Homepage Newsletter Opinião

Angola: Uma promessa a cumprir-se

Por a 22 de Dezembro de 2011 as 12:33

Fui a Luanda pela primeira vez há vinte anos, integrado num grupo técnico para realizar um estudo sobre o abastecimento alimentar à cidade e o que então lá encontrei, nada tem a ver com o que agora vi. Não direi ter acontecido uma mudança da noite para o dia mas… da noite para a madrugada, uma madrugada radiosa e prometedora de um dia, o sol brilhar para todos sobre as acácias rubras das ruas e jardins de Luanda.

Há vinte anos atrás, o trânsito em Luanda já era caótico mas não tinha, como hoje, 75% do parque automóvel com veículos (jipes) de alta cilindrada; o imobiliário estava destruído e a actividade de construção civil paralisada. Mas hoje a cidade é um verdadeiro estaleiro de construção civil, tal a quantidade de imóveis imponentes em projecto ou já a serem erguidos. Porém, tal como antes, devido aos constantes e súbitos cortes de energia o som mais persistente audível noite e dia ainda é o ronco monótono dos geradores e a paisagem citadina continua dominada pelas parabólicas e AVACs, literalmente, penduradas dos prédios.

Porém, no que respeita à Distribuição, não há comparação. Antes existia uma loja Jumbo, quase sem produtos, que funcionava como loja franca do Estado só aceitando pagamentos em dólares; meia dúzia de supermercados do Estado denominados primeiro Zambas e depois Kangurus, bem montados de equipamentos literalmente vazios de qualquer produto; escassas e pequeníssimas lojas de bairro semi-privadas; alguns pequenos supermercados pertencentes a empresas e apenas para seu uso exclusivo e muitos, mas mesmo muitos, mercados informais a céu aberto como o famoso Roque Santeiro.

Hoje, é verdade que ainda existe um mercado informal muito forte constituído por centenas, senão milhares de vendedores que transportam pendurados no seu corpo os produtos que vão vendendo nas ruas, entre as intermináveis filas de trânsito, aos automobilistas que nelas se encontram parados (contudo o Roque Santeiro foi desmantelado e já não existe) e por uma forte proliferação de minúsculas lojas de conveniência, geridas por famílias libanesas e indianas que detêm uma quota de mercado ainda muito significativa, mas cuja tendência futura será de redução progressiva, à medida que o comércio formal se expandir.

Mas também me foi dado ver um comércio organizado cujo nível de qualidade e variedade de oferta muito me surpreendeu e agradou. A começar pela insígnia sul-africana SHOPRITE, possuidora de seis hipermercados; uma insígnia angolana de pequenos supermercados de bairro denominada MURTAL e cuja garrafeira se compara com muitas lojas europeias; um hipermercado puro de grande dimensão (9000 m2) com a insígnia KERO, de capitais angolanos mas gerido por uma equipa portuguesa; duas grandes lojas cuja insígnia é MAXI, de formato cash and carry, mas abertas a todo o tipo de clientes quer profissionais quer consumidores finais; e, porventura o mais surpreendente, uma cadeia de seis supermercados qualitativos denominados Casa dos Frescos, com uma qualidade de oferta maioritariamente constituída por produtos portugueses, transportados duas vezes por semana de avião, e que, não obstante os seus preços elevados, (há uns meses, a título de exemplo, vendia-se nesta loja um melão casca de carvalho, apimentado, de Almerim, pelo preço de 100 dólares/kg) rapidamente desaparecem das lojas; um grande centro comercial denominado Belas Shopping na zona mais moderna de Luanda chamada Talatona e uns quantos mais em construção, como o gigantesco Comandante Gika ou o interessante O Átrio, prometem em poucos anos dotar a cidade de Luanda de uma oferta ao nível do que de melhor se encontra em Portugal.

Amanhã, naturalmente, a concorrência irá acentuar-se através da entrada, já em curso, de empresas portuguesas, como a JM e a SONAE associadas a parceiros angolanos; da natural expansão das empresas angolanas já existentes e, porventura, dos grandes players globais, uma vez que a entrada da Wal-Mart, neste mês de Junho na África do Sul através da aquisição da cadeia local Massmart, fará despertar o interesse aos seus seguidores internacionais, dilatando o número de formatos alimentares e não alimentares presentes no mercado angolano.

O potencial dos países africanos e, em particular de Angola, é imenso pois quase todos possuem uma população jovem e em crescimento, tal como a sua classe média, caminham para a estabilidade política, a concorrência ainda é fraca e a concentração quase inexistente, em particular no comércio não alimentar e as respectivas economias crescem a dois dígitos.

Também é verdade que as taxas de inflação ainda são elevadas, que existem fortes medidas proteccionistas bem evidentes nas taxas aduaneiras (cerca de 70%), a burocracia ainda pesa sobre os cidadãos e as empresas, persiste um grande deficit em matéria de infra-estruturas básicas e de formação de quadros técnicos e a maioria da população carece de um efectivo poder aquisitivo.

Mas a riqueza natural de Angola espelhada na sua produção de petróleo, diamantes, minérios e sua variada produção agrícola de banana, café, cana-de-açúcar, milho, algodão, tabaco, peixe e muitos outros, são uma promessa para cumprir nos próximos anos. Os angolanos merecem que esse destino se cumpra e os mais de 120 mil portugueses que lá trabalham e os 10 milhões de cá também.

José António Rousseau, Consultor e docente no IPAM/IADE, www.rousseau.com.pt

 

Deixe aqui o seu comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *