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Entrevista a Rui Freire, Director de Marketing da Unicer

Por a 9 de Junho de 2011 as 11:46

“Há dificuldade para as mulheres aderirem a produtos com base cervejeira”

O novo produto que a Unicer lança no mercado tem um alvo específico: as mulheres. Trata-se não de uma cerveja, mas de uma bebidas que, porventura, até poderá ser exportada pela companhia de Leça do Balio.

Hipersuper (H): A Unicer lançou recentemente a Somersby, uma sidra com uma pequena percentagem de álcool (4,7%). Porquê este lançamento, sabendo-se que o mercado nacional não é, tradicionalmente, fã desta bebida?
Rui Freire (R.F.): A sidra, enquanto categoria, não tem, de facto, tido boas experiências de sucesso no mercado português. Mas Somersby tem um perfil de produto completamente diferente de uma sidra tradicional. A sidra tradicional tem, por norma, um pendor vínico, e esta formulação de Somersby gera um produto completamente diferente, muito mais refrescante, com um pendor mais acentuado na fruta e, por isso, não é minimamente confundível com as sidras tradicionais. A razão de ser do lançamento de Somersby está relacionada, em primeiro lugar, com uma excelente performance deste produto/conceito noutros mercados europeus, nomeadamente no Norte da Europa, e com o facto do mercado das cervejas estar em queda e dificilmente antevermos uma dinâmica de crescimento nos próximos anos possa ter.

H: Mas a cerveja já não “atrai” consumidores”?
R.F.: É um facto que o mercado das cervejas tem tido alguma incapacidade de atrair consumidores e alargar a penetração da categoria, nomeadamente, para o universo feminino.

H: Mas as cervejas têm sido, ao longo dos últimos anos, o mercado com mais lançamentos, inovações, novidades. E mesmo assim não conseguem atrair os consumidores que agora pretendem com Somersby?
R.F.: Não, são drivers completamente diferentes. As propostas de produto que têm sido lançadas nas cervejas têm contribuído para essa imagem dinâmica e inovadora da categoria, mas continuamos a ter um handicap forte no segmento feminino. Há dificuldade para as mulheres aderirem a produtos com base cervejeira. Somersby é precisamente o contrário e pretende ser, particularmente, apelativo para o universo feminino.

H: Por que não lançar este novo produto com marca Super Bock?
R.F.: Este é um posicionamento internacional e Somersby tem ambições de marca global. Testámos o conceito e validámo-lo em termos de atractividade para o consumidor português. Naturalmente, que são aproveitadas economias de escala que são criadas a nível internacional.

H: Em poucos dias lançam dois produtos com um público-alvo bem vincado? Super Bock Classic para “homens de barba rija” e agora Somersby para o universo feminino.
R.F.: Sim, dois lançamentos com posicionamentos completamente distintos. Estes dois lançamentos são, aliás, duas perspectivas diferentes de lançar produto e fazê-lo chegar ao consumidor: Super Bock Classic vive de uma marca umbrella fortíssima e temos uma estratégia agressiva de entrada no mercado, com forte investimento above the line, comunicação, estratégia de distribuição massiva e, portanto, trata-se de um lançamento mais em linha com o que é tradicional na Super Bock. Já Somersby terá uma lógica de entrada no mercado completamente diferente. Será selectiva e vamos tentar criar uma moda, uma vez tratar-se de uma bebida trendy. O apelo de Somersby crescerá proporcionalmente à capacidade que exista de passar esses valores trendiness, produto de moda, vanguardista e experimentalista.

H: Somersby é para o canal …?
R.F.: Assumidamente Horeca. É um produto que deverá estar virado para momentos e ocasiões muito bem marcados. Não é um produto que acompanhe uma refeição.

H: Este é um produto que se esgota neste Verão?
R.F.: Não, apesar de ser um produto com uma sazonalidade acentuada. Mas respondendo directamente à pergunta, não, não se esgota no Verão. Queremos criar um word of mouth durante este primeiro ano, de modo a poder, em função dos resultados, fazer um roll-out.

H: Temem alguma transferência de consumidores para Somersby?
R.F.: Os heavy-consumers de cerveja manter-se-ão fieis à cerveja. Nos light-consumers, para os quais a cerveja faz parte apenas de um pequeno portfólio de bebidas, poderá haver alguma canibalização. Assim, não esperamos uma canibalização forte no consumo total de cerveja, haverá sim um aumento do share of throat dentro daquilo que são os light-users de cerveja.

H: O mercado da cerveja tem sido caracterizado pelo dinamismo ao nível de lançamentos, novidades, inovações. Tem de ser por aí que uma cervejeira terá de marcar a diferença? No fundo, o consumidor quer é, simplesmente, uma cerveja?
R.F.: A inovação nas diferentes categorias tem a ver com o nível de sofisticação do próprio produto e com o nível de conhecimento e interesse que consigamos despertar no consumidor. Uma estratégia de inovação muitas vezes é dirigida pelo objectivo de acrescentar um nível de exigência junto do consumidor e evitar que uma categoria seja commoditizada. Nesse sentido, a inovação na cerveja tem contribuído para esse papel que é acrescentar sempre novidade, defendendo sempre o equity da marca. A marca Super Bock é uma marca com um equity muito forte junto do consumidor e para essa equity tem contribuído a capacidade para surpreender e inovar, não se limitando a novos produtos, podendo passar, inclusivamente, pela comunicação, packaging, novas ocasiões de consumo, etc.. Mas há, de facto, um limite para a inovação e a partir do qual a equity da marca poderá ser negativamente afectado. Se reparar na recente inovação da Super Bock, o objectivo é, precisamente, recentrar o equity da marca num carácter mais cervejeiro. Sentimos e verificámos que na categoria de cerveja como um todo, estavam a surgir propostas demasiado longe do core value da categoria.

H: Então o consumidor não queria tanta inovação e diversificação?
R.F.: O consumidor queria e experimentava, mas depois abandonava. E esse é um modelo de inovação que não queremos. Na Super Bock queremos lançar inovação que fica e não que venda durante seis meses e que depois deixa de existir, tornando-se irrelevante. Queremos inovação focada, que acrescente valor e que seja relevante para o consumidor.

H: E como está o consumidor de cerveja na actual conjuntura?
R.F.: O mercado registou uma inversão no último mês. Desde Setembro 2010 que o mercado está a cair e, segundo as nossas estimativas, o mercado deverá cair entre 3 a 5% em 2011. Curiosamente, no último mês houve uma inversão, com uma ligeira recuperação de mercado, mas não é uma inversão que nos permita antecipar que vá durar até ao final do ano. Mas devido à sazonalidade deste mercado, muito depende do que serão estes próximos meses. É aí que se fazem 50% das vendas do ano e é absolutamente crítico para saber o que vai ser a globalidade do ano.

H: Este é um mercado onde as Marcas da Distribuição (MdD) não entram?
R.F.: Preocupa-nos o risco da perda de valor da categoria de cervejas. Aí terão de ser as marcas a desempenhar o seu papel e fazer crescer o valor da categoria. À medida que se acrescenta valor e diferenciação, critérios de exigência para a categoria, aumenta a capacidade de preferência pelas nossas marcas. A Classic desempenha esse papel. Ou seja, poderá perguntar com que propósito é que se lança um produto com um posicionamento ligeiramente superior numa altura de recessão? Tem precisamente a ver com isto, com a capacidade que as marcas têm em puxar o mercado para cima. E o retalho e os clientes reagem bem a isso.

H: E compreendem?
R.F.: Compreendem e querem que o façamos. O retalho quer que as marcas desempenhem o papel de valorização da categoria. É daí que vem a margem e a rentabilidade que para nós enquanto produtores e fornecedores, quer para os retalhistas. Portanto, os nossos clientes compreendem esta estratégia, reagem bem, incentivam-na e ficam satisfeitos com o facto de os estarmos a ajudar.

H: E da parte do consumidor? Acrescentar valor significa preço mais elevado?
R.F.: O consumidor, em ambiente recessivo, tem um comportamento interessante: valoriza as escolhas que faz. Se grande parte das escolhas são racionais e há uma tendência generalizada nos Bens de Grande Consumo para uma deslocação para produtos mais baratos, por outro lado há um movimento contrário caracterizado pelo facto de, cada escolha pró-activa ser feita para se ter uma maior recompensa. Estas propostas de maior valor acrescentado vêm muito ao encontro desse comportamento do consumidor. Em relação à Classic, por exemplo, tínhamos anunciado um objectivo de quota de mercado entre 2 e 3% e na primeira semana alcançámos 3,5%. Tivemos mais de 6% de quota no canal hipermercados. No Horeca, tínhamos definido o objectivo de distribuição de 40% até ao final do ano e terminámos a semana passada com 38%. O que quero dizer é que a apetência existe. O desafio está na capacidade de comunicarmos o valor acrescentado eficazmente. A própria Somersby vem nesse sentido, ou seja, apresentação de um produto de valor acrescentado.

H: Apesar da actual conjuntura, as propostas Premium não têm afastado o consumidor para opções de valor mais baixo?
R.F.: Não. O que acontece em ambiente de recessão é que poderá haver alguma tendência para o esvaziamento do mainstream. Ou seja, o mainstream é, por norma, o segmento mais afectado em períodos recessivos. O próprio crescimento das MdD é um crescimento que existe, que corresponde a uma maior racionalidade no comportamento do shopper. Mas em termos de peso total do mercado, não se pode comparar minimamente o peso dessas marcas com o peso que possuem noutras categorias.

H: Somersby é um produto de aposta exportadora por parte da Unicer?
R.F.: Sim. Cada vez mais na Unicer seguimos três pontos na estratégia de inovação: a primeira condição é que a inovação acrescente, de facto, valor à companhia, aos nossos clientes e consumidores; a segunda, que seja uma inovação com apoio continuado, não queremos ter inovação de “toca e foge”; e, por último, uma inovação que tenha potencial de internacionalização. Da conjugação destes três elementos nascerá uma estratégia de inovação muito consolidada e sustentada.

H: Ao longo destes últimos três a quatro anos houve muito desse investimento “toca e foge” por parte da indústria cervejeira nacional?
R.F.: Sim, houve. Há opções estratégicas que passam por lançamento de produtos sazonais, que nascem com esse objectivo. Outra coisa, é, de facto, inovar por inovar, de uma forma superficial e pouco consciente. Diria que continuam a surgir algumas propostas no mercado com essas características. Nós não queremos fazer isso. Queremos cada vez mais sustentar a inovação.

H: Voltando à exportação, quais os mercados potenciais de Somersby?
R.F.: A exportação de Somersby por parte da Unicer só acontecerá para mercados onde a Carlsberg não possui operações directamente. Angola é assumidamente um mercado prioritário para a Unicer.

H: O mercado português é dominado por duas empresas. O facto de não existirem mais players no mercado, de alguma forma, penaliza as empresas? O mercado, dividido por mais players, poderia ser diferente?
R.F.: A estrutura do mercado implica e leva a actuações diferentes por parte das empresas. No entanto, não vejo a divisão actual do mercado como um obstáculo à inovação. Poderíamos dizer que um mercado concentrado em dois grandes operadores tenderá a ser pouco dinâmico ou inovador. Isso não acontece, pelo contrário. Tem-se visto que se trata de um mercado e categoria particularmente inovadora. O que acontece é que o facto de haver esta disputa entre dois grandes operadores pode levar a alguma falta de racionalidade, no sentido de inverter a importância dos indicadores de performance. Nomeadamente, levou a uma disputa exagerada por posições de quota de mercado, o que não traduz a saúde de uma marca. Isso aconteceu e felizmente estamos numa fase em que o mais importante indicador de saúde da empresa são os resultados que geram. Quando uma busca por quota de mercado começa a conduzir a uma perda de valor da empresa e consequente perda de resultados, algo está mal. O objectivo é gerar valor, continuar a distribuir dividendo aos accionistas, gerar resultados, ter uma boa saúde financeira e diminuir o valor da dívida.

H: Como vê a performance da Unicer no futuro próximo, nomeadamente, no Verão que se aproxima?
R.F.: O Verão é a nossa praia. É neste período que se decide o mercado. Super Bock sempre foi uma marca fortemente associada ao Verão, em conjunto com a música e o futebol que estamos a construir agora. Por isso, temos programada uma intensidade de acções durante este período com o objectivo de comunicar não para o consumidor, mas com o consumidor.

 

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