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António Burstoff, Presidente da Câmara de Comércio e Indústria Luso-Brasileira: “Portugal como ‘hub’ para produtos brasileiros na Europa e Norte de África”

Por a 2 de Dezembro de 2011 as 9:58

“O Brasil é uma tábua de salvação para a crise que o País e as empresas portuguesas en­fren­tam”. Esta é a opinião de António Burstoff, Presidente da Câmara de Comércio e Indústria Luso-Brasileira (CCILB). Mas em vez de nos limitarmos às exportações, “Portugal deve ser uma plataforma de distribuição de produtos brasileiros na Europa e Norte de África”. E Burstoff deixa a seguinte pergunta: “os holandeses ganham muito dinheiro a fazê-lo. Porque não fazê-lo em Portugal?”.

Hipersuper (H): Há muito que se ouve dizer que o Brasil é uma terra de oportunidades para os empresários portugueses. Será que os empresários portugueses não estiveram demasiado tempo à espera de agarrar essas oportunidades? O Brasil continua a ser uma terra de oportunidades para as empresas portuguesas?
António Burstoff (A.B.): A resposta é sim. E para além de uma terra de oportunidades, o Brasil é uma tábua de salvação para a crise que o País e as empresas portuguesas enfrentam.

De entre as economias que se desenvolvem e que têm um potencial de desenvolvimento e resistência a esta crise, onde se inclui o grupo dos BRIC, o Brasil é certamente o país com o qual temos uma maior identidade cultural e que pode mais facilmente dar uma mão e ajudar as nossas empresas.

H: Mas existe a ideia de que os empresários portugueses tiveram muito tempo adormecidos. A questão é que o Brasil está agora na moda para muitos outros países e Portugal poderia ter-se posicionado há bastante tempo como um parceiro estratégico. Portugal ignorou por demasiado tempo o Brasil?
A.B.: Não concordo com essa tese. Concordo com a tese que Portugal esteve durante muitos anos distraído relativamente a tudo o que estava para além da Europa, e não me cinjo aos empresários, mas sobretudo aos interesses políticos e diplomáticos nacionais que, com o processo de integração europeia, voltaram um bocado as costas para o Atlântico.

É preciso reconhecer que Portugal durante os primeiros 10 anos da adesão da CEE e do advento do euro passou por um período muito bom, com o mercado interno a dar resposta às capacidades de crescimento das empresas nacionais. O próprio mercado europeu era sinónimo de grandes oportunidades. Portanto, distraímo-nos durante este período.

De qualquer forma, depois do Brasil passar o grande ciclo de recomposição da sua economia, ciclo, aliás, longo e bastante sofrido, e que iniciou o processo de privatizações em meados dos anos 90, Portugal foi um dos primeiros países a entrar. E isto com a dimensão que temos. Conseguimos estar entre os três primeiros investidores estrangeiros durante 2 ou 3 anos. Estamos a falar da participação de empresas portuguesas na privatização de sectores como o energéticos, telecomunicações, cimenteiro, etc..

Diria que Portugal pode ter estado distraído porque esteve ocupado com a sua integração europeia e todos os benefícios que daí advieram. Mas se Portugal esteve distraído, então o resto do mundo inteiro esteve ainda muito mais.

Se dizem que Portugal perdeu a oportunidade e que agora já é tarde ou vai sendo tarde, não posso discordar. Contudo, Portugal conseguiu alterar completamente a sua imagem perante o Brasil quanto às suas competências empresariais e tecnológicas. Temos, hoje, uma imagem de País moderno, com domínio nas tecnologias importantes, com gente qualificado.

A imagem de Portugal hoje no Brasil permite ter o diálogo facilitado com o mercado brasileiro.

O problema é que nunca colocamos Portugal na sua dimensão correcta. Um País de dez milhões de habitantes nunca poderá ter uma presença relevante na economia brasileira.

São Paulo, por exemplo, é a segunda cidade industrial sueca. Só existe uma cidade no mundo com mais indústrias suecas que São Paulo: Estocolmo.

E quem fala da Suécia, fala de todos os países do Norte da Europa, dos EUA e de muitas economias orientais. Há, hoje, uma presença indiscriminada de todo o mundo no Brasil. As grandes multinacionais que conhecemos possuem todas unidades de produção no Brasil. Nos arredores de São Paulo está a segunda maior fábrica da Volkswagen do mundo, depois de Wolfsburgo.

Portanto, estamos a falar de um ambiente de difícil competição por um lado e, por outro, onde Portugal jamais poderá ter a escala e dimensão que essas grandes potenciais económicas mundiais possuem.

H: Referiu a melhoria significativa da imagem de Portugal no Brasil. E os produtos portugueses? Existe a noção de qualidade relativamente ao produto português?
A.B.: Relativamente ao comércio com o Brasil, é preciso desmistificar um pouco a questão da dimensão do nosso comércio global com o exterior. É claro que tem pouca relevância, mas tem pouca relevância porque o nosso comércio exterior está concentrado na Europa.

H: Demasiadamente concentrado na Europa?
A.B.: Sim, demasiadamente. Essa concentração está a diminuir, esteve durante muito anos acima dos 80% e creio que já está abaixo.

Mas nessa fatia de 20%, o Brasil passa a ter uma posição muito mais relevante. Obviamente não tão relevante como os EUA ou Angola, hoje em dia. Por outro lado, é natural que os nossos principais parceiros comerciais sejam os nossos vizinhos e se o Brasil precisar de importar um produto que não produz – o que será difícil de encontrar – é expectável que o compre na Argentina ou noutro país vizinho.

Além da distância, as pessoas esquecem-se dos factores de complementaridade nas balanças comerciais. Portugal quase que se pode considerar como um dos principais concorrentes nas exportações relativamente ao Brasil em produtos como os florestais, têxteis e calçado. Onde é que nos complementamos? Nos nossos produtos tradicionais ou em área industriais com os moldes, por exemplo.

Existe um pouco o complexo pelo facto de o Brasil ter um superávit crónico na balança comercial connosco, mas isso tem a ver com a maior diversidade de produtos exportáveis.

Costumo dizer que o Brasil, em termos de soberania, é mais importante que os EUA. Se no passado a soberania estava relacionada com o arsenal militar, hoje está relacionada com a capacidade que um país tem em auto-abastecer-se. Basta para tal lembrarmo-nos que o Brasil é largamente auto-suficiente em termos energéticos.

Por isso, não será expectável que Portugal possua um grama de produtos exportáveis comparável ao Brasil.

Contínuo a insistir no seguinte: o nosso objectivo não deverá passar por recompor ou equilibrar a balança, deve ser, sim, negociar mais.

A única forma de o fazermos é fazer o que fez a Holanda. A Holanda, um país pequeno, menor que Portugal, é hoje o quarto maior importador de produtos brasileiros do mundo. E não será, certamente, para abastecer o seu mercado!

H: Está a querer dizer que nos devemos tornar num “hub” para os produtos brasileiros?
A.B.: Se nós não podemos ganhar, exportando mais, temos de perder a vergonha de produzir deficits comerciais e reparar que estamos a produzir superávits comerciais nos serviços.

Nós temos por hábito falar só das nossas desgraças. Ninguém quer saber da balança de serviços onde produzimos um superávit importante e quando falamos da conta de serviços, estamos a igualá-la praticamente aos valores das mercadorias.

H: Mas voltando ao “hub”, acha que é por aí que Portugal deverá ir?
A.B.: Sim, claramente. Portugal deve ser uma plataforma de distribuição de produtos brasileiros na Europa e no Norte de África. Os holandeses ganham muito dinheiro a fazê-lo. Porque não fazê-lo em Portugal?

Isso fará com que acrescentemos algum valor ou um fee, mas como vamos reexportar o produto, estaremos a aumentar as nossas exportações, deduzindo o custo de importação, naturalmente.

Volto a referir a Holanda. Os holandeses não o fazem para abastecer o mercado interno, mas para reexportar para a Alemanha, países escandinavos, etc..

H: Os dados indicam que Portugal tem vindo a ganhar quota no mercado brasileiro. A que se deve esta subida das exportações portuguesas para o Brasil?
A.B.: Existem áreas onde temos registado crescimentos muito fortes com, por exemplo, vinhos e azeite. Os vinhos passaram de 17 para 25 milhões de euros de 2009 para 2010. Os azeites de 77 para 103 milhões no mesmo período. Ora, se formos ver, estamos a falar de variações de 40 a 50%.

Umas coisas atraem as outras. O maior fluxo de turistas brasileiros em Portugal está a permitir que exportemos mais vinho, por exemplo. O contacto directo com o produto faz com que o brasileiro queira adquirir o produto no seu país.

Contudo, também é verdade que existe pouco espírito de cooperação entre as várias classes de exportadores. Acho que conversam muito pouco entre eles. Há algumas barreiras que uns já aprenderam a ultrapassar e os outros só reclamam porque não as ultrapassam.

H: Os empresários não falam entre eles para vencer barreiras? Não se vai com uma estratégia comum, de Portugal?
A.B.: Não, de todo. Vai-se com uma estratégia individualista. No caso do vinho português, por exemplo, o prestígio nunca vai depender só de uma marca.

H: Mas ficámos um pouco limitados aos vinhos e azeite. Portugal não tem mais produtos exportáveis para o Brasil?
A.B.: É verdade. Se consolidarmos os vinhos, os azeites, as conservas, as amêndoas, as castanhas e por aí fora numa conta só, temos 50% das exportações portuguesas para o Brasil.

H: E o Brasil pode funcionar como “hub” para os produtos portugueses para a América do Sul?
A.B.: Faz sentido. O Brasil está integrado no Mercosul e as trocas comerciais/alfandegárias entre os países não têm qualquer incidência sobre o que sai do Brasil. Mas repare que o vinho português chega ao Brasil e no dia seguinte já custa o dobro por causa das taxas alfandegárias, dependente do Estado. Essa é outra mensagem para os exportadores portugueses: não desistam com o sistema fiscal do Estado a que chegam, porque como há concorrência fiscal, há Estados que para atraírem movimento de mercadorias para os seus portos e aeroportos, principalmente os do Nordeste, baixam substancialmente esses impostos e com isso tornam-se muito mais competitivos.

H: Que conselhos daria a uma empresa que queira exportar para o Brasil?
A.B.: Deve, em primeiro lugar, fazer uma avaliação do mercado, verificar o que é que o Brasil consome do seu produto ou serviço, quem são os concorrentes, quais são os padrões de qualidade desse produto ou serviço no Brasil, analisar a relação preço/qualidade do produto.

Uma vez confirmada a possibilidade da colocação do produto no mercado, dependente da dimensão da empresa, aconselhamos a procura de um parceiro local, e não aventurar-se sozinha e tentar ultrapassar milhares de barreiras que são desconhecidas e complicadas.

Costumo dizer que a cultura empresarial brasileira é muito diferente da portuguesa. Temos a identidade cultural e a língua, mas não temos a mesma cultura empresarial. O Brasil é muito mais próximo dos EUA do que da Europa nesse aspecto.

H: E uma empresa portuguesa deve exportar para o Brasil ou para determinados Estados do Brasil?
A.B.: Em relação às PME aconselhamos uma abordagem regional. Imagine que falamos de uma empresa com um produto para grandes massas, aconselharia ir para os grandes centros de consumo. Os três estados do Sudeste representam 40% do PIB nacional.

H: Mas por vezes cometem-se erros de avaliação. Ter um produto de massas em Portugal não quer dizer que chegue para abastecer um mercado como o brasileiro.
A.B.: Correcto. Mas estou-me a referir a um produto altamente competitivo e que tem uma qualidade superior ao que existe no mercado.

Nós temos de ser realistas: o Brasil nunca vai ser o principal parceiro comercial de Portugal a não ser que Portugal, como a Holanda, se especialize na distribuição de produtos brasileiros no mundo.

Na área de serviços há um potencial gigantesco por explorar e nós temos superávit neste campo. Ninguém fala nisso.

Não é possível termos uma relação comercial com o Brasil como temos com a Espanha. Hoje, os principais parceiros comerciais do Brasil são os países vizinhos, Colômbia, Bolívia, Argentina, Chile, Venezuela, Peru.

Há uma coisa chamada dimensão e escala que é sempre preciso ter em mente. Parece que nos esquecemos que Portugal cabe quase 100 vezes dentro do Brasil.

 

 

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