Não Alimentar

Estratégias de combate às marcas de distribuição

Por a 20 de Novembro de 2009 as 5:39

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Central de Cervejas, Delta, Galp e Lactogal sobressaíram no programa do 8.º Seminário Reflexão Estratégica da Centromarca ao comentarem as estratégias empregues para travar o avanço das marcas de distribuição.

Marcas próprias poderia indiciar que as nossas são impróprias. E marca branca poderia indiciar que o distribuidor não a podia pintar de preto”, graceja Alberto da Ponte, CEO da Sociedade Central de Cervejas e Bebidas (SCC), para justificar uma opção: “Por isso, prefiro marcas de distribuição.” À medida que as quotas de mercado se alteram, também os conceitos e designações se modificam. Mas independentemente da terminologia, a realidade é que as marcas das insígnias de distribuição (MDD) competem com as marcas dos fabricantes. Nas águas lisas, Alberto da Ponte adianta que já alcançaram 52% do mercado.

Mais contido, José Passinhas, administrador da Lactogal, não avança números mas constata o espaço agora ocupado pelas marcas brancas na cadeia de valor. E encara a situação com “preocupação”, derivada do “aumento brutal da intensidade e complexidade concorrencial entre marcas”.

O panorama alterou-se radicalmente nos anos recentes.

“Passámos do tempo em que as nossas marcas competiam directamente com marcas de outros fabricantes para concorrer com marcas dos nossos clientes”, caracteriza José Passinhas. No caso do portfólio da Lactogal, o administrador reconhece que “todas as categorias no sector dos lácteos sofrem a pressão das marcas brancas”.

Surpreendido de que os iogurtes sejam uma categoria onde a penetração das MDD se tenha acentuado, deixa um alerta à navegação: “A gestão de uma categoria por parte das marcas tem de ter um alcance profundo, nunca perdendo a dimensão estratégica. Quando funcionalizamos demasiado o produto, e quando seguimos certas tendências ou modas, estamos também a abrir possibilidades de que se possa fazer a comparação e o factor preço seja a chave determinante da opção de compra”.

“Concorrência desleal?” “Conceptualizar a ideia da deslealdade daria pano para mangas”, defende José Passinhas. “Parece-me redutor englobar no conceito de marca branca as marcas das distintas insígnias, que são elas mesmas competidoras entre si, competindo também com as nossas marcas comerciais.” O parceiro de painel Alberto da Ponte vai mais longe defendendo o direito à existência das marcas de distribuição, mas alertando para a proibição do fabrico de “look a likes”.

Legislação pouco protectora
O registo de patentes surge como um caminho. Mas em Portugal, esta é uma estrada ainda por alcatroar. O responsável da Lactogal aponta o nosso País como estando na cauda da União Europeia em termos de registos efectuados. “Temos de perceber como funciona o registo de uma patente, de algo que pode ser verdadeiramente inovador e não apropriável.” O gestor da SCC mostra-se mais céptico neste aspecto: “A legislação não favorece muito o registo. Está ainda imbuída numa Lei da Concorrência que data dos anos 80 e que terá de ser revista. Se não houver mecanismos legais que protejam a inovação de uma marca, não há, de facto, maneira de proibir que a cópia seja feita”.

Neste capítulo, o painel matinal do seminário, subordinado ao tema “Regras de Concorrência para o funcionamento eficiente do Mercado”, que contou com a participação de advogados e economistas, demonstrou que, em termos de legislação, a procissão ainda vai no adro. O jurisconsulto Carlos Botelho Moniz defendeu mesmo a necessidade de “pôr termo à ‘bagunça’ existente nos sistemas processuais e ao emaranhado de legislação”.

Isabel Calado, directora de marketing da Galp, também interveniente no painel “Grandes Marcas, diferença e mais-valia”, define como “agressiva, quase intrusiva” a entrada das marcas de distribuição no sector dos combustíveis. “Num contexto económico complicado, onde a variável de preço assume um peso que antes não tinha, é óbvio que começámos a sofrer.” O combate a esta concorrência começa, desde logo, na diferenciação do produto vendido nos postos da Galp daquele que é vendido na distribuição. “Mas não chega”, reconhece a profissional. Daí que a empresa tenha criado várias mecânicas promocionais, com vista a criar “rotinas adicionais” que incitem o consumidor a deslocar-se aos postos da marca.

O terreno de paixões é devidamente conhecido por Alberto da Ponte no sector das cervejas, onde a penetração das MDD está dificultada pelo facto de 90% do mercado estar concentrado nas marcas Sagres e Super Bock. Porquê? “Porque investem em comunicação, em inovação, em diferenciação… Investem na conexão constante com o seu consumidor e, portanto, criaram uma relação de empatia, de amizade, quase de amor, que é difícil ser substituída pela marca própria.” José Passinhas corrobora a ideia: “A componente afectiva, da relação emocional existente entre o consumidor e uma marca, é que cria a intangibilidade que caracteriza as grandes marcas.”

Rui Miguel Nabeiro, administrador da Delta Cafés, mostra-se sintonizado. A liderança no mercado Horeca – equivale a 80% das vendas da Delta – faz com que a marca esteja presente no “quotidiano” de quase todos os consumidores. A estratégia passou por capitalizar esta relação de proximidade, utilizando a mesma marca para o consumo dentro do lar, área onde as marcas de distribuição já equivalem a mais de 20% das vendas de café. “Na altura da decisão sobre o café a consumir no lar, as pessoas querem repetir a experiência que têm fora de casa.”

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Sobrecapacidade produtiva

Sentados lado a lado, os responsáveis da Lactogal e da SCC convergiram na análise duma das razões base que levou ao crescimento das marcas brancas: a sobrecapacidade de produção instalada. Como refere José Passinhas, a situação revela-se um terreno fértil para que as empresas aceitem produzir para as marcas de distribuição.

Concretamente no mercado das águas, Alberto da Ponte anuncia existirem empresas “a vender água com a corda na garganta para o cash flow e não para a conta de exploração”.

Coloca-se aqui, segundo os dois gestores, uma decisão estratégica. E talvez até de não retorno. Alberto da Ponte sintetiza o lado pragmático do ponto de vista do fabricante, compreendendo a aparição do pensamento “Se não for eu, alguém o vai fazer por mim. Mal por mal, que venha algum dinheiro para o nosso lado”. E confessa que na SCC este é um assunto recorrente aquando das reflexões estratégicas. A decisão acarreta riscos, sendo por isso necessário medir bem todas as implicações.

Já José Passinhas não mostra grandes dúvidas de que os fabricantes que optaram por produzir marcas próprias acabarão por aprofundar a relação colaborativa que têm com a distribuição. “Seguramente que analisaram todas as variantes e concluíram que é possível compatibilizar o percurso de uma marca comercial com o de uma marca de distribuição.”

Do outro lado da bancada estava Rui Miguel Nabeiro.

Concorda desde logo com a vertente estratégica da questão. Que no caso da Delta foi afirmativa (e ainda sem arrependimentos) em relação a produzir para terceiros.

“Decidimos criar uma unidade que se orienta para procurar outros negócios. Entrámos em concursos internacionais e neste momento produzimos muito café para fora de Portugal que não é marca Delta. A decisão de fazer outras marcas que não a nossa tem-nos trazido bastantes benefícios a par com a estratégia de internacionalização da marca.”

Segundo o presidente da SCC, nem todos os alvos são apetecíveis. ” As marcas da distribuição só interessam ao distribuidor a partir da altura em que atingem o nível a que chamo de comodização. Por enquanto ninguém vai copiar a Formas Luso. É um produto ainda demasiado nicho.” Um produto decorrente da inovação, cuja importância será reconhecida por todos os presentes. “A inovação dá sustentabilidade a uma marca”, defende Alberto da Ponte, concedendo-lhe por isso papel fundamental por contraponto a uma grande distribuição “sem vocação para inovar”. Na SCC, procura-se atingir o rácio de dez por cento do volume de vendas investido em inovação, ou seja, em produtos com períodos de vida de dois anos ou menos.

“Alguma inovação tem resultado. A Bohemia e a Formas Luso são exemplo disso. Outros são flops. Mas não interessa.

Qualquer desses produtos tem um valor muito importante que é efeito halo sobre a marca.”

Na Lactogal, a inovação é vista como uma das variáveis para acrescentar valor. Outra reside na criatividade adaptada aos novos tempos. “Uma segmentação criativa é fundamental”, avisa José Passinhas. Mas sempre com critério. A mera introdução de um mais produto com um novo ingrediente, que depressa aparece também num produto da concorrência, pode gerar mais equívocos do que mais-valias.

Tendo por exemplo o mercado das tecnologias, Rui Miguel Nabeiro aposta na segmentação e sonha com a customização, embora reconheça dificuldades na existência deste tipo de abordagem no ramo alimentar. “É muito complicado criar propostas à altura de cada consumidor. Mas a ser possível, acredito que o consumidor agradeceria muito que tivéssemos uma proposta individual. Quando for possível explorar este caminho, será isso que faremos.” Paulo Morais

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