FMCG Marcas

Inovação marca sector

Por a 17 de Março de 2006 as 16:20

Inovação marca sector

O consumo de lacticínios continua espartilhado entre as dificuldades económicas, a crescente importância da marca própria e os níveis de penetração elevados de que estes produtos já gozam. Em resultado, os níveis de crescimento não são particularmente significativos. Contudo, existem algumas propostas que continuam a mostrar dinâmica, com os iogurtes e os queijos estrangeiros na linha da frente.

Conotados com estilos de vida saudáveis e beneficiando do factor conveniência, os iogurtes têm sido a grande estrela do ramo alimentar. Entre 2000 e 2003, por exemplo, o segmento evoluiu quase 50% em valor. A curva de ascensão foi tal que este passou mesmo a ser o maior segmento do índice Nielsen Alimentar. Contudo, nos últimos três anos o mercado tinha abrandado claramente os níveis de crescimento, tendo em atenção um grau de penetração mais elevado que naturalmente não permite oscilações tão significativas. Para o ano móvel Outubro/Novembro 05, a Nielsen aponta um crescimento de cinco pontos percentuais em volume e uma subida de 7,2% em valor. Estes níveis estão longe dos verificados há uns anos, mas ao mesmo tempo constituem claramente um factor positivo, pois demonstram uma aceleração do consumo.

Os iogurtes líquidos são claramente os grandes impulsionadores deste mercado. São já o maior segmento, com vendas de 92 milhões de euros, a que se acresce mais 45 milhões nos iogurtes magros líquidos. No primeiro caso, regista-se uma evolução de 8,3% em quantidade e de 9,5% em valor, oscilações importantes na medida em que falamos de um segmento que movimenta montantes elevados. Só num ano, portanto, o segmento vendeu mais nove milhões de euros, aproximadamente. No segundo caso, confirma-se em pleno a tendência de mercado. Os iogurtes magros líquidos significam vendas de 45 milhões de euros – são o terceiro maior segmento, tendo crescido 19% no período em análise. Em volume, a evolução situa-se nos 17,3 por cento.

A formulação líquido, inclusivamente, parece ser transversal a todo o tipo de propostas, permitindo também um valor de venda por unidade mais alto. Nesse sentido, é de assinalar que o segundo maior segmento – 48 milhões de euros – é constituído pelos probióticos líquidos, também com evolução de 15% em valor e 10 pontos em volume. Finalmente, os Bifidus líquidos, ainda que representem um segmento de menor dimensão – 17 milhões de euros – cresceram nada mais nada menos do que 26,1% em quantidade e 35 pontos em valor.

Motor Inovação

A inovação constitui um dos elementos-chave neste mercado. Os iogurtes beneficiam do facto de serem vistos pelo consumidor como uma proposta saudável, o que tem tido reflexo directo na resposta positiva às propostas dos fabricantes. Nesse sentido, merecem destaque as evoluções sentidas nos segmentos Bifidus, tanto na formulação líquida como sólida, ou ainda as variações registadas no segmento defesas activas (igualmente formulação líquida), que evoluiu 218 por cento em volume e 231 pontos em valor. É certo que neste caso a base de partida é bastante mais pequena, mas mesmo assim falamos de propostas que já representam 18 milhões de euros por ano, ou seja, bem mais do que muitos sectores do ramo alimentar. Os iogurtes pedaços também assinalam bom comportamento, ainda que bastante mais modesto: o segmento vale 35 milhões de euros por ano e cresceu a ritmos de 9,5 por cento em valor e 8,3 pontos em volume. Por contraponto, encontramos os iogurtes de aromas (menos 3,9% em quantidade e 5,8 pontos em valor). Na mesma lógica, a performance do segmento magros sólidos também deixou muito a desejar, depois de uma quebra de 13 por cento em quantidade e 1 ponto em valor. Representa vendas de 34 milhões de euros por ano.

O linear de iogurtes é hoje bastante mais confuso, dada a profusão de marcas, sabores e formulações que foram lançadas nos últimos anos. De uma forma geral, é de salientar o peso dos iogurtes líquidos no total de vendas, acima da média europeia, e o crescente peso de referências que apelam a estilos de vida saudáveis. O consumo de iogurtes deixou de ser sazonal e, mais que tudo, passou a fazer parte dos hábitos de vida de largas faixas da população, quando há uns anos estavam muito ligados aos segmentos mais juvenis. Este terá sido, aliás, o elemento que permitiu taxas de crescimento extremamente elevadas.

Estrangeiros em evolução

O queijo é um mercado que representa vendas anuais perto dos 300 milhões de euros, tendo evoluído de forma modesta no período em análise, mas mesmo assim em plano positivo. Falamos de um crescimento de 3,4 por cento em quantidade e de exactamente a mesma variação em valor, segundo reporta a Nielsen para o ano móvel Outubro/Novembro 05. Este cenário indica a manutenção dos preços, ou seja, sem capacidade de acompanhar a inflação, mas não deixa de ser uma performance interessante na medida em que estamos perante um cenário bastante difícil para o grande consumo.

O segmento flamengo obtém actualmente uma participação de 48% em quantidade e de 43% em valor. A última análise Nielsen indica que este género de queijo está estagnado (queda de um ponto percentual em valor e subida de 1,2 em volume), o que representa uma recuperação face à tendência de decréscimo que se verificou nos últimos exercícios. Este queijo continua, a ser o mais importante segmento, gerando vendas na ordem dos 125 milhões de euros.

Tal como já havíamos reportado há um ano atrás, os queijos estrangeiros estão com uma performance assinalável, ao evoluírem na ordem dos vinte por cento nos dois indicadores. O segmento é ainda pequeno face ao total de mercado (23 milhões de euros) mas encontra-se em franca expansão. E falamos, apesar de tudo, de montantes com algum significado no universo alimentar.

Quanto ao denominado queijo prato, regista-se uma clara estagnação das vendas, num segmento que representa 75 milhões de euros por ano, ou seja, praticamente 25% do total de mercado. Como se verifica, os dois grandes segmentos deste mercado, que são obviamente os que apresentam maior grau de penetração junto do consumidor, encontram-se relativamente estagnados, com variações mínimas quer em volume quer em valor. E é precisamente esta estagnação nos maiores segmentos que leva o mercado a evoluir no período em análise 3,4%, uma vez que os restantes cresceram a níveis bem superiores, mas o seu menor peso não permitiu potenciar as vendas globais de forma significativa.

Ainda assim, é de registar que os acréscimos nesses outros segmentos não estão a provocar uma transferência de consumo, uma vez que os maiores estão com evoluções estagnadas. Assim sendo, a conclusão a tirar é que o consumo de queijo está de facto a aumentar, mas muito centrado em propostas diferenciadas, como por exemplo os queijos estrangeiros ou o queijo fresco (crescimentos à volta dos 12% e tendo em atenção que movimentam 30 milhões de euros anuais).

Co-liderança

Este é um sector bastante atomizado ao nível das empresas, com muitos pequenos produtores, mas que é liderado pelas principais companhias presentes no mercado português. O grupo Bel, através das marcas Limiano e Terra Nostra, que ficaram na sua posse com a aquisição da Lactoibérica, lidera as vendas, seguido da Lactogal, mas neste caso com uma participação do segmento queijos limitada face à facturação total da empresa. Ou seja, o mercado é liderado por uma empresa que faz do queijo o seu core business e secundado por outra mais abrangente ao nível de portfólio. Em conjunto, as duas companhias, que apresentam posições muito próximas, perfazem cerca de 50% das vendas, considerando aqui também o fabrico de marcas do distribuidor.

Tirando as duas principais empresas deste ramo de actividade, é de salientar o facto de outras terem opções estratégicas diferenciadas. A Lactalis, como se disse, aposta nos queijos importados, detendo uma quota aproximada de três por cento. Quanto à terceira maior empresa, a Queijo Saloio, com uma quota de 5,6%, tem apostado numa clara estratégia de diferenciação e de liderança de nichos, o que também resulta da muito maior pressão sobre os fabricantes nos segmentos mais tradicionais. Clara Moura Guedes é objectiva quanto a esta situação: «Regista-se alguma dinâmica em termos de inovação mas o grande esmagamento das margens motivado pela pressão, que se intensificou seriamente durante 2005, do cada vez menor número (e com maior peso) de cadeias de distribuição reduziu fortemente a capacidade de investimento das marcas cujo objectivo seria um aumento do consumo per capita desta categoria», confirma a administradora-delegada da Queijo Saloio.

Com um consumo abaixo da média europeia (10 kg contra 17) o queijo passa por alguma indefinição em função dos negócios desenvolvidos pela Lactalis. Habituada a posições cimeiras, a empresa é a principal responsável pela colocação de queijos importados em Portugal, o segmento que evolui de forma mais favorável, e a sua força em Espanha faz pensar que o nosso país será naturalmente um mercado a ter em conta, especialmente depois dos últimos negócios estabelecidos pela companhia (ver peça anterior).

A importância do queijo no contexto alimentar fica bem expressa quando olhamos para qualquer ponto de venda. Estes produtos ocupam um linear inteiro – a oferta é muita e acima de tudo diversificada – ao que se junta a venda em charcutaria, o chamado queijo barra fatiado. São produtos com elevada taxa de penetração em todas as regiões do país e em todas as faixas etárias, razão pela qual apresentam um consumo homogéneo que justifica o espaço concedido pelos distribuidores em linear. As marcas próprias têm ainda pouco peso, na ordem dos 14% em volume e 10 pontos em valor, pois a marca continua a ser um elemento de diferenciação importante para o consumidor. Registe-se ainda a crescente tendência para consumo de fatiados, especialmente nos segmentos mais tradicionais.

Outros segmentos

Resta ainda falar das natas e da manteiga. No primeiro caso falamos de um mercado onde são comercializados cerca de 18,5 mil milhões de euros, divulga a Nielsen, e que sofreu uma evolução de seis pontos percentuais no período em análise. Apesar da conotação como produto menos saudável e que provoca colesterol, as natas parecem ser cada vez mais utilizadas a nível gastronómico, nomeadamente para confecção de pratos, o que terá permitido a subida. De facto, em quantidade a evolução quase chegou aos cinco pontos, o que mostra maior apetência para consumo. Os níveis de consumo são, todavia, baixos, ainda que semelhantes ao resto da Europa. Mas as potencialidades de crescimento não virão decerto do consumo directo.

As natas UHT dominam o mercado com uma participação à volta dos 80%, ao mesmo tempo que se assiste à crescente penetração dos conceitos de marca própria. Estas representam, segundo a ANIL, cerca de 30% das vendas em volume e pouco mais de 20 pontos em valor. Os fabricantes têm feito um esforço para diversificar este segmento, acrescentando mais valias aos seus produtos, o que explica um crescimento em valor (seis pontos) superior ao volume (4,9%). Mesmo assim, está longe de ser uma área particularmente dinâmica ao nível da inovação.

Já na manteiga, Portugal tem um consumo razoavelmente baixo em relação à média europeia e muito inferior a alguns países. A principal explicação para este facto deriva dos hábitos de consumo, e nomeadamente da utilização de azeite e óleos como principais gorduras alimentares em Portugal, enquanto noutros países é utilizada manteiga. De qualquer forma, o mercado tinha vindo a quebrar mas as descidas foram de alguma forma controladas com a introdução de novos produtos, como por exemplo o segmento magro, uma novidade da Matinal – marca já de si conotada com qualidade – e que obrigou os restantes fabricantes a realizarem esforços a diversos níveis, incluindo packaging mais atractivo. Os níveis de consumo estancaram a sangria que se verificava a dada altura.

Contudo, é de salientar que nem todas a inovações mereceram por parte do consumidor a receptividade esperada. Veja-se o caso das fáceis de barrar, segmento aberto com a manteiga de origem neo-zelandesa Anchor. Utilizou-se uma embalagem de margarina para acondicionar o produto, colocou-se na fronteira entre manteigas e margarinas no linear e mesmo a cor lembrava mais margarina. Resultado: um dos maiores flops verificados no sector.

Para esta área de negócio, os números Nielsen apontam uma evolução negativa de 2,2% em volume e 3,6% em valor, num negócio que ultrapassa os 50 milhões de euros anuais. A descida maior em valor prende-se com o crescente sucesso das marcas próprias neste mercado, as quais atingirão já quotas na ordem dos 20% em quantidade e 16 pontos em valor. A manteiga com sal continua a dominar o mercado, sendo responsável por 95% das vendas, contra uma participação mínima da manteiga com sal.

O sector de lacticínios continua a ser incontornável na dieta alimentar dos portugueses, sendo certamente uma das áreas mais dinâmicas do grande consumo. É um mercado que beneficia do facto de a rede de frio se ter espalhado por todo o país, o que levou à disseminação do consumo, mas que pela mesma razão exige maior esforço por parte de fabricantes, nomeadamente para entrada em linha, e de distribuidores, devido ao necessário controlo de stocks e rotação de produto na prateleira. Caracterizado hoje por conceitos de conveniência e apelando a benefícios para a saúde, o mercado de lacticínios continua a ser essencialmente local, uma vez que, em grande parte dos casos, falamos de produtos com um período de vida curto. Do ponto de vista logístico, portanto, tal facto dificulta um crescimento demasiado elevado dos produtos importados, permitindo aos fabricantes locais manterem um peso fundamental para que a cadeia comercial consiga responder aos anseios do consumidor.