ele. Tem de haver um árbitro independente.

H: Este árbitro independente é o elo para equilibrar a tal relação de poder desequilibrada entre a distribuição e produção destacada pelo relatório da Autoridade da Concorrência em 2010 e recentemente pela Ministra da Agricultura? Ou é um dos elos?
J.M.: É um dos elos. Mas temos de ir mais longe. Estamos a trabalhar no Código de Boas Práticas no âmbito da PARCA onde as partes se obrigam a práticas comerciais adequadas e que tem penalizações para quem não as cumprir.

H: Mas esse é um processo que está perro?
J.M.: É, de facto, um processo que está mais lento do que gostaríamos. É um processo que, embora tenha três meses de trabalho, está a resolver problemas de anos.

Há muitos interesses em jogo. Estamos a falar de um negócio onde todos querem ganhar dinheiro: produção, indústria e distribuição. É um negócio muito grande onde a diferença de dimensão entre os interlocutores também é muito grande. É, de facto, uma pirâmide, com a produção na base, a indústria no meio e a distribuição cada vez mais concentrada no topo. O facto é que o elo mais fraco está na produção.

H: Mas há alguma coisa já em cima da mesa ou ainda se está a negociar a apresentação de uma proposta? Foi feito alguma coisa entre a publicação do relatório da AdC e o relatório intermédio?
J.M.: O relatório diz que era desejável que houvesse um aprofundamento do Código de Boas práticas existente. Já existe uma primeira versão do código e foi apresentada, recentemente, uma segunda versão por um dos parceiros para ser analisada.

H: O Secretário de Estado do Empreendedorismo, Competitividade e Inovação, Carlos Oliveira, avisou: entendam-se. E se não se entendem a bem, terão de se entender a mal e terá de ser o Governo a redigir tal documento?
J.M.: O que estamos a tentar fazer é entender-nos e isso leva tempo. Já percorremos um longo caminho e penso que estamos já na recta final.

H: Está para breve?
J.M.: Acho que é para o primeiro semestre. Se houver um Código de Boas Práticas, a legislação pode ser supletiva, ou seja, não precisa de ser tão dura nem tão minuciosa.

Se não houver código, o Governo tem de legislar e tem de se ir mais fundo.

Mas a transparência na formação dos preços não basta. Como disse é um dos elos, mas não é o único.

H: Quais são então os outros elos?
J.M.: Legislação, tem de haver legislação. Há legislação muito mais completa nalguns países, onde é referido o tipo de contrato, o tipo de desconto, prazos de pagamento, retroactividades ou não, rapel ou não. Em Portugal, isso é tudo absolutamente arbitrário.

H: Mas todos esses aspectos não deveriam estar no Código de Boas Práticas?
J.M.: Grande parte poderá estar, se houver Código de Boas Práticas. Seria desnecessário o Governo legislar sobre determinado tipo de matérias se existir um código. Se não houver, terá de legislar.

H: A antecipação das ajudas comunitárias aos agricultores portugueses no valor de 300 milhões de euros de Dezembro para Outubro negociada em Bruxelas chega para fazer face aos prejuízos que a seca trouxe ao sector agrícola? E o valor chega?
J.M.: A resposta é não. O Regime de Pagamento Único (RPU) é muito específica. O que nós podemos pedir é o que está previsto. Mas essa antecipação só é possível de Dezembro para Outubro. Não é possível outro prazo.

E essa ajuda de 300 milhões de euros é 75% do valor total que são mais de 400 milhões de euros. Os 600 milhões englobam outros pagamentos.

Essa verba de 300 milhões é um apoio aos agricultores portugueses como é aos agricultores europeus. Portanto, não há aqui nenhum tratamento especial e muitos países o fazem e aqui ao lado, Espanha, também pediu essa ajuda.

Para poder fazer isso, tem é de cumprir todas as regras comunitárias e nós estamos num momento muito difícil em que talvez podemos não conseguir cumpri-las. E isso é que é dramático.

H: E teme que isso possa acontecer?
J.M.: Temo que possa acontecer, porque a campanha está a correr muito mal, está atrasada e começámos muito tarde. Deveríamos ter começado em Fevereiro.

E não se pense que Portugal poderia pedir uma antecipação maior, tipo para Junho ou Julho. Isso está fora de questão. A haver antecipação, esta é para 15 de Outubro, ponto.

O grande ponto de interrogação é se vamos cumprir as regras e os prazos. Se não cumprirmos, os agricultores portugueses são penalizados e isso é muito, muito grave.

A segunda questão que colocou, se este valor chega, claro que não chega. É preciso viver até Outubro. Mesmo que esse adiantamento chegue em Outubro e há aqui um “se”, é tarde. Os agricultores não podem esperar até Outubro e há um conjunto de medidas que têm de ser tomadas até lá. Algumas foram anunciadas em Conselho de Ministro no final de Março.

O que estamos a dizer ao Governo é despachem-se. Porque a seca está cá há quatro ou cinco meses e estas medidas vem tarde. Depois de anunciadas as medidas, não podem estar um mês para regulamentar. As medidas têm de ser postas no terreno já, os agricultores precisavam delas ontem.

H: Isso quer dizer que o problema não está só no terreno, mas também nos gabinetes?
J.M.: O problema está no terreno há muitos meses, todos os dias os agricultores são confrontados com este problema. Mas uma vez negociadas as ajudas e disponibilizados os apoios, o Estado português tem de regulamentar e publicar em Diário da República todas as medidas que anunciou.

H: Mas todo este pacote de ajuda só vem minimizar e não solucionar o problema?
J.M.: Nós temos um problema, é que as secas acontecem de forma cíclica. Sabemos que por cada década, há pelo menos dois anos de seca extrema. O que quer dizer que de cinco em cinco ou de seis em seis anos temos uma seca. E nunca trabalhamos para a próxima seca, trabalhamos sempre para esta seca e o ministro que se livra de uma seca diz, “ui, estou livre, porque daqui a quatro anos não estou cá, por isso quem vier a seguir que trate dela”.

Nós nunca tomamos medidas estruturais para resolver o problema de base e essas medidas são fundamentais. Temos de criar um conjunto de medidas, sabendo que a seca vai acontecer, é inevitável.

H: E há uma maior sensibilização em relação aos produtos portugueses?
J.M.: Em teoria, há. Isto é, quando é perguntado directamente, gosta de consumir produtos portugueses, todos dizem que sim e que querem ajudar a agricultura portuguesa.

Depois há, contudo, o problema da carteira, sobretudo neste contexto económico-financeiro que vivemos actualmente. Quando se vai à prateleira do supermercado procura-se menos o produto e mais o preço e muitas vezes por causa daquele cinismo da política comunitária que permite a importação de produtos que não cumprem as mesmas regras, nós temos produtos mais baratos na prateleira do supermercado que são importados até fora da Europa.

O consumidor é, por isso, levado a consumir mais barato, ainda por cima neste tempos de crise que vivemos.

H: E a ligação entre a agricultura e a indústria transformadora, diz-se que uma não vive sem a outra. Existe uma ideia ou visão de fileira em Portugal capaz de dinamizar a economia nacional?
J.M.: Não tenho uma única resposta, mas todos os casos de sucesso da agricultura portuguesa e a maneira como têm crescido dizem que existe essa visão. Isto é, é inevitável, é para aí que temos de caminhar e trabalhar.

Nós crescemos nos hortícolas nos últimos anos, porque existe uma fileira, existe uma contratualização entre os que produzem, que transformam e os que compram para vender. O mesmo acontece em muitos outros sectores.

Todos os sectores que têm evoluído positivamente nos últimos anos, e foram muitos nos últimos anos, têm essa noção de fileira e de contratualização. Esta contratualização é fundamental e acontece em vários sectores. Mas ainda não é a desejável.

Ainda temos um trabalho muito grande a fazer do lado da produção em juntar as pessoas e pô-las a falar. Nós portugueses, e não são só os agricultores, somos individualistas em tudo, e por vezes até parece que não gostamos de ganhar dinheiro com o nosso negócio.

H: Olhando um pouco mais para o futuro, como é que o presidente da CAP vê este processo de revisão da PAC para o período pós 2013. O que seria desejável para a agricultura portuguesa a partir de 2014?
J.M.: O presidente da CAP olha para esta posição com muito realismo porque entre as promessas dos políticos europeus e a realidade, estamos habituados a que exista um mundo de distância. Esta negociação começou por dizer que vamos reequilibrar os valores dentro da Europa, das ajudas comunitárias para agricultores e entre países, que vamos ter uma política que é verdadeiramente transparente e equilibrada e vamos produzir mais, o que é bom para a Europa.

O facto é que quando chegamos a esta altura em que já existe uma proposta consubstanciada da Comissão, vemos que a aproximação entre agricultores e países é muito diminuta, que o orçamento comunitário que tem mais dois países aderentes e mais 12 países que não estavam totalmente integrados e que passam a estar, é menor.

Este realismo diz-nos o seguinte: apesar de recebermos um pouco mais de dinheiro, não iremos sair da 23.ª posição ao nível do recebimento por agricultor. Por isso, façamos uma política que nos permita continuar a produzir e a produzir aquilo em que somos bons em Portugal.

H: Não podemos produzir tudo?
J.M.: Essa história da auto-suficiência é um disparate total. A auto-suficiência, desejavelmente é na balança, se conseguirmos exportar mais em valor do que importamos, é óptimo. Ainda não estamos equilibrados, estamos mais perto, mas ainda não estamos lá.

Portanto, os franceses, alemães e espanhóis, vão continuar a receber mais e os que recebem menos continuarão a receber menos.

Esta é a realidade da dimensão de Portugal e do peso político que Portugal possui. O que é que nós temos de fazer nessa matéria? A luta está nos pormenores, nas vírgulas e nos pontos, sendo que no quadro geral, sabemos que as coisas vão ficar mais ou menos na mesma.

Ter uma política agrícola que permita que o mundo rural se desenvolva, mantendo as culturas onde Portugal é competitivo, não afastando agricultores e permitindo-nos continuar a investir e a auto-renovar o tecido agrícola, esse é o nosso objectivo.

H: Mas sente-se mais positivo ou optimista em relação à nova PAC?
J.M.: Nós temos dois patamares nesta politica agrícola. Temos a parte comunitária até 2014 e temos a parte nacional. Em relação à parte comunitária, se formos realistas nesta matéria e não pensarmos que a França ou a Alemanha vão abrir mão daquilo que recebem, podemos ganhar um pouco em termos de orçamento e em termos de filosofia da política.

H: Mas essa é a parte comunitária. E a parte nacional?
J.M.: A política agrícola é feita de um primeiro e de um segundo pilar e a União Europeia e a Comissão dizem-nos para criar as medidas. O dinheiro é este, está aqui, mas tem de ser aplicado com estes objectivos e regras, mas as medidas concretas onde o dinheiro é aplicado são feitas em Portugal. Por isso é que o PRODER era tão mau, porque ninguém nos ouviu e estava tudo de costas voltadas para a produção.

Onde nós podemos, de facto, ganhar muito é no programa nacional que tem de ser muito melhor que o PRODER que era péssimo, tendo ficado um pouco melhor com as adaptações.

Resumindo: podemos ganhar pouco na parte comunitária, mas podemos ganhar muito no programa nacional. E aí, acho que existe da parte do Ministério a vontade e a sensibilidade de fazer um programa mais interessante do que foi o anterior.

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