Marcas & Patentes

A ilusão dos números

Por a 29 de Maio de 2009 as 5:48

 joao paulo mioludo
Há já algum tempo que não escrevo nestas páginas e, no entanto, tantas mudanças ocorreram entretanto, a começar pelas alterações legislativas que tiveram lugar no passado ano de 2008.

Refiro-me em concreto ao Decreto-Lei nº 143/2008, de 25 de Julho, que alterou significativamente o Código da Propriedade Industrial e que entrou em vigor a 1 de Outubro de 2008, exceptuando no entanto a eliminação da obrigatoriedade de apresentação periódica de Declarações de Intenção de Uso nas marcas registadas, que passou a vigorar logo no dia seguinte ao da publicação do referido Decreto-Lei tal era, aparentemente, a aversão do legislador a esse instituto.

De resto as novidades em termos legislativos podem não ficar por aqui, já que o Acordo de Londres, importante instrumento legislativo de direito internacional vem prever que o titular de uma patente europeia ficará dispensado de providenciar a tradução do texto da patente nos países que forem designados, desde logo, se a língua oficial do país designado for uma das línguas oficiais do Instituto Europeu de Patentes (inglês, francês ou alemão). Naqueles países onde a língua oficial não corresponda a uma das línguas oficiais do Instituto, como é o caso de Portugal, esses países poderão renunciar à tradução desde que a patente europeia se encontre redigida na língua oficial do Instituto que por eles tiver sido escolhida previamente (inglês, francês ou alemão), reservando esses países, em qualquer caso, o direito de exigir tradução das reivindicações para as respectivas línguas oficiais.

Ou seja, se o Governo assim vier a decidir, poderá não ser necessária a tradução para a língua portuguesa dos textos das patentes, incluindo as reivindicações (peça fundamental de uma patente), pelo que o acervo tecnológico que permite aos empresários, à comunidade técnica e científica e ao público em geral aceder ao conhecimento sobre o estado da técnica, não ficará disponível em português.

Ora, se tivermos em conta as recentes posições do Governo português em matéria de propriedade industrial, ao tão badalado programa SIMPLEX que para tudo tem resposta, não será difícil imaginar o que se prepara nesta questão tão importante. Receio bem que, em prol de uma modernidade há tanto anunciada mas que na prática não encontra qualquer efectividade, se opte pelo mais fácil, em detrimento da língua portuguesa, um dos símbolos nacionais com protecção constitucional, bem como do tecido empresarial nacional, onerado que ficará com a necessidade de providenciar as traduções das patentes para apurar do estado da técnica.

Mas sobre estas questões em concreto conto pronunciar-me em próximas ocasiões, já que hoje a minha atenção recai sobre uma notícia relativa ao balanço da propriedade industrial em 2008, recentemente publicada no Portal do Governo.

Nesse balanço merece destaque o título “Pedidos de registo de patentes aumentaram 39% em 2008” e, no desenvolvimento da notícia é possível constatar que “em 2008 os pedidos de registo de Invenções – Patentes e Modelos de Utilidade – cresceram muito significativamente em comparação com os anos anteriores”, tendo sido apresentados 513 pedidos, contra os 368 pedidos que foram apresentados no ano de 2007, concluindo-se a dado passo que se trata “de um aumento relevante, pois este é um dos indicadores que reflecte os resultados das actividades de investigação e desenvolvimento praticadas em Portugal”.

Ora, ou há qualquer coisa que me escapa ou temo que, à semelhança do que se passa em tantos outros sectores da nossa vida económica e social, estamos perante mais um episódio da propaganda governamental que, a propósito de tudo e nada, publica estatísticas e vai iludindo o País com índices cuja relevância é mais aparente que real.

Ninguém está hoje indiferente à difícil situação económica e social que se vive no país, com os índices de crescimento económico mais baixos de há 30 anos a esta parte. Então como explicar este aumento do número de pedidos de patentes nacionais?

Na verdade, a ilusão dos números pode esconder outras realidades. Por exemplo, a notícia (e a estatística), nada nos diz sobre quantos desses pedidos são pedidos provisórios de patentes, portanto que ainda não são pedidos definitivos e não consubstanciam uma realidade inventiva suficiente no momento da apresentação do pedido.

Também nada nos diz sobre quem são os requerentes desses pedidos, se provêm da indústria, das universidades ou de outros pólos técnico-científicos, e isto não é irrelevante, porquanto se tomarmos o exemplo das universidades, há muitos investigadores cujo trabalho técnico e científico pode ser avaliado pelo número de patentes apresentadas a registo, mas sem que as mesmas venham efectivamente a ser concedidas ou objecto de licenciamento.

Depois há outras situações, mais específicas, que convém não esquecer. Por exemplo, a um determinado número de patentes poderá não corresponder o mesmo número de invenções. Há várias patentes que podem ser protegidas para uma mesma invenção, como é o caso do sector farmacêutico onde por vezes, diferentes sais, ésteres ou éteres de uma mesma substância activa (o produto que se obteve com a invenção), podem dar lugar a outras patentes.

Perante a estatística publicada, estaremos de facto a inovar? É que o número de patentes depositadas num país não pode servir como indicador de inovação. O Governo sabe isso e os exemplos acima enunciados pecam apenas por escassos.

Talvez seja por isso que, não obstante a estatística publicada, que aparentemente nos diz que estamos a inovar porque estamos a apresentar mais pedidos de patentes, Portugal não se consiga afastar dos seus medíocres indicadores de crescimento económico, que as nossas exportações não cresçam, que não criemos valor acrescentado, etc., etc.

João Paulo Mioludo, Agente Oficial de Propriedade IndustrialFURTADO – Gabinete Técnico de Marcas e Patentes, [email protected], www.furtado.pt

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