Outras Opiniões

Oportunidades em tempo de crise

Por a 4 de Abril de 2008 as 12:00

luis ferreira

Os mercados financeiros têm sofrido as consequências do eclodir de mais uma bolha especulativa em que se tornou o mercado imobiliário americano e que resultou da utilização de excesso de alavancagem em alguns segmentos da economia. Se, por enquanto, ainda estão longe de serem conhecidas todas as consequências económicas das dificuldades que o sistema financeiro está a atravessar, por outro lado é preciso não perder a perspectiva de longo prazo e das grandes tendências que se estão a desenvolver, sob pena de se perderem as grandes oportunidades de negócio. Nesse sentido, o desenvolvimento económico dos países emergentes é uma realidade, que nem a crise de confiança que o sistema financeiro ocidental actualmente atravessa e que origina forte volatilidade e períodos de stress dos mercados financeiros, vai colocar em causa.

O processo de convergência em que se encontram as economias da China e da Índia para os padrões de desenvolvimento Ocidental é provavelmente um dos maiores marcos da história económica mundial. Isto porque tanto a China como a Índia representam mais de dois mil milhões de pessoas, ou seja, um pouco mais de um terço da população mundial e nunca um mercado potencial tão grande se industrializou tão rapidamente. Desta forma, é extremamente complexo fazer qualquer analogia com outros processos de industrialização e desenvolvimento económico que ocorreram ao longo da história, limitando a capacidade de prever todas as consequências tanto para as regiões envolvidas, como para o resto do Mundo. Contudo, o resultado passará inevitavelmente por um aumento do nível de vida das pessoas que vivem nas regiões em desenvolvimento, de uma alteração demográfica profunda com as pessoas a procurarem as cidades em detrimento das regiões agrícolas e de uma consequente alteração dos hábitos de vida. Ou seja, está a emergir no Oriente um mercado enorme, em que as pessoas vão procurando consumir bens de segunda necessidade à medida que vão subindo na escala de valor do desenvolvimento económico.

Para se ter uma ideia do longo caminho que ainda falta percorrer atente-se para o facto de que o PIB per capita dos EUA em 2006 era próximo dos $40.000, o que contrasta com os $2.453 da China e $922 da Índia. O nível de urbanização é também um reflexo do nível de industrialização e desenvolvimento de um país, sendo que é curioso comparar que enquanto nos EUA e Europa Ocidental entre 75 a 80% das pessoas vivem em cidades, na Ásia esse valor é drasticamente mais baixo, situando-se actualmente nos 40%. Alguns estudos utilizam o exemplo do Japão pós guerra e mais recentemente da Coreia do Sul, para prever que o nível de urbanização máximo é atingido quando o PIB per Capital atinge os $8000-$9000, sendo esperado que ocorra na China em 2020 e 10 anos depois na Índia.

O aumento do nível de riqueza provocado pelo processo de convergência destas economias provoca uma alteração dos hábitos dos consumidores, que passam a direccionar os seus actos de compra para além de bens de consumo de primeira necessidade. Um estudo recente utiliza o exemplo da Coreia do Sul para fazer uma analogia relativamente aos casos da China e da Índia e determinar níveis de riqueza a partir dos quais os consumidores começam a ser capazes de adquirir determinados bens, como, por exemplo, uma TV ou um automóvel. Apesar das limitações de tal comparação, é curioso verificar que a Coreia do Sul só atingiu o nível de uma televisão por habitação a partir de $6000 no PIB per capita e que tanto a China e a Índia apresentam respectivamente 0,7 e 0,4 televisões por habitação. Ou seja, esta forte perspectiva de evolução do consumo nas economias emergentes gera novas oportunidades que serão aproveitadas pelas empresas que se encontrarem melhor preparadas nas suas áreas de negócio.

As empresas ocidentais têm assim uma enorme oportunidade pela frente, especialmente aquelas que estiverem dispostas a correr riscos e a abraçar um desafio que passa por competir no maior mercado industrializado a prazo. Contudo, é necessário conseguir ultrapassar as diferenças culturais e não ficar tolhido pelas dificuldades e sentimento negativo que emana do sistema financeiro e que ataca o discernimento para olhar para o futuro com a confiança que merece, justificada pelas oportunidades que se apresentam, tanto no longínquo continente asiático, como mais perto de casa.

Luís Ferreira, Analista da Personal Value

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