Outras Opiniões

Hedge Funds pressionam Ahold

Por a 24 de Novembro de 2006 as 16:34

luis ferreira

A empresa retalhista holandesa Ahold, em resposta à pressão exercida por parte dos seus accionistas, anunciou no passado dia 6 de Novembro um plano de reestruturação com o objectivo de focalizar os seus recursos nas actividades de retalho capazes de potenciar o seu crescimento e retorno. Desta forma, a empresa procedeu a uma análise do seu portfólio de áreas de negócio e da respectiva disposição geográfica e decidiu apostar nas actividades líderes dos seus mercados locais em que detém a maioria do capital. Estas devem ser capazes de gerar sinergias globais no grupo, não obrigando a exigências de investimento avultadas para manter os níveis de crescimento e geração de valor para os accionistas. A estratégia passa por transmitir uma imagem de empresa líder nos diferentes mercados onde actua, capaz de compreender melhor que a concorrência as necessidades dos consumidores, oferecendo os produtos desejados a preços competitivos.

O resultado foi uma série de medidas das quais se destacam, na Europa, a alienação das operações na Polónia e Eslováquia, bem como 49% da Jerónimo Martins Retalho. Nos EUA, decidiram alienar o negócio de serviço de entrega de produtos alimentares US FoodService – o principal responsável pelo descalabro vivido na empresa em 2003, derivado dos seus escândalos contabilísticos – bem como uma rede de 121 supermercados no ramo alimentar, com a designação TOPS. Estima-se que estas operações de alienação de activos gerem 4 mil milhões de euros, sendo que metade desse valor será restituído aos accionistas, enquanto o restante servirá para reembolsar dívida. De forma a tornar a empresa mais rentável, foi também aprovado um plano para cortar custos na rede de retalho americano em 500 milhões de dólares até 2009, bem como aumentar a eficiência da utilização do fundo de maneio e reduzir o nível de investimento anual. O objectivo é atingir um crescimento anual de vendas de 5% e uma margem operacional de 5%.

O plano de reestruturação apresentado é o resultado da pressão dos accionistas, nomeadamente dois hedge funds com uma participação conjunta de 6%, no sentido de a empresa executar um spin-off das áreas de negócio, potenciando desta forma o seu valor. Apesar de não ir totalmente ao encontro das intenções dos hedge funds, é um passo importante embora questionável, não tanto relativamente às medidas apresentadas, mas sim quanto ao seu timing, principalmente no que diz respeito à venda da US FoodService. Este activo sofreu uma forte desvalorização em 2003 devido aos escândalos contabilísticos e à fraca performance operacional que apresentava, tendo a Ahold nos últimos 3 anos trabalhado no sentido de recuperar o valor entretanto perdido. Apesar do bom trabalho realizado até ao momento, será extremamente difícil conseguir vender este activo por um preço com base em expectativas futuras, sabendo ainda que, como refere a própria empresa, será necessário uma estrutura menos alavancada e mais propícia a realizar os investimentos necessários para retirar o valor das perspectivas de crescimento defendidas pela Ahold. Desta forma, a empresa coloca-se, à partida, numa débil posição. Adicionalmente perde uma das principais fontes de cash-flow e potencial crescimento.

Este parece ser um caso onde o papel dos hedge funds, ao contrário de outras situações, em que a sua representatividade e pressão contribuem para a criação de valor para os accionistas, pode ter antecipado um processo que vai levar à venda de activos a um preço inferior ao seu valor potencial. Neste cenário todos parecem vir a perder, uns na ânsia de ver retribuído o investimento que realizaram o mais rapidamente possível (hedge funds) e outros de forma a defenderem a sua posição na gestão da empresa. Quem poderá vir a ganhar é, obviamente, quem no futuro adquirir os activos que estão à venda.

A Jerónimo Martins parece, finalmente, concluir uma operação que já era há muito aguardada. Depois de um longo período em que aproveitou o know-how da Ahold, esta é a melhor altura para assumir os restantes 49% da sua participada da área de retalho. A actividade da Jerónimo Martins Retalho está perfeitamente consolidada e a participação da Ahold não passa, neste momento, de financeira. Por outro lado, a holding portuguesa, ao contrário do que chegou a acontecer durante o período 2001-2003, encontra-se numa posição financeira capaz de assumir a totalidade da posição, sem que para isso seja necessário recorrer a um aumento de capital. Se juntarmos a estes motivos o facto de ser a única interessada nos 49% detidos pela Ahold avaliados entre 550 a 670 milhões de Euros, tudo indica que irá realizar um bom negócio ao apropriar-se da totalidade do cash-flow da Jerónimo Martins Retalho por um valor inferior ao supracitado.

Luís Ferreira, analista da Personal Value