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Categorias especiais impulsionam leite

Por a 17 de Março de 2006 as 16:16

Categorias especiais impulsionam leite

O sector de leite e lacticínios representa cerca de 20 por cento das compras alimentares dos portugueses, o que por si só revela bem a preponderância que tem no contexto da cadeia comercial. É também uma das secções mais ricas e complexas no ponto de venda devido à diversidade de oferta, à exigência de frio e apertados prazos de validade. Com níveis de penetração elevados em todos os segmentos, é nas categorias especiais que se está a conseguir gerar valor no mercado.

Adivinham-se significativas mudanças no mercado de leite e lacticínios português, em virtude do novo posicionamento internacional da Lactalis. De facto, ao estabelecer um acordo com a Nestlé para a gestão da sua carteira de produtos na área de lácteos frescos e também na sequência da aquisição da italiana Galbani, a empresa passou claramente a ser o número dois mundial no sector. Posição esta que poderá inclusivamente vir a ser reforçada dentro de três anos, quando se perspectiva a hipótese de a Lactalis adquirir a totalidade do capital da empresa onde agora estabeleceu uma parceria com a Nestlé. Ora, tendo também em atenção a forte presença da Lactalis em Espanha, onde já está nos cinco primeiros players, é de esperar que, de forma natural e atendendo aos níveis de consumo per capita elevados em Portugal, esta seja a oportunidade que os franceses procuravam para reforçar a presença em Portugal, a qual até agora era relativamente modesta, baseada num esquema de representação e muito centrada nos queijos franceses.

Tudo indica que esta presença possa vir a ser alargada a outras áreas de produto, como por exemplo o leite. Esta hipótese poderá recolher particular interesse junto da Distribuição, na medida em que tradicionalmente esta não gosta de trabalhar com o único fabricante com grande força, como acontece com a Lactogal. Além disso, os canais de comunicação entre a Lactalis e o retalho estão já estabelecidos, pois a empresa tem uma posição interessante no fabrico de marcas próprias através da operação em Espanha.

Ou seja, a hegemonia da Lactogal no leite UHT, onde na altura da sua constituição detinha uma quota de 80%, mesmo que esta entretanto tenha baixado um pouco em função do crescimento da marca própria e do primeiro preço, poderá ser colocada em causa. Recorde-se que o gigante Parmalat nunca conseguiu verdadeiramente implantar esta área de negócio no país, mas a equação, face às movimentações acima descritas, poderá agora receber novas parcelas. Neste cenário, todavia, não são de esperar grandes avanços por parte dos espanhóis da Celta, que deverão continuar centrados no fabrico de marcas do distribuidor.

Adivinha-se assim um cenário bem mais competitivo, pois naturalmente a Lactogal não estará disposta a abdicar de posições sem dar, também ela, uma resposta adequada ao nível da eficiência operacional. Por outro lado, o advento dos discount e a própria estratégia comercial das restantes insígnias são aspectos que colocam grande pressão no preço e favorecem o crescimento das marcas de distribuidor. Contexto que, como veremos mais à frente, constitui outra das tendências mais marcantes deste mercado.

UHT domina por completo

O consumo de leite em Portugal, tendo níveis superiores à média – 80% da população consome o alimento de forma regular -, diverge claramente do resto da Europa, pois está praticamente concentrado no UHT (95%), contra uma posição muito mais forte do pasteurizado a nível europeu. De facto, com excepção do canal Horeca, o consumo de leite UHT domina o cenário nacional, mas assiste-se hoje em dia a uma diversificação importante devido à crescente penetração dos leites especiais, ainda que sempre dentro da formulação UHT. De acordo com a Nielsen, o leite pasteurizado representa vendas de 15 milhões de euros, decaindo 6% em valor e 7,4% em volume no ano móvel Outubro/Novembro 05, enquanto o UHT ascende a 233 milhões de euros, igualmente em quebra mas a níveis inferiores (5,1% em valor e 3,2 pontos em volume). Por contraponto, os leites especiais (ver quadro) evoluíram na ordem dos 11 pontos percentuais em ambos os indicadores e representam já vendas acima dos 50 milhões de euros.

O foco tem estado nos leites capazes de suprirem carências alimentares e também nos grupos etários, especialmente bebés ou, por via indirecta, mamãs. Contudo, o mercado de 3ª idade está ainda pouco explorado, apesar de apresentar elevado potencial de crescimento. Falamos de uma faixa etária com crescente qualidade de vida, mais poder de compra e, acima de tudo, mais anos de vida, o que aumenta o espaço de consumo. Tendo em atenção as dificuldades na digestão, por exemplo, ou toda a problemática ligada à osteoporose, este poderá ser o próximo nicho a ser trabalhado de forma sustentada pelos fabricantes.

Este aspecto é por exemplo confirmado por Patrícia Coelho, da Parmalat, ao falar das tendências de mercado, exemplificando com a actividade da empresa: «Denota-se maior disponibilidade por parte dos consumidores para pagarem preços Premium por produtos de valor acrescentado com benefícios para a saúde. O consumidor está cada vez mais exigente e informado, procurando produtos adaptados às suas necessidades». Nesse contexto de diversificação, «a Parmalat lançou Soyamilc, uma bebida que alia os benefícios nutricionais do leite e da Soja. Na área dos leites aromatizados apresentou uma bebida de leite com café Ucal. Trata-se de uma extensão de linha do leite com chocolate Ucal». Ou seja, as empresas inovam trazendo benefícios adicionais para a saúde e acrescentam igualmente variedade às referências mais tradicionais do mercado.

Pouca gordura

Outro aspecto absolutamente decisivo no mercado de leite é o desaparecimento progressivo da formulação gordo, que hoje em dia representa apenas 9% das vendas em valor do UHT tradicional. O segmento, mais uma vez, desceu 11% em volume e 13% em valor, confirmando em pleno a tendência deste sector para ser impulsionado por conceitos favoráveis à saúde. Na realidade, o mercado nacional é mesmo um caso particularmente saliente neste aspecto. A conotação negativa da palavra gordo está, realmente, a condicionar as escolhas do consumidor. Em Espanha, por exemplo, este tipo de leite é denominado inteiro, e a verdade é que o segmento ainda representa 50% das vendas.

O leite meio gordo também desceu no período em análise (ano móvel Outubro/Novembro 05), mas a níveis bem inferiores, enquanto a formulação magro foi a único que viu subir os dois indicadores: seis pontos em quantidade e cerca de 3% em valor. O cenário tem algum paralelismo com o segmento leites especiais, onde o gordo, sendo praticamente inexistente, continua a descer, enquanto o magro evolui de forma muito mais vincada do que o meio-gordo, com crescimentos na ordem dos trinta por cento face a acréscimos de três pontos na categoria intermédia (ver quadro).

Do ponto de vista industrial, e voltando à questão do leite UHT vs pasteurizado, é de referir que este último deverá continuar a sofrer grande pressão, pois as mais recentes tecnologias que passam por filtração e altas pressões estão a permitir cada vez menos a utilização de calor, tendo por consequência a capacidade de manter a qualidade do leite. Assim, o leite pasteurizado, que coloca enormes dificuldades do ponto de vista logístico devido ao prazo de validade, deverá continuar a desaparecer dos lineares portugueses.

O leite pasteurizado até responderia melhor aos conceitos de saúde que têm invadido o mercado, sendo um produto mais natural e, como tal, conotado como saudável. Contudo, as alternativas especiais no UHT estão a deixar pouco espaço de manobra.

Marca Própria

Um dos aspectos centrais no mercado de leite é a crescente penetração das marcas de distribuidor. Os números mais recentes da Nielsen apontam para uma participação de 22% em volume e 18% em valor, mas a Anil chega mesmo a avançar com participações na ordem dos 30 pontos percentuais nos seus estudos. Por outro lado, acrescente-se que os números da Nielsen deixam de fora o primeiro preço, que em muitos casos também já está na esfera do distribuidor. Este é um sector com uma elasticidade de mercado extremamente baixa, essencialmente devido aos altos níveis de penetração que não variam muito independentemente do preço. Contudo, uma diferença de preço assinalável entre produtos expostos lado a lado pode, de facto, condicionar a escolha do consumidor, o que naturalmente tem favorecido a marca própria.

A este propósito, Pedro Pimentel, secretário-geral da ANIL, esclarece que «é uma situação que de facto não tem grande retorno e que coloca as empresas num contexto extremamente complicado. Há uma exigência crescente, como é normal. O que já não é tão correcto é jogar-se com margens predefinidas e com aspectos que estão muito para lá do que seria comercialmente correcto. A marca própria tem associada uma colagem à marca tradicional e também um conjunto de vantagens para o distribuidor, como por exemplo não pagar para entrada em linha, e que depois concorre directamente com as restantes marcas. Logicamente, isto tem um resultado positivo para o consumidor no curto prazo, mas numa perspectiva mais duradoura é prejudicial para todos, incluindo a própria distribuição».

O responsável alerta ainda para o facto de uma excessiva preponderância da marca própria poder afectar de forma estrutural a própria indústria, o que terá consequências nefastas para o mercado: «Estamos a falar de fees de entrada que ascendem a largas dezenas de milhar de contos. E que quantidade é preciso vender só para recuperar esse investimento? Mais, que garantias tenho que o posicionamento em linear vai ser respeitado? E se não vendemos não investimos, nomeadamente em Inovação. Como a Distribuição, e bem, copia as outras marcas, isto poderá gerar estagnação no mercado. E no caso dos lacticínios os investimentos são ainda maiores porque implicam frio».

Estamos perante um mercado particularmente concentrado do lado da indústria – a Lactogal tem uma força rara – mas que está cada vez mais espartilhado no desenvolvimento das marcas de distribuidor como alternativa barata e credível. Nesse sentido, a única forma de gerar valor no mercado parece ser o desenvolvimento de categorias especiais que possam trazer benefícios adicionais ao consumidor, justificando maiores margens tanto para fabricantes como para lojistas.