Opinião

Porque temos saldos só duas vezes por ano?

Por a 24 de Julho de 2009 as 5:56

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Nos termos do Decreto-Lei n.º 253/86, de 25 de Agosto, a venda em saldo é “toda a venda de bens a retalho em estabelecimentos comerciais praticada em fim de estação, tendo por objectivo a renovação das existências por escoamento acelerado com redução de preços”. A época de saldos é restringida a dois períodos de tempo: 7 de Janeiro a 28 de Fevereiro e 7 de Agosto e 30 de Setembro.

Esta lei tenta regular uma prática comercial tão antiga como o ábaco, designada discriminação de preço: a venda do mesmo produto ou serviço a preços distintos, definidos de acordo com o valor que lhe é atribuído por cada comprador. Exemplos bem conhecidos desta prática são as viagens de avião, os descontos do Cartão Jovem ou as ladies’ nights nas discotecas.

A utilização de vários níveis de preços procura maximizar a receita gerada por segmentos de clientes com níveis distintos de sensibilidade ao preço. Chamar à versão descontada de um produto um “saldo” ou uma “promoção” é uma distinção mais relacionada com gíria de retalho (o preço de um artigo em saldo mantém-se baixo até sair de linha, em promoção o preço pode voltar a subir) do que com a percepção do consumidor.

Muitos sectores de actividade já perceberam que não conseguem servir de forma rentável uma base alargada de clientes praticando um único nível de preço: qualquer bem, seja este um produto ou serviço, de consumo ou industrial, hedónico ou de investimento, terá sempre um valor distinto para cada potencial comprador. O mesmo comprador pode, em diferentes momentos, atribuir valores distintos ao mesmo produto: quanto mais estará um pai zeloso disposto a pagar para ter “aquele” brinquedo para o filho no dia 24 de Dezembro em vez de no dia 26?
A segmentação de preço apresenta benefícios de tal forma evidentes que será seguramente praticada pela generalidade das empresas. E no entanto… um estudo do Banco Central Europeu estima que 65% das empresas portuguesas define o seu preço colocando uma margem (markup) sobre os custos de produção, 13% segue a evolução da concorrência (são price followers) e apenas 23% usa outras regras de marcação de preço.

Vários factores contribuem para a resistência do cost-plus como o modelo predominante de pricing:

• É a forma mais imediata de cobrir os riscos da gestão: ao estabelecer um markup sobre o custo variável que cubra os custos de estrutura e remunere o capital investido à taxa esperada pelo accionista, nenhuma administração pode ser acusada de má gestão financeira;

• É difícil e caro obter informação fiável e actualizada da base de clientes que a permita segmentar com base na sua sensibilidade ao preço. A maioria das empresas não tem também as capacidades e processos para extrair valor dessa informação;

• Existe o receio fundamentado em provocar sentimentos de injustiça distributiva: um comprador que pagou mais do que outro pelo que percebe ser o mesmo produto poderá sentir-se enganado, independentemente de poder vir a obter um maior benefício da sua aquisição;

• Não existe um controlo centralizado dos mecanismos de execução do preço que permita à organização usar de forma consistente modelos de pricing orientados por valor criado para o cliente.

Como justificar então a prática de modelos mais sofisticados de pricing que originam uma maior heterogeneidade de preços de venda e, em consequência, maior esforço de conciliação e menor margem de erro?

A resposta é: o benefício compensa o esforço. Uma colaboração recente da Deloitte com uma multinacional de bens de consumo focada apenas na melhoria da alocação do seu orçamento promocional gerou um aumento de 14% na margem líquida de venda o que, na empresa em questão, representou $10 Milhões anuais. Mantendo as restantes variáveis constantes, a melhoria do preço realizado na venda tem um impacto imediato nos resultados líquidos. Num contexto económico como o actual, em que a procura estagna ou se retrai, como se justifica não explorar novas opções de gestão de preço?
Einstein definiu a insanidade como a realização repetida da mesma acção, esperando de cada vez obter resultados distintos. Talvez seja então altura de procurar mais activamente novas formas de definir, aplicar e controlar o preço de venda. E quem sabe passaremos a ter saldos mais do que duas vezes ao ano…

Sérgio do Monte Lee, Associate Partner, e Pedro Miguel Silva, Manager, da Deloitte

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