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Opções

Por a 8 de Fevereiro de 2008 as 11:30

gonçalo de sampaioO Governo, através de uma resolução do Conselho de Ministros de 29 de Dezembro de 2007, aprovou, na generalidade, várias medidas de simplificação e acesso à Propriedade Industrial.Nada de extraordinário, sendo até de louvar. De facto tudo o que seja para melhorar o sistema da Propriedade Industrial em Portugal é importante e deve ser apoiado.

Contudo…

Comece-se pelo princípio.

As propostas de alterações não foram, como sempre sucedeu no passado, precedidas de qualquer debate. Ora, em matéria tão específica e sensível, importava ouvir os contributos de entidades representativas das empresas, em particular da Indústria e do Comércio, das associações interessadas, designadamente profissionais, dos especialistas reconhecidos e das Universidades.

Aliás, assim sucedeu com a elaboração do Código da Propriedade Industrial de 1940, do Código de 1995 e do Código de 2003. O texto dos respectivos Diplomas foi resultado de numerosos debates. Agora, o anteprojecto de Decreto-Lei revestiu-se de um estranho anonimato e secretismo.

Existe um silêncio ensurdecedor do Governo quanto às razões e fundamentos para as opções preconizadas, estando, assim, ainda por provar que as opções estão devidamente fundamentadas.

O princípio anunciado, e que terá norteado o anteprojecto, foi o de simplificar o sistema de propriedade industrial. Ora, sendo certo que o propósito de simplificação é de louvar, e até de encorajar, o mesmo não pode ser aplicado sem atentar nas soluções adoptadas e experimentadas internacionalmente e sem respeito pelos valores essenciais da certeza e segurança dos direitos de propriedade industrial.

O sistema de Propriedade Industrial só será útil se garantir a segurança dos direitos que o constituem, se constituir uma ferramenta de apoio às empresas. Se não se garantir a segurança estaremos a descredibilizar todo o sistema, com consequências muitíssimo graves.

Atentemos numa das propostas anunciadas pelo Governo.

Sob o título “Eliminar formalidades que oneram desnecessariamente os cidadãos e empresas”, o anteprojecto defende a eliminação da “obrigação de apresentação periódica da declaração de intenção de uso (DIU) da marca”.

É um erro!

Na verdade, a DIU é uma formalidade necessária e que tem provado ser muito útil às empresas, nomeadamente portuguesas, que pretendem obter o registo das suas marcas.

A figura da “DIU” foi introduzida no direito português em 1980 para dar resposta ao problema colocado pela protecção a um crescente número de registos de marcas que não estavam a ser usados e que simplesmente bloqueavam os novos pedidos de interessados de boa fé que pretendiam usar as marcas no mercado. Por força do exclusivo garantido pela lei, tais registos acabavam por constituir uma barreira à entrada em novos negócios, possibilitavam uma concorrência desleal e distorcida, afectando negativamente o desenvolvimento económico.

É hoje notória a dificuldade de obter registos de marcas devido à existência de direitos anteriores designadamente nas marcas de vinhos, alimentos, ou artigos de vestuário.

Eliminando do sistema os registos que não cumprem com o requisito da DIU, permite-se a muitas empresas, nomeadamente portuguesas, obter o registo da marca que haviam idealizado.

Foi um sistema que “primeiro estranhou-se, depois entranhou-se”, tendo funcionado como importante ferramenta de negócio para muitas empresas portuguesas.

Sem este sistema, ou outro que “controle” o uso das marcas, permite-se a perpetuação de registos de “marcas fantasma”, que não exercem qualquer função útil no mercado, antes pelo contrário bloqueiam a entrada de novas marcas e limitam o crescimento e desenvolvimento do mercado.

No sistema que o Governo agora propõe, a remoção de marcas não usadas compete exclusivamente aos interessados, sejam particulares ou empresas. A estes exige-se, primeiro, que averigúem se uma dada marca está a ser usada no mercado, de seguida que obtenham as provas desse facto, depois iniciem um procedimento administrativo requerendo a caducidade da marca e, por fim, aguardem pela resolução final do mesmo. Como é óbvio, tudo isto torna mais onerosa, lenta e difícil a constituição de novos direitos de marcas. E tudo a ser suportado pelos interessados, sejam particulares ou empresas.

O Governo “eliminou formalidades”?

Sim, se olhado na perspectiva da actuação dos serviços públicos. Não, se atentarmos nos custos acrescidos que tal medida acarreta para as empresas e particulares.
O Governo simplificou?

Sim, a sua actuação. Não, a vida das empresas e dos particulares.

O Governo poupou?

Sim, trabalho aos seus funcionários. Não, no que se refere às despesas para as empresas e particulares.

Opções…

Gonçalo de Sampaio, Agente Oficial de Propriedade Industrial e Secretário-geral da ACPI (Associação dos Consultores em Propriedade Industrial)

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