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“A Staples não vai sair de Portugal”, Carlos Maia, Director-geral da Staples

Por a 16 de Setembro de 2011 as 16:39

A Staples iniciou recentemente o período de maior relevância para as suas contas. É de Setembro a finais de Janeiro que a multinacional tem o seu pico de vendas. Na entrevista ao director-geral da Staples Portugal, Carlos Maia, o Hipersuper não se ficou pela performance neste período e questionou directamente o responsável pela operação no nosso País e sobre uma possível saída de Portugal. A resposta, apesar do congelamento do investimento em cerca de 100 milhões de euros, significando a não abertura de 15 lojas, foi o mais directa possível: “não vamos sair de Portugal”.

Hipersuper (H): Estamos em pleno “Regresso às Aulas”. Como têm estado a correr as vendas?
Carlos Maia (C.M.): Está a correr dentro do esperado, embora o “Regresso às Aulas” se tenha estendido um pouco mais comparativamente ao ano passado, com as aulas a começaram uma semana mais cedo. Em termos globais, e tendo em conta facturação e número de clientes que têm vindo às nossas lojas, estamos muito idênticos ao ano passado. Quanto ao peso deste período na facturação, esta altura é muito importante para nós, representando cerca de 10% do valor de negócios anual. O core do nosso negócio é vivido entre Setembro e Janeiro.

H: Portanto, o final do ano é o período fulcral para a Staples?
C.M.: Sim, são os dois últimos trimestres. São seis meses em que temos o “Regresso às Aulas”, temos o “Regresso ao Escritório”, altura em que as empresas regressam em força ao trabalho, as vendas de Natal, época de consumo por excelência e onde a área tecnológica tem uma importância determinante, depois ainda temos o Janeiro [o ano fiscal da Staples termina a 31 de Janeiro], altura de renovação do economato e estacionário.

H: Que consequências tem tido a actual conjuntura no comportamento do consumidor privado?
C.M.: Tem sido de clara contenção, quer do consumidor privado quer empresarial.

H: Mais um do que o outro?
C.M.: Não, ambos, porventura na mesma proporção. Os clientes privados vão para dentro das lojas claramente com um budget e é dentro dele que vão negociando o package de necessidades com os filhos, mas nunca ultrapassando esse valor.

H: Antigamente não era assim?
C.M.: Não, não era de todo.

H: Mas esse antigamente, é recuar quanto tempo?
C.M.: O fenómeno do budget é recente, deste ano. Mas desde 2008/2009 que há alguma contenção. Este ano, no entanto, há contenção do ponto de vista do budget, da procura pelo mais barato, ou seja marca própria, tal como o low-price. Digamos que o package de 10 euros que criámos é o “campeão de vendas”. Portanto, é tentar gastar o mínimo possível nas necessidades escolares das crianças e adolescentes. Nas empresas, é exactamente igual: muita contenção. No Estado, onde estamos com o negócio das grandes contas, o mesmo: contenção. Ou seja, quer no segmento profissional quer no particular, assistimos a uma época de grande contenção do consumo.

H: E dentro da loja existem produtos mais penalizados que outros por causa desta conjuntura de crise vivida pelos consumidores?
C.M.: Sim, a tecnologia é bastante penalizada. Tudo o que seja bens duradouros são mais penalizados que os bens correntes. Nos consumíveis, por exemplo, tinteiros, toners, papel, a penalização não é tão grande. Situação contrária é vivida nos PC’s, impressoras, portáteis, etc., aí nota-se mais. Nós temos tido alguma sorte, ou temos feito por isso, já que o mercado tem caído, em acumulado no primeiro semestre, cerca de 10% e nós crescemos vendas. Temos ganho quota de mercado, temos categorias com quotas muito interessantes como, por exemplo, nas pastas de arquivo onde atingimos os 50% ou papel com cerca de 37%. No entanto, a quota de mercado que temos vindo a ganhar não compensa a ausência da venda média das nossas lojas. Tem havido alguma deflação, nomeadamente na área da tecnologia. Hoje em dia compra-se um portátil por 299 euros e há três anos compraria por 600 euros.

H: Recentemente, lançaram o folheto de “Regresso às Aulas”, seguido do catálogo para “Empresas e Profissionais”. Que importância têm estas iniciativas?
C.M.: Estamos a falar de dois públicos diferentes. No primeiro caso, falamos de mais de 3 milhões de folhetos distribuídos porta a porta, na imprensa, etc., enquanto no segundo caso falamos de um catálogo distribuído apenas para clientes empresas, muito direccionado. Não podemos esquecer que a Staples actua em dois canais diferentes, o retalho, que vale 90% do nosso negócio, e o online que utilizamos para venda através do nosso call center e do nosso site. Além disso, concorremos à Agência Nacional de Compras Públicas e ganhámos esse concurso. Por isso, além desses dois canais, seremos ainda fornecedores oficiais do Estado nos próximos dois anos.

H: Em relação ao canal online, o português compra cada vez mais online?
C.M.: Mais sim, mas continua a ser muito pouco. O consumidor português não compra online. Visita muito online, mas não reverte essa visita para compra. Ou seja, visita online e vai à loja comprar. A Staples Portugal, em termos comparativos com outros países europeus onde actuamos (19), no ranking do número de visitas ao nosso site estará a meio da tabela, mas quanto ao reverter essa visita em compra, está no último lugar. Mas isso tem a ver com inúmeros factores como, por exemplo, termos um retalho muito forte em Portugal. Em certos países não possuirmos retalho físico e aí as vendas estão canalizados somente para o online. Mas também há a falta de apetência do cliente do Sul e de Portugal, em particular, para a compra online. Existe ainda uma grande desconfiança.

H: Mas pretendem aumentar as vendas no online?
C.M.: Sim, claramente. A Staples é o segundo maior operador de vendas online a nível mundial, a seguir à Amazon. As vendas online representam, hoje em dia no universo Staples, 65% do total de volume de negócios. É claramente um objectivo potenciarmos a vendas no online, até porque a empresa é cada vez mais uma empresa com know-how nas vendas à distância, porque é aí que está a crescer e que faz o grande volume de negócios, onde está a adquirir empresas, onde está a investir. Nós em Portugal, naturalmente, que não estamos satisfeitos com os 10% de vendas no online e estamos a fazer todos os esforços para aumentar as vendas nesse canal.

H: Como?
C.M.: Investindo em tecnologia, pessoas, comunicação, credibilidade, serviço, logística. É muito importante que no online se cumpa aquilo que se promete. Nós temos uma promessa muito importante a cumprir: se um cliente efectuar uma encomenda até às 16.00 horas, entregamos essa encomenda em 24 horas. Esta confiança não pode ser quebrada. Nós até anunciarmos as entregas em 24 horas, demorámos três anos. Ou seja, demorámos três anos a afinar a máquina para poder comunicar este serviço. Tivemos quase um ano a fazer entregas em 24 horas e a anunciar 72 horas e só o fizemos depois de termos a certeza que o nível de serviço era superior a 90%. Aliás, estamos cá há 15 anos, a empresa é especialista em grandes contas e só começámos com esse negócio o ano passado, porque só aí é que tivemos as condições humanas, logísticas, de know-how para começar esse negócio e fazê-lo bem feito.

H: Os dados da APED revelam que, comparando 2010 com 2009, o mercado caiu 0,4%, com a electrónica de consumo a subir 3,3%, a informática a cair 11,8% e as telecomunicações a descer 11,4%. Como está actualmente?
C.M.: Como referi, o mercado (papelaria, material de escritório, comunicações, informática, software), neste primeiro semestre, caiu 10%. Nós aumentámos a nossa quota de mercado, embora as nossas vendas sejam muito perto do flat. Em termos globais a companhia cresceu 5,2%, nós contribuímos para esse crescimento, mas muito próximo do flat e será assim quem muito provavelmente terminaremos o ano.

H: Mas a que se deve esta performance: mercado a decrescer 10% e Staples a crescer? Estão a trabalhar melhor que a concorrência?
C.M.: Costumo dizer que colhemos o que semeamos. Olhando para os números e interpretando-os, se estamos a ganhar quota de mercado de forma consistente, é porque estamos a trabalhar melhor. E ganhamos quota sem abrir lojas. São questões de credibilidade, confiança, inovação, serviço, competitividade. Temos inovado no mercado com o Easy Tech, inaugurado em Novembro de 2010 na loja de Sintra ou com o centro de cópias e de produção, em que estamos a crescer a dois dígitos. Inovámos online, com a criação de micro-sites específicos para determinados segmentos, com os professores, onde já temos mais de 20.000 professores associados, as certificações ambiental, de processo a que nos sujeitamos. Tudo isto faz com que a empresa fique mais forte, mais consistente e mais preparada para os tempos que se avizinham.

H: E em relação aos tempos que se avizinham a Staples redefiniu, de alguma forma, a sua estratégia?
C.M.: A redefinição que houve não aconteceu este ano, mas si no ano passado, com o congelamento do investimento. A última loja que abrimos foi o ano passado em Novembro (Sintra), que já estava prevista. Decidimos não avançar com o crescimento no mercado português no retalho. No restante, não houve alterações significativas.

H: Mas quando diz que pararam o investimento, quer dizer que a verba que estava alocada a Portugal foi distribuída para outros países e que a operação portuguesa já não tem acesso a essa verba?
C.M.: A empresa vai gerar cerca de um bilião de dólares de free cash- -flow. Quer dizer, auto-financiamo-nos. É evidente que o investimento não está parado à espera que Portugal avance. Estamos a investir no Brasil, na Índia, na China, na Rússia, e noutros mercados emergentes, bem como na plataforma tecnológica para suporte da Web. Em Portugal, a Staples possui 15 terrenos para lojas. Os terrenos existem e como não somos uma empresa de real estate, quando for altura, iremos usá-los. Não temos intenção nenhuma de vendê-los nem no curto nem médio prazo.

H: Não acredita, portanto, numa recuperação para breve?
C.M.: Não, até 2013 não temos condições para pensar que as coisas vão melhorar ao nível do consumo. Porque a questão aqui é a do consumo. Houve um travão fortíssimo do consumo, por causa de todas as medidas que foram anunciadas. E o consumo é um factor determinante para uma empresa como a nossa.

H: Mas as previsões apontam para que 2012 seja ainda pior que 2011?
C.M.: Todos tememos isso. Por isso, está fora de questão qualquer investimento.

H: Mas falou que o investimento estará congelado no retalho?
C.M.: Sim, no retalho e em novas lojas, porque a Staples vai investir na remodelação das suas lojas. Vamos investir no Easy Tech, numa nova forma de dispor o mobiliário, na comunicação e sinalética no ponto de venda. Portanto, nós vamos continuar a investir nas lojas existentes.

H: Quer dizer que, com esse investimento, embora reduzido, a Staples não está a pensar em sair de Portugal como recentemente foi notícia?
C.M.: Eu nunca disse que a Staples ia sair de Portugal. O que disse foi que, em tese, se não existir emprego em Portugal, vai ter de emigrar. Isto aplica-se à vida pessoal/profissional como à empresarial. Nas empresas acontece o mesmo. Não há negócios, não há consumo, emigra-se.

H: Mas uma empresa que não dá prejuízo, que dá lucro, sai de um mercado como o português?
C.M.: A Staples não vai sair de Portugal, desde que existam condições de consumo que permitam manter uma empresa de distribuição. O Electric Co da Jerónimo Martins fechou porquê? O Carrefour foi adquirido pela Sonae porquê? A Plus foi vendida à JM porquê? A Media Markt fechou os escritórios em Portugal e despediu 90 pessoas porquê? Porque as condições de consumo mudaram substancialmente.

H: Mas as previsões para o consumo não são as melhores?
C.M.: Mas no nosso caso, temos vindo a ganhar quota de mercado. A nossa posição no mercado está mais forte. E, portanto, não há nenhuma intenção nem previsão de sairmos de Portugal. Com o posicionamento que temos, muito dificilmente sairemos de Portugal. A não ser que as pessoas, as empresas não comprem papel, não comprem tinteiros e toners, que os estudantes deixem de fazer fotocópias e comprar mochilas, que as pessoas trabalhem de pé e não comprem cadeiras ou secretárias. Do ponto de vista de conceito de papelaria, material de escritório e tecnologia e mobiliário num espaço só, o único concorrente (Papelaria Fernandes) que tínhamos, infelizmente desapareceu. Já no online, também não há ninguém que se destaque. Nas grandes contas, existem três ou quatro empresas importantes nossos concorrentes. Com este cenário, não há nenhuma razão para sairmos de Portugal.

H: O interesse demonstrado pelas lojas da Papelaria Fernandes e dada a actual conjuntura, está, de alguma forma, aliviado de não as ter comprado?
C.M.: Tenho de lhe responder enquanto português e não enquanto director-geral da Staples. Sinto-me triste por não termos adquirido as lojas da Papelaria Fernandes, porque se as tivéssemos adquirido, o nome Papelaria Fernandes manter-se-ia. De certeza que conseguiríamos rentabilizar esses espaços, mudando, naturalmente, o tipo de oferta, actualizando-a. Por isso, do ponto de vista empresarial, também tenho pena que o negócio não se tenha concretizado.

H: Acredita que possa existir mais algum player a sair de Portugal?
C.M.: Não tenho nenhuma dúvida. Até 2013 ou 2014 vamos assistir a fechos e/ou a saídas de players dentro dos que compõem o universo da APED e são sensivelmente 100. O último exemplo foi o caso da Electric Co de um grupo fortíssimo como é a JerónimoMartins que, se juntarmos a operação na Polónia, é o maior retalhista português. Veja-se, como já referi, o que aconteceu com a Media Markt que é, simplesmente, o líder europeu do mercado da electrónica, com o Carrefour há tempos ou com a Conforama agora mais recentemente. Não é de todo surpresa se continuarmos a ver saídas e abandonos do mercado português.

H: Sendo a Staples uma multinacional norte-americana, que imagem, perguntas, preocupações, dúvidas sente da parte dos seus congéneres de outros países?
C.M.: Uma das questões que mais me marcou foi quando tive com o fundador da Staples, Tom Stemberg, numa reunião e me perguntou “o que é que o teu Governo anda a fazer?”. Essa foi a pergunta que mais me marcou e penso que, de uma forma geral, o que acontece quer nos EUA quer no centro da Europa, não acreditam, existe uma certa descrença e desconfiança em relação à nossa capacidade para sair da situação em que nos encontramos.

H: Mas porquê essa desconfiança e dúvida?
C.M.: Tem a ver com o que vêem. Recordo-me de uma visita de dois membros do Board não executivo por volta do Euro 2004, em que passei na 2.ª Circular e viram de um lado o Estádio da Luz e do outro o Estádio e Alvalade XXI diz um para o outro: “estão a construir aqui estádios”, perguntando-me para que eram. Eu disse que eram estádios de futebol. A resposta que um dos visitantes deu ao outro foi: “pois isto [este tipo de investimentos] depende das prioridades de cada país”. Sabem que nós devemos dinheiro e que quando visitam Portugal vêem os restaurantes de luxo continuam cheios, carros de luxo por todo o lado, e, portanto, há qualquer coisa que para eles não bate certo. Isto leva-os a uma postura de desconfiança e a algum cepticismo em relação à nossa capacidade de trabalhar e de sermos eficientes, rigorosos e de, no fundo, cumprir aquilo que prometemos.

 

A Staples Portugal
• A Staples Portugal inicia a sua actividade em 1996, com a designação social de OFCEP – Office Centre Portugal, fazendo parte do projecto de expansão do grupo holandês SHV e também do grupo alemão Metro
• Em 1999, o Office Centre foi adquirido pela Staples, passando a designar-se Staples Office Centre
• Em 2003, foi inaugurado o Contact Center para dar apoio às vendas por Catálogo e Internet
• Em 2008, a Staples decidiu uniformizar a sua designação abandonando a designação Office Centre e inaugurou em Dezembro, em Almada, a 1.ª loja com a imagem 100% Staples
• Canais de distribuição: Retalho, Direct (Catálogo e Internet) e Gestão Personalizada de Economato
• Número de Lojas: 35
• Número de Colaboradores: 1.000
• Número de Produtos de Marca Própria: 2.000
• Número de Produtos em cada loja: 10.000
• Número de Produtos oferecidos online: 15.000
• Número de Produtos catálogo: 15.000
• Áreas de vendas total: 59.000 m2

 

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