Marcas & Patentes

Opções ou equívocos?

Por a 22 de Fevereiro de 2008 as 15:00

joao paulo mioludoNuma edição anterior um Distinto Colega de profissão escreveu um artigo de opinião intitulado “Opções”, onde aludia à recente proposta de alteração do Código da Propriedade Industrial (CPI) e, em particular, tecia críticas à pretensão do legislador em eliminar as Declarações de Intenção de Uso (DIU).Permitam-me referir, antes de mais, que comungo das suas preocupações e subscrevo por inteiro a opinião difundida sobre uma matéria tão relevante, que naturalmente não pode ser entendida como uma mera formalidade.

Aliás, parece que esta ânsia governamental em simplificar tudo e mais alguma coisa, não cuida por vezes de atender ao essencial e aos interesses que verdadeiramente estão em jogo. No referido artigo podemos constatar vários exemplos em conforme a eliminação das DIU poderão de facto trazer desvantagens às empresas portuguesas, e que dispensam comentários adicionais.

Outro exemplo que se poderá mencionar é a marca na hora, outra maravilha da simplificação burocrática e administrativa mas que não cuida verdadeiramente dos interesses das empresas. Já tive oportunidade de, sobre este instituto, tecer as minhas críticas.

Sem embargo, as minhas preocupações, hoje, não se prendem apenas com uma possível eliminação das DIU da legislação portuguesa sobre propriedade industrial.

Quando em Setembro de 1995 iniciei a minha actividade profissional nesta aliciante área da propriedade industrial, tinha acabado de entrar em vigor o CPI de 1995. Aparentemente, nada de extraordinário. A entrada em vigor de nova legislação, e a consequente alteração e revogação da anterior, são acontecimentos normais em qualquer sociedade.

Sublinho apenaso facto do CPI de 1995 ter substituído o CPI de 1940. Este Código, diploma notável que vigorou 55 anos, foi revogado muito por força da adesão de Portugal à Comunidade Europeia e às necessidades de harmonização legislativa, a par de um grande desenvolvimento económico e tecnológico, ocorrido sobretudo após a adesão.

Destaco em particular a necessidade de transposição da Directiva Europeia sobre marcas e a conclusão do Acordo sobre os Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relativos ao Comércio, vulgarmente apelidado de TRIPS.

Porém, este Código de 1995 durou apenas 8 anos, já que em 2003 entrou em vigor um novo Código.

E eis que, volvidos cinco anos, prepara-se o Governo para introduzir novas alterações ao CPI.

A pergunta que a este respeito coloco é a seguinte: que mudanças significativas ocorreram neste período de 13 anos, para justificar um novo CPI em 2003 e um novo CPI em 2008, ou pelos menos alterações ao CPI vigente?

Receio bem que as alterações que se pretendem agora introduzir pouco ou nada têm que ver com uma reflexão profunda sobre o sistema de propriedade industrial e sobre as concretas necessidades do país nesta área, o que em última instância significa que o Governo não tem quanto a esta matéria qualquer política definida.

Vários exemplos poderão ser apontados:

Se atentarmos à notícia publicada no portal do Governo, sob o título “Simplificação e acesso à propriedade industrial e penhora electrónica de automóveis”, concluímos que para o Governo a propriedade industrial ou a penhora de automóveis são peças do mesmo puzzle da simplificação administrativa. Sob esta égide pretende o Governo introduzir um conjunto de alterações tendentes a simplificar os procedimentos administrativos para obtenção de registos de marcas e outros direitos. De nada mais se trata.

Os problemas que a proposta de eliminação das DIU poderão suscitar no futuro não terão sido seguramente ponderados em toda a sua plenitude, conforme ficou bem explicado pelo meu Colega Dr. Gonçalo de Sampaio.

Neste preciso momento em que são discutidas estas alterações ao CPI, marcadas pela simplificação administrativa, discute-se na Assembleia da República (discussão porventura já concluída à presente data) uma proposta de Lei com vista à transposição para o ordenamento jurídico interno da Directiva nº 2004/48 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de Abril de 2004, relativa ao respeito dos Direitos de Propriedade Intelectual e que alterará, designadamente, o CPI, na parte respeitante à defesa dos direitos de propriedade industrial. Claro está que se houvesse uma política empenhada do Governo para a propriedade industrial, não estariam dois órgãos de soberania a discutir cada um as suas “propostas legislativas” nesta área. A matéria em causa justificaria, pela sua importância, uma abordagem diferente.

Saliente-se ainda o facto da referida Directiva já dever ter sido transposta até 29 de Abril de 2006… A propósito de Directivas temos presente que, aquando do CPI de 2003, foi introduzido um novo regime jurídico para os modelos de utilidade. O curioso foi que o legislador de então inspirou-se numa Directiva Europeia, a qual ainda não tido passado de fase de projecto… palavras para quê?

Muito haveria ainda a dizer, e haverá certamente num futuro próximo, sobre este tema. Não queremos porém terminar sem referir que nada temos contra aquilo que seja a simplificação de procedimentos, mas desde que resulte em verdadeiro benefício para as empresas e utilizadores do sistema de propriedade industrial em geral.

Aguardamos pois com interesse por mais desenvolvimentos relativamente às propostas de alteração do CPI.

João Paulo Mioludo, Agente Oficial da Propriedade Industrial, Furtado – GabineteTécnico de Marcas e Patentes, S.A.

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