Segurança Alimentar

A escassez dos alimentos

Por a 27 de Junho de 2008 as 10:30

joaquim dias

Actualmente, o assunto que maior preocupação causa no mundo é a constante escalada dos preços dos combustíveis. Esta escalada é motivada essencialmente pela especulação, que se torna ainda mais grosseira, pelo facto de já existir tecnologia suficiente capaz de substituir os combustíveis fosseis em várias áreas. Entretanto, outra crise mundial começa a emergir, bem mais preocupante e real que a crise dos combustíveis e com tendência agravar-se no futuro: a crise causada pela escassez dos alimentos.

A fome é uma das maiores causas de perturbação no mundo. As consequências começam agora a surgir um pouco por toda a parte, como foi o caso das revoltas populares no Egipto, Haiti, Costa do Marfim, Indonésia e outros países do terceiro mundo, tendo culminado na morte de 24 pessoas nos Camarões, tudo isto, provocado pela incapacidade da população obter alimentos. O próprio Banco Mundial prevê, como consequência do inflacionamento do preço dos alimentos, que cerca de 33 países estão à beira de convulsões internas que poderão levar à sua destabilização e dos seus países vizinhos.

O problema da escassez dos alimentos tem várias origens, entre as quais, se sobressai o aumento da população mundial, a diminuição de terras aráveis, os biocombustíveis e, principalmente, a redução de água potável disponível. O aumento da população tem como implicação directa o aumento do consumo de alimentos. Actualmente, a população mundial atingiu os 6,5 mil milhões de pessoas, representando a China e a Índia, no seu conjunto, um terço desse valor. Começa a tornar-se uma missão impossível disponibilizar alimentos suficientes para um tão elevado número de pessoas, ao qual acresce o facto, dos níveis de consumo dos cidadãos chinês e indiano estarem a crescer para níveis idênticos aos dos países ocidentais. Um bom exemplo desta situação é a diminuição dos “stocks de pesca”. Actualmente 1/3 do pescado nos oceanos desapareceu. A manter o actual nível de captura no mar, 2/3 do pescado irá desaparecer em 2025, para estar virtualmente extinto no ano de 2048.

A diminuição da terra arável surge devido a três factores fundamentais. O primeiro está relacionado com o abandono das terras, motivado pelo desinteresse das pessoas por uma actividade árdua e pela evolução do negócio, que tende sistematicamente a esmagar as margens de lucro dos produtores de matérias-primas como é caso dos agricultores. O segundo está relacionado com degradação dos solos e a sua desertificação como consequência do aquecimento global e ausência de chuvas. O último factor tem a ver com a urbanização, na qual, vários terrenos férteis foram impermeabilizados e substituídos por edifícios.

O problema dos biocombustíveis está directamente relacionado com os cereais e é uma consequência da escalada do preço do petróleo. De facto, uma das soluções para a substituição deste combustível é a produção de etanol a partir de cereais, mais precisamente do milho. O milho não tem uma importância directa tão grande na alimentação humana como os outros cereais, mas indirectamente, a sua importância é enorme, pois é de longe o cereal mais utilizado nas rações para animais. Desta forma, a escassez do milho implicará a subida dos preços dos outros alimentos como o leite, a carne e nos outros cereais, que irão também, ser utilizados para rações.

A água será sem dúvida o maior problema da humanidade e a maior causa de conflito. Ela é a essência da vida, sendo mesmo conotada em certas religiões como algo sagrado (no cristianismo é utilizada para baptizar as pessoas). Da água potável disponível no mundo, 70% é usada na agricultura, 20% é utilizada pela indústria, sendo os outros 10% utilizados domesticamente. Assim, é fácil perceber que a carência de água potável causa uma imediata de escassez de alimentos. Esta carência não escolhe locais nem populações, abatendo-se sobre países como a China, que vê os seus lençóis freáticos diminuírem substancialmente em zonas de cultivo, situação que irá obrigar este país, que era auto-suficiente em cereais, a tornar-se um importador desta matéria-prima ainda este ano, com todas as consequências que dai poderão advir relativamente à subida dos preços.

Os mais afectados pela crise dos alimentos serão inevitavelmente os países mais pobres, como ficou demonstrado pelos recentes tumultos populares. A alimentação representa cerca de 15 a 20% do orçamento de um cidadão de um país desenvolvido, comparativamente com um cidadão de um país em desenvolvimento, onde esse valor pesa cerca de 60 a 80% do seu orçamento. Mas estes valores podem rapidamente sofrerem alterações, pois os países mais desenvolvidos têm descorado completamente a agricultura tornando-se importadores de alimentos, e, como tal, completamente dependentes de países terceiros. Portugal é um bom exemplo.

Joaquim Dias, Director de Qualidade, Grupo GCT

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