Destaque FMCG Vinhos

Vinho “à rasca”

Por a 19 de Setembro de 2011 as 12:49

A notícia de uma possível mexida na taxa de IVA nos vinhos, acompanhada de uma eventual e futura taxação de IEC (Imposto Especial de Consumo) caiu que nem uma bomba na fileira do vinho.

Apesar de a ministra da Agricultura, Assunção Cristas, ter admitido recentemente que “sensibilizou” o seu colega das Finanças, Vítor Gaspar, para a necessidade de “não termos um enquadramento que desfavoreça este sector, que é muito importante para agricultura portuguesa”, acrescentando estar “em linha nas preocupações de ter um enquadramento que possa ajudar o sector”, nada garante que no próximo Orçamento de Estado seja anunciada esta medida. E uma vez tomada, muito dificilmente será pouco tempo, já que os Governos sucessivos são bem conhecidos por, em termos de fiscalidade, nunca prescindir de uma receita. Assim que a possibilidade de o vinho ser mais um dos sectores a ser afectado pela austeridade imposta pela troika ao Governo em termos de deficit – há quem já não saiba onde param as imposições da troika e onde começam os exageros do Executivo -, a fileira respondeu. Para António Soares Franco, presidente da José Maria da Fonseca, esta é a “pior noticia para o sector nos últimos 30 anos”, reforçando que, à má notícia que é a mexida do IVA, poderá estar associada a possível introdução de IEC no vinho que não existe nos outros países produtores europeus. “Os senhores da troika vêm de países não produtores e não entendem a repercussão de uma medida destas no principal produto da agricultura portuguesa. O vinho em Portugal não é um produto de luxo, 90% é vendido a preços não remuneradores dos investimentos feitos”, salienta o responsável pela empresa que coloca no mercado internacionais e nacional vinhos de marcas como Periquita, Lancers, BSE ou Colecção Privada DSF.

Mas se para Soares Franco esta foi a pior notícia para o sector em três décadas, para o director-geral da Adega Ervideira, Duarte Leal da Costa, esta será a “machadada final” para a fileira. E as palavras são elucidativas do estado de espírito de um sector que tem sofrido ao longo dos últimos anos: “mais uma vez teremos que agradecer à estupidez dos nossos políticos, que ano após ano têm conseguido fragilizar esta economia, afastando-a cada vez mais do nível Europeu”.

As reais implicações
As implicações de uma possível mexida do IVA depende muito da “mexida”. Ou seja, depende da amplitude das alterações do Governo que na opinião de Cláudia Portugal, directora-geral da PrimeDrinks, é diferente se passar de 13% para 23% ou 25%, ou 13% para 16% ou 17%. “E ainda mais diferente é se o aumento do IVA sobre o vinho ocorrer num cenário em que se passe a taxar IEC”. Caso isso aconteça, a responsável pela maior distribuidora a actuar no mercado português admite que “o efeito multiplicativo de imposto sobre imposto [o IVA passaria a incidir sobre o valor do produto com IEC, como acontece no mercado de espirituosas] é ainda mais dramático”.

Assim, a mexida nos preços está dependente desta “simples” equação matemática, sendo certo que o sector será alvo de uma transformação.

Duarte Leal da Costa explica as implicações através de uma comparação bem popular: a pescadinha de rabo da boca. Ou seja, a esperada quebra de consumo será condutora de maior desemprego e, por consequência, ainda menor consumo.

Além de suicida, Soares Franco adverte, desde já, que “haverá pressões para que os produtores encaixem a diferença, o que está fora de questão”, admitindo Manuel Pinheiro, presidente da Comissão de Viticultura da Região dos Vinhos Verdes (CVRVV), que a distribuição “empurre o fornecedor” para suportar uma parte.

Mas as implicações desta medida poderão ir ainda mais longe e ser mais gravosas, salientando Martim Guedes, director de Marketing da Aveleda, que, além de uma queda grande do consumo interno, “é tentador pensar que isso não prejudicará as exportações, mas infelizmente isso é falso” E porquê? Porque “sem procura no mercado interno, as empresas não terão recursos para investir na exportação”, explica o também membro do Conselho de Administração da maior produtora e exportadora de Vinho Verde.

Se Assunção Cristas não conseguir “sensibilizar” o seu colega Vítor Gaspar, Manuel Rocha, CEO da Adega de Borba, sintetiza da seguinte forma o futuro próximo do sector do vinho: “uma imediata retracção do consumo, afectaria os negócios de distribuição, implicaria aumento de excedentes, e provocaria o abandono de muitas explorações agrícolas e vitivinícolas”.

Paulo Medina, director de Marketing e vendas da Aliança, coloca o tónico numa mais que provável transferência de consumo, já que o consumo em quantidade não deverá reflectir uma potencial crise no sector, admitindo que “o consumidor que bebe vinho regularmente não deixará de o fazer”. Contudo, e neste contexto, para Medina parece previsível que o consumidor “não irá gastar mais do que já gasta actualmente” o que fará com que “passará a comprar vinhos que hoje são mais baratos”. Como resultado, o director de Marketing e vendas da Aliança refere que “os produtores passarão a vender mais vinhos mais baratos, sendo negativo para os seus negócios, podendo reduzir significativamente a sua facturação e margens”.

Messias Batista, director de Marketing das Caves Messias, explica, por seu lado, que, apesar desta medida ser extremamente prejudicial ao sector, poderá “ter consequências bem mais interessantes”, já que poderá levar os produtores a “incrementar os seus esforços à exportação, no sentido de tentarem compensar as perdas que sentirão no mercado interno, traduzindo vantagens em termos da balança comercial portuguesa”.

+ Preço = transferência
É praticamente consensual que um aumento do IVA no vinho significará uma subida de preço para o consumidor. De acordo com as várias opiniões recolhidas pelo jornal Hipersuper, um aumento do IVA em 10 pontos percentuais, o que significaria a passagem de 13 para 23%, implicará um aumento de 8,8% no preço final, caso o aumento for totalmente transposto para o consumidor, acrescentando o responsável da Aveleda que além do aumento do preço, “as vendas deverão cair 14,6%”.

E a Adega Ervideira coloca a questão da seguinte forma: “Em 1999, a Ervideira vendia o seu vinho Vinha D’Ervideira, por 980 escudos (4,90€), com uma determinada margem de descontos e sem fazer promoções. Em 2011, ou seja, 12 anos depois, a Ervideira vende este mesmo vinho, (apenas de colheita diferente), por 4,80€ (mais barato que antes), mas os descontos duplicaram, bem como passou a ter que fazer algumas promoções”. Por isso, diz Duarte Leal da Costa, “não vejo qualquer hipótese que não seja mexer nos preços e de reflectir os aumentos no consumidor final”.

Mas além dos previsíveis aumentos de preço na distribuição e restauração e quebra do consumo, também a transferência desse mesmo consumo para outras bebidas ou para vinhos [bem] mais baratos preocupa os profissionais do sector.

Sabendo que o vinho sofre um “ataque” de outras bebidas, essencialmente não alcoólicas, o fenómeno de transferência poderá, na opinião do CEO da Adega de Borba ser “mais alavancado com o aumento do preço do vinho”, colocando Martim Guedes como outra possibilidade a transferência não para bebidas como a água ou cerveja, mas para, principalmente entre os mais jovens, bebidas com 40 graus de álcool.

Os padrões de consumo são, contudo, destacado por Cláudia Portugal que refere que estes estão a sofrer “grandes alterações” e que” certamente continuarão a dar-se em face de tudo o que se conhece, e ainda – e sobretudo – em face do que não se conhece, e da incerteza permanente em que continuamos a mover-nos”. Assim, acreditando que a grande maioria dos consumidores de vinho não deixará de consumir vinho, a responsável da PrimeDrinks salienta que é sobretudo no repertório de marcas que se registe a maior alteração, fazendo o consumidor optar por ofertas de menor preço e/ou qualidade inferior. Ou seja, além da natural perda por transferência, “o downgrade do sector é inevitável”.

Mais optimista está Paulo Medina que acredita que o consumidor continue a manter-se fiel ao vinho, considerando que este é “um bem de primeira necessidade para quem o consome regularmente”. Por isso, ainda que venham a existir aumentos de impostos, o responsável pelo Marketing e Vendas da Aliança crês que “continuarão a estar disponíveis vinhos no mercado aos preços que o consumidor definiu mentalmente como preço máximo a pagar por este produto”.

A morte dos pequenos?
Dentro do sector do vinho – tal como em muitos outros sectores – há os chamados grandes e os pequenos. Ora, se para as grandes companhias a actuar no mercado nacional e internacional, esta possível medida do Governo irá criar dificuldades acrescidas num sector cada vez mais competitivo não só pela concorrência interna, mas também externa, o que acontecerá aos mais pequenos? Significará isto o fim dos produtores de menor dimensão em Portugal? José Pinto Gaspar, presidente da CVR Tejo, admite que poderá ser o “fim não só de pequenos produtores como também dos de maior dimensão cuja actividade esteja essencialmente canalizada para o mercado nacional”, opinião que é corroborada pela Adega Cooperativa de Portalegre que acrescenta a esse rol “as empresas que têm grandes investimentos e com marcas ainda sem notoriedade”.

A “machadada final” a que o director-geral da Adega Ervideira faz referência é justificada por Martim Guedes com ao facto de “a banca estar a cortar o financiamento a muitas pequenas empresas deste sector”, o que dificultará a sua sobrevivência, levando a que algumas entrem “inevitavelmente em insolvência”.

Para o presidente da CVRVV o fim não será tanto os pequenos produtores, mas para as “médias empresas e cooperativas, que têm necessidade de fazer volumes e porém têm marcas menos fortes, estão mais expostas ao preço e estão já a sofrer muito nas margens e no acesso ao crédito”. Quanto aos pequenos produtores, Manuel Pinheiro não tem dúvidas: “o vinho vendido à porta e na vizinhança será sem factura” Assim, “o Estado passa a dar um prémio de 23% a quem vender sem factura!”.

A ajuda do vinho
Mas se todos os portugueses estão a ajudar Portugal a [tentar] sair da actual conjuntura, se as empresas estatais e privadas foram chamadas para darem o seu contributo para que o País vença o seu deficit e melhore o seu PIB, o que poderá a fileira do vinho fazer? Pedro Guerreiro, director de Marketing da José Maria Vieira, salienta que “o sector do vinho contribui para as exportações com mais de 600 milhões de euros, como embaixador de Portugal, tem um potencial de crescimento comercial importante se Portugal souber investir bem nas áreas de promoção e I&D nos próximos anos”. Assim, mais do que ajudas para sair da crise, o responsável da companhia que detém marcas como os Vinhos Borges e Gatão, refere que são “sobretudo ajudas que não implicam a depressão do sector”.

Mas é palavra “exportação” que todos os profissionais ouvidos pelo Hipersuper destacam, destacando o presidente da CVR Tejo que o sector do vinho “é dos que mais tem contribuído para a balança comercial através do crescimento sólido nas exportações. Por outro lado, o valor acrescentado no sector do vinho é dos mais elevados, uma vez que não incorpora produtos importados. Essa mais-valia crescente das exportações será a comparticipação do sector do vinho”.

Martim Guedes reforça a ideia da exportação com a criação de postos de trabalho e procura interna de matérias-primas. “Numa altura em que se pretende dinamizar a agricultura é relevante ter um sector dinâmico (e financeiramente saudável) para ser uma referência para a agricultura nacional. Hoje, o vinho é dos poucos produtos agrícolas que, em Portugal, é auto-suficiente e exportador líquido. Nas frutas, legumes, cereais e carnes, a nossa balança comercial é cada vez mais deficitária. Sem dinamizar a sua agricultura, Portugal fica sem recursos essenciais e totalmente dependente do exterior”.

Em conclusão, há que dar força às palavras de Messias Batista: “exportar, exportar, exportar”.

 

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