Outras Opiniões

A Evolução do Vinho em Portugal – Parte I

Por a 4 de Abril de 2008 as 12:00

manuel rocha

A primeira grande (r)evolução no sector do Vinho em Portugal – e na Europa – não é da responsabilidade do Homem, mas da mãe-natureza ou, mais concretamente, das pragas da vinha (oídio, filoxera, míldio), que marcaram o final do século XIX e levaram muitos agricultores à ruína, tendo uma grande parte abandonado as suas propriedades. A filoxera, em particular, criou um cenário devastador em todo o Portugal, com excepção da região de Colares. Depois de numerosos tratamentos experimentados, a solução acabou por ser razoavelmente simples e passou pela utilização de vides americanas, imunes a esta praga, que se enxertaram com as castas pretendidas. Este repovoamento, manteve-se até hoje e contribuiu para a definição de algumas das características que as regiões vitivinícolas ainda apresentam.

No inicio do século XX, a instabilidade política, a agitação social, o fim da Monarquia e a Primeira Grande Guerra causaram também algum desgoverno ao sector do Vinho, que se caracterizava pelas produções excessivas e sem qualidade, pelas fraudes, etc., apesar de ter havido alguma legislação sobre a demarcação das regiões vinhateiras.

O segundo grande marco na evolução no sector é da responsabilidade do Estado Novo, ideologicamente defensor no mundo rural, onde o Vinho fazia parte do quotidiano dos Portugueses, sendo o seu consumo largamente incentivado. A propaganda da época ficou marcada com frases como “Beber vinho é dar o pão a 1 milhão de Portugueses”, “Uvas fonte de saúde e de Alegria” e “Comam uvas bebam vinho”. Foi também neste período que o sector viu uma das suas maiores reorganizações, com a criação de novas entidades reguladoras e coordenadoras, por exemplo, a Casa do Douro e a Junta Nacional do Vinho, entre muitas outras. No entanto, a inexistência de um ambiente que perspectivasse o negócio a nível industrial levou a que a burguesia portuguesa encontrasse na área comercial e em especial no mercado colonial a solução para o escoamento dos seus produtos, entre os quais o vinho teve algum destaque.

Nas grandes cidades, no período da Segunda Guerra Mundial, consumia-se e comprava-se o vinho em tabernas e carvoarias (Lisboa tinha mais de 1500 estabelecimentos em 1938) e, normalmente, a visita a estes locais era sempre acompanhada do garrafão na mão, para que depois de uns copos ao balcão, este fosse atestado. Também era habitual ir “à terra” buscar Vinho, uma vez que quase toda a população conservava elos fortes com o campo. A noção de que o “vinho do barril do produtor” é que é o bom e o puro, ainda hoje perdura num grande número de consumidores, apesar de sabermos que neste caso particular, e contrariamente a outros produtos com origem da terra, não ser verdadeira.

É também neste período que nascem algumas grandes empresas, como as Caves Dom Teodósio e a Carvalho, Ribeiro & Ferreira, que, juntamente com as principais empresas distribuidoras de vinho a barril na altura, Abel Pereira da Fonseca, J. Serra e José Maria da Fonseca iriam dominar o comércio do vinho em Portugal na segunda metade do século XX.

Nos anos do pós-guerra, a industrialização crescente e as migrações dos campos para as cidades marcavam as alterações da sociedade portuguesa. Este período é um marco relevante na evolução do sector, uma vez que o governo da altura lançou um programa de criação de adegas cooperativas, maioritariamente na região da Estremadura, Ribatejo e Douro. Este processo arrastou-se até aos anos 60 e alastrou-se por todas as regiões, passando a maior parte do vinho consumido a ser originário destas adegas. Esta alteração foi tão relevante na estrutura do sector, que hoje, e passados mais de 50 anos, o vinho produzido por estas adegas cooperativas representa ainda a maior fatia do mercado.

Apesar das adegas cooperativas terem sido modernamente equipadas, o formato de gestão levava à uniformização da qualidade do vinho, através da utilização das boas e más uvas que lhes chegava dos produtores associados. Esta uniformização tendia para a baixa qualidade dos seus vinhos, que além do consumo interno, eram amplamente escoados para as colónias. Este contexto, onde as boas e as más uvas eram valorizadas pela mesma bitola, levou a uma despreocupação dos viticultores e a preferência por castas com maiores produções. No entanto, não posso deixar de sublinhar a importância vital que as adegas cooperativas tiveram a nível social e da preservação das características e dos métodos tradicionais de cada uma das regiões. Mesmo as grandes empresas distribuidoras – referidas anteriormente – além de comprarem vinhos aos agricultores também compravam às adegas cooperativas, estes vinhos depois de loteados e envelhecidos, davam origem as suas reservas e garrafeiras. Eram sem dúvida os vinhos de maior qualidade que se podiam beber na altura.

Manuel Rocha, Director-geral da PortuVinus

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