Distribuição

Crescer, segmentando

Por a 5 de Abril de 2006 as 10:58

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De acordo com Olivier Trouvé, o retalho enfrenta um mercado cada vez mais forte, apontando este profissional da Accenture que, sem menosprezar o mercado doméstico, a aposta deverá passar pela internacionalização, principalmente a Oriente. O crescimento surgirá também e não só pela inovação, mas igualmente pela diferenciação.

«Quais as implicações e os novos desafios que se apresentam às empresas retalhistas nos dias de hoje? Quais as opções para um crescimento lucrativo?». A intervenção de Olivier Trouvé durante o 2.º Congresso da APED teve por base estas questões e uma análise e comparação da evolução e performance dos principais operadores a nível mundial no sector do retalho. A ideia chave deixada por este profissional da Accenture que já trabalhou no retalho alimentar e não-alimentar na Europa e nos Estados Unidos da América, foi a de que «o sector do retalho poderá e terá de se desenvolver através do crescimento em valor. Esse crescimento poderá surgir através de estratégias nos mercados internos e externos», salientando que, «se o home market é importante, os mercados emergentes são os que apresentam maior potencial de crescimento lucrativo para o sector retalhista».

Como crescer?

A grande questão que se coloca a qualquer administrador ou director-geral de um grupo retalhista quando pretende fazer crescer o negócio, é como crescer e o que fazer para sustentar esse crescimento? De acordo com Olivier Trouvé existem várias opções, sendo que a primeira poderá passar por fusões e/ou aquisições, existindo vários exemplos, nomeadamente a recente compra dos activos da Sonae no Brasil por parte da Wal-Mart (no retalho) ou da Allied Domecq pela Pernod Ricard (nas bebidas). É notório que as empresas ou grupos que não restrinjam a sua actividade ao mercado doméstico, procurem entrar num determinado mercado através da compra de activos já existentes, de modo a mais facilmente conseguirem rentabilizar a aquisição. Evidente tem sido a aposta de vários grupos nos mercados emergentes, tanto a Leste como a Oriente, referindo Olivier Trouvé, contudo, que no caso dos países da antiga “Cortina de Ferro” se verifique já uma saturação de alguns mercados (ver entrevista em caixa), admitindo que «para se vencer a Leste, já não basta abrir mais lojas, sendo necessário aumentar as vendas por metro quadrado. Isso consegue-se indo à procura de novos segmentos de consumidores».

Assim, a aposta da maior parte dos grupos retalhistas está apontada para Oriente, surgindo a China, Rússia, Índia ou Tailândia como mercados que maior garantia dão de um eventual retorno rápido do investimento efectuado. Exemplo desta realidade está na apresentação dos resultados obtidos pelo sector retalhista em diferentes países entre 1999 e 2004, aparecendo a Índia claramente destacada com uma evolução de 50 por cento no período em análise. A longa distância, a Rússia com 23,8 pontos, aparece como o segundo país a dar maior possibilidade aos retalhistas de fazer crescer o seu negócio, figurando ainda a Hungria e a China com variações bastante interessantes.

Curiosa não deixa de ser a posição ocupada por Portugal neste quadro, já que com uma variação de 5,8 por cento, aparece em sexto lugar, à frente de economias como a espanhola, inglesa, polaca, francesa, italiana ou mesmo norte-americana e alemã. Esta análise coloca o nosso País na primeira linha a nível europeu, não se estranhando assim a aposta feita por alguns grupos europeus de peso – caso da Tengelmann com a Plus e mais recentemente da Aldi – em querer entrar em força em Portugal, havendo já quem equacione a possibilidade da Sonae poder vir a vender os seus activos no retalho alimentar, depois da tão badalada OPA sobre a PT, ficando somente com o retalho especializado.

Na opinião do profissional da Accenture, o mercado doméstico não poderá, no entanto, ser menosprezado, existindo também possibilidades de fazer crescer o negócio, sendo, contudo, necessária a definição de uma estratégia eficaz e contínua. A eficiência do marketing, a inovação, a multiplicidade de canais, a diferenciação e diversificação, bem como a aposta em novos formatos, são estratégias que deverão ser adoptadas pelos retalhistas para desenvolverem o seu negócio “indoors”.

Alvo: consumidor

Na sua apresentação, Olivier Trouvé revelou que um estudo recente refere que aproximadamente 74 por cento dos consumidores são da opinião que as lojas dentro da mesma categoria/segmento são iguais. Ora, esta realidade não atrai consumidores, sendo necessário diferenciar o negócio, adoptando novas estratégias para captar esses mesmos consumidores descontentes. Como? Fidelizando o consumidor através do preço e da diversificação de produtos e serviços.

De acordo com Olivier Trouvé, «se um consumidor for fiel às marcas e marca própria de determinada insígnia, esse mesmo consumidor fideliza-se aos restantes produtos e marcas». No entanto, vale a pena equacionar «como fidelizar os consumidores a todos os canais?», salientando o orador que «não vale a pena ter um consumidor somente fiel a um determinado canal». Assim, a resposta está na diversificação de produtos e serviços e perceber o que o consumidor deseja e necessita. É fundamental, hoje em dia, não só obter informação sobre o consumidor, mas depois saber o que fazer com ela. No fundo, é «perceber o consumidor, compreender as suas necessidades, oferecer uma mais-valia e, finalmente, ir à procura desse mesmo consumidor com propostas válidas e cativantes».

O estudo estatístico realizado pela Accenture revelou ainda que aproximadamente 1/3 dos consumidores opinaram que a maioria dos produtos e serviços criados não apresentam novidade/inovação, aparecendo o consumidor do Reino Unido como o mais exigente. A opinião de que “existem muitas categorias em que estaria disposto a gastar mais, se encontrasse melhores produtos e serviços” é, de certa maneira, uma chamada de atenção para o sector retalhista, referindo o estudo a cadeia Tesco como um exemplo, dado o diversificação criada contar cerca de 30 segmentos de consumidores diferentes.

Um ponto igualmente focado por Olivier Trouvé prende-se com o êxito do formato discount e o facto de ainda «existir espaço para este conceito crescer nos próximos anos», revelando que em Portugal, Espanha e França representa cerca de 10 por cento, enquanto na Alemanha, país de origem do formato discount, o seu peso chegar aos 30 pontos.

Mas se o conceito discount ainda tem alguns anos de sucesso e crescimento pela frente, também o retalho não-alimentar/especializado é apontado como uma aposta ganhadora. Analisando o estudo efectuado pela Accenture, nos Estados Unidos da América, França e Reino Unido, verifica-se que o retalho não-alimentar regista crescimentos superiores ao alimentar. Se em França o Alimentar cresceu 0,9 por cento, o não-alimentar registou uma evolução de 3,9 pontos. Resultados ainda mais “animadores” foram apurados nos EUA e no Reino Unido, apresentando o alimentar subidas de 3,4 e 4,2 por cento, enquanto o não-alimentar evoluiu 4,6 e 5,1, respectivamente.

Em conclusão, Olivier Trouvé deixou uma ideia-chave: «para ter sucesso é preciso aproximar as lojas cada vez mais do consumidor que pretende, acima de tudo, poupar tempo. Além disso, é necessário conhecer o cliente, diferenciar a oferta, alinhar a organização e os respectivos processos às necessidades desse mesmo cliente e finalmente … pensar grande, começar pequeno».

Trouvé dixit

Olivier Trouvé (O. T.): Se olharmos para a forma como os retalhistas de sucesso têm sido avaliados, verificamos que os players de maior êxito, tal como a Wal-Mart ou Tesco, têm cerca de 50% do seu valor de mercado alicerçado no crescimento futuro do seu cash flow actual. Isto significa que a business comunity espera realmente que os líderes de sucesso continuem a crescer a nível internacional, dado terem limitado esse mesmo crescimento a nível doméstico. Além disso, muitos dos mercados emergentes ainda se encontram muito fragmentados, com uma parte significativa do sector retalhista presente em mercados muito recentes. Assim, todos os mercados, mesmo que fragmentados, ainda não estão prontos para a concentração, necessitando primeiro de uma estruturação e infra-estruturas que irão permitir um maior desenvolvimento.

H: Que conceitos (hipermercados, supermercados, lojas discount, etc.) têm maior potencial de desenvolvimento? Poderão estes diferentes formatos conviver lado a lado?

O. T.: Os diferentes formatos viverão sempre lado a lado: cada formato de retalho satisfaz necessidades diferentes para mercados diferentes, bem como para segmentos de consumidores diferenciados. Esta questão dependerá das necessidades do consumidor local, estando igualmente sujeito à maturidade do mercado, bem como do tipo de retalhistas. No Japão, por exemplo, as lojas de conveniência são o formato vencedor, porque o consumidor quer lojas de maior proximidade, de modo a poder efectuar as compras de produtos frescos com maior frequência, não realizando essas mesmas compras uma vez por semana num hipermercado. Na China, por sua vez, os hipermercados são o formato de maior sucesso, dado satisfazerem as necessidades por gama de produtos e preço que não possuíam anteriormente. Já na Alemanha, os hipermercados encontram-se numa luta desenfreada porque o formato com mais sucesso é sem dúvida o hard discount que pratica os preços mais baixo próximo das casas dos consumidores.

H: Quais as regiões onde os retalhistas poderão encontrar as melhores oportunidades de investimento? Europa de Leste, Ásia, América do Sul …

O. T.: A Europa de Leste e a Ásia são duas regiões bastante promissoras, mas isto está a acontecer a um ritmo muito rápido e os retalhistas necessitam de acompanhar este ritmo. Na Polónia, por exemplo, o mercado está quase saturado contando já com a presença dos maiores players globais do retalho, recriando de certa maneira a situação de saturação existente na Europa Ocidental. Nalguns países, como a Índia, esta situação demorará mais tempo porque as infra-estruturas ainda não existem de modo a satisfazer as operações globais de modo eficiente. Na China, por sua vez, as infra-estruturas são de bom nível, já que houve um grande investimento por parte do governo chinês, de modo que os retalhistas poderão crescer rapidamente, tal como tem acontecido com o Carrefour a Wal-Mart.