Outras Opiniões

BRASIL: um mercado de oportunidades

Por a 27 de Julho de 2007 as 9:00

 luis ferreira

O Brasil constitui uma promessa sistematicamente adiada como mercado potencial para as empresas portuguesas e em especial na área de retalho. A venda das operações da SONAE Distribuição no Brasil é só um exemplo do defraudar das expectativas cridas em torno do investimento no sector retalhista e que levou a empresa a concentrar a sua actividade em Portugal. A SONAE continuou com presença no sector retalhista, mas através da sua participada para a área imobiliária, na construção e gestão de centros comerciais. A tese de investimento que sustentou e continua a sustentar a entrada no mercado brasileiro prende-se com a sua dimensão, com o potencial inerente à convergência da sua economia para padrões mais desenvolvidos e com a sua proximidade histórica e cultural com Portugal.

A sustentabilidade da tese de investimento do ponto de vista económico provavelmente nunca teve bases tão sólidas como actualmente. O crescimento real dos salários em 2006 foi de 6% e o consumo das famílias registou um crescimento não inferior a 12%. Adicionalmente, prevê-se que para 2007 e 2008, o crescimento real dos salários se mantenha no mesmo patamar. Contudo, a realidade vai bem além das estatísticas supracitadas e reflecte-se no contexto económico caracterizado por taxas de juro reais nos níveis mais baixos das últimas décadas e com tendência para diminuir ainda mais, já que o Brasil ainda apresenta das taxas de juro mais elevadas a nível mundial. Consequentemente, o nível de crédito oferecido tem apresentado um crescimento muito acentuado, quebrando recordes consecutivos e com substanciais incrementos na sua sofisticação. A moeda brasileira parece ter atingido um estatuto como nunca antes, sólida e forte, o que tem permitido que as importações se tornem mais baratas e acessíveis a uma franja crescente da população brasileira. Adicionalmente, a estabilidade monetária, como consequência da saúde das finanças públicas, permite um maior grau de previsibilidade dos investimentos no Brasil, reduzindo dessa forma o custo de capital implícito.

O crescimento económico que o Brasil tem registado nos últimos anos está a provocar um aumento no nível de riqueza bem como alterações na sua distribuição, consubstanciando-se num aumento de importância da classe média tanto em termos de percentagem da população, como em percentagem do consumo interno e seu crescimento. Actualmente a classe média e média-alta representam 32% da população e são responsáveis por 66% do consumo, sendo que a classe baixa representa 64% da população e é responsável por apenas 10% do consumo. É neste potencial de migração de um extracto para o outro que reside uma das maiores oportunidades que o Brasil tem para oferecer. Efectivamente, estão reunidas as condições tanto em termos económicos, através do aumento da produtividade em resultado de um maior grau de educação, como em termos demográficos, já que a geração do baby boom brasileiro da década de 80 está a atingir a maioridade, contribuindo para a produção e consumo, além do que os casais mais novos estão a ter menos filhos, o que lhes permite gastar mais por cada criança. Para as famílias mais carenciadas, a melhoria das suas condições de vida estará dependente do aumento do salário mínimo nacional, bem como da execução de programas de ajuda como a Bolsa Família (similar ao Abono Familiar), que constitui um dos maiores programas de ajuda monetária condicional a nível mundial e pilar da politica social do Governo de Lula da Silva.

O resultado da convergência económica do Brasil e o consequente aumento da classe média brasileira está igualmente a provocar um aumento do grau de sofisticação do sector de retalho, denotando-se um crescimento da importância dos centros comerciais que já representam 20% do total das vendas do sector, com tendência a aumentar, visto que nos últimos dois anos tem vindo a crescer a um ritmo duas vezes superior ao PIB. Como consequência, o grau de ocupação dos centros comerciais encontra-se no máximo de sempre. A sofisticação do sector retalhista também se pode observar na forma como têm impulsionado o crédito ao consumo, quer através de joint-ventures ou parcerias exclusivas com instituições financeiras. Também neste aspecto o potencial é enorme, já que segundo dados de 2005, o nível mundial de crédito dos agregados familiares em relação ao PIB era em média 29%, sendo que nos países mais desenvolvidos chegava aos 58%, enquanto que no Brasil era inferior a 9%!!! A progressiva diminuição das taxas de juro (actualmente em 12%) por parte do Banco Central Brasileiro dado o panorama da inflação (3,69% em termos anuais), irá contribuir decisivamente para o incremento do crédito ao consumo e consequente aumento da despesa das famílias.

Em suma, o Brasil encontra-se num processo de convergência económica que o pode tornar numa das maiores potências económicas mundiais e referência da América Latina. Assim sendo, o tecido empresarial português necessita de estar atento a um mercado de oportunidades, pois sendo verdade que tenha sido responsável por várias desilusões, também é verdade que o erro talvez não estivesse na ideia, mas sim no seu timing.
Luís Ferreira, Analista da Personal Value

Deixe aqui o seu comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *