Outras Opiniões

O desafio da inflação

Por a 16 de Maio de 2008 as 9:30

alexandre mota

Até há uns meses atrás era difícil captar a atenção das pessoas com análises de mercado sobre o sector das commodities. A excepção eram o petróleo e, em menor grau, o ouro, sobre os quais parecia que todos tinham opinião, mesmo que fosse apenas acabar com a discussão culpando os especuladores pela escalada dos preços. Hoje em dia somos invadidos com notícias sobre a crise alimentar e sobre a escalada de preços dos cereais e, mais uma vez, os especuladores fazem parte da lista dos culpados.

Quem lê esta coluna regularmente recordará, desde sempre, uma orientação clara no sentido da alta das commodities e, desde o Verão de 2007, das matérias-primas agrícolas.

Talvez o raciocínio lógico, que motivou esta ideia sobre as matérias-primas, recolha agora mais atenções. Façamos, por isso, um resumo, arrumando desde já a questão dos especuladores: eles existem e influenciaram o movimento de preços, mas não o teriam feito se não estivessem criadas condições para uma subida dos preços das matérias-primas.

Razão número 1: A escassez de oferta de terrenos agrícolas

– Provocada por desinvestimentos em área arável ao longo dos últimos 20/30 anos, pela terciarização das economias, pelo abandono dos campos e boom imobiliário;

– Devido à ocupação de solos e à relativa lentidão no aumento da oferta de área arável e produtiva causada pelo necessário tempo de maturação no cultivo da maior parte dos produtos da terra.

Razão número 2: Aumento da procura de bens alimentares

– Decorre da melhoria das condições alimentares de países que são colossos populacionais, como são os casos da Índia e China.

– Nos casos do trigo, milho e açúcar são, para além de matérias-primas necessárias a bens alimentares, mercadorias utilizadas na produção de energia, o que os torna duplamente apelativos.

Parece-nos que não será preciso ser brilhante para perceber que o que se está a passar é um movimento estrutural e que as implicações, entre outras, apontarão para um mundo mais inflacionista (deixemos de lado as questões sócio-políticas, igualmente relevantes).

Recentemente foram divulgados os dados sobre a inflação nos EUA (4% anuais), na zona euro (3.3% anuais) e na China (8.3% anuais). São valores altos, mas muito longe de uma espiral sem controlo, comparável com os valores de dois dígitos que caracterizaram o início da década de 70, naquele que terá sido, talvez, o período mais parecido com a crise actual (problemas de crédito, falências, crise económica e elevadas taxas de inflação, mas muito mais desemprego do que agora). A persistência de pressões inflacionistas conjuntamente com tensões recessivas é usualmente vista pelos analistas como um aspecto particularmente grave desta crise (a palavra usada é especialmente feia; estagflação). Será mesmo?

Neste ponto, gostaria de exprimir o meu ponto de vista e, ao mesmo tempo, abrir um debate, cujas conclusões me comprometo a divulgar em breve, salvaguardando, obviamente, o anonimato das opiniões alheias (e-mail para [email protected]). Opinião: Penso que o principal risco desta crise é a transmissão da mesma ao consumidor, ou seja, o aperto de crédito e de liquidez ser de tal grandeza que as famílias diminuirão o consumo, o que implicará inevitavelmente uma contracção significativa do PIB (por exemplo nos EUA o consumo vale 2/3 do PIB). Neste pressuposto, o que poderá permitir haver mais consumo?

Talvez a expectativa que os preços vão subir nos faça consumir hoje os bens e serviços cujo preço subirá amanhã, ou seja, a inflação, desde que não entre em descontrole, funcionar como o “sal” que salvará a economia de uma recessão profunda. Em contraposição, veja-se o exemplo histórico japonês: estiveram em recessão, deflação e armadilha da liquidez durante mais de uma década (de inícios de 90 a inícios de 2000). Nessa altura, os japoneses imploraram por um pouco de sal para a sua economia. Conclusão: Felizmente, a actual crise ainda não trouxe deflação. Pelo contrário, coexiste com a Inflação?! …Ainda bem.

Alexandre Mota, Consultor e Gestor de Carteiras da Golden Assets

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