FMCG Vinhos

União faz a força

Por a 17 de Fevereiro de 2006 as 10:16

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A Hipersuper reuniu numa Mesa Redonda, quatro das principais personalidades do sector vitivinícola nacional. Manuel Pombal (presidente do IVV); Vasco d´Avillez (presidente da ViniPortugal), Paulo Amorim (presidente da ANCEVE e G7) e José Manuel Costa e Oliveira (presidente da Fenadegas) deixaram claro que o sector está unido face ao contexto de incerteza que lhe tem sido imposto.

Hipersuper: A recente criação da ASAE traz algumas implicações para o sector vitivinícola nacional. Nesta fase, qual a posição do sector face a esta medida governamental?

Manuel Pombal: Não querendo pronunciar-me em relação à bondade da solução que estará subjacente à criação deste novo diploma, efectivamente há quem defenda que o sector agro-alimentar necessita de um organismo de fiscalização único numa perspectiva de facilitar a vida aos agentes económicos. Gostaria, no entanto, dizer que estou de facto preocupado com o seu conteúdo, uma vez não está coerente com a postura de transferência das funções de fiscalização na globalidade para este novo organismo.

No que respeita ao Instituto da Vinha e do Vinho (IVV), cujas competências compreendem, para além da fiscalização, o controlo e disciplina, principalmente incidentes a montante da introdução dos produtos vinícolas no mercado. Ou seja, o controlo que o Instituto faz e sempre fez ao longo da sua existência incide principalmente a partir da vinha e sucessivamente nos agentes económicos e nos produtos vinícolas, competências que não foram transferidas para a ASAE. Por outro lado o IVV também é o organismo do Estado que controla e gere as medidas de intervenção e organização no mercado vitivinícola, as quais eram e são executadas através dos serviços de fiscalização do IVV. Ora quando este diploma vem ou se permite revogar as disposições legais da Lei orgânica do IVV, isso quer dizer na prática que a partir de 1 de Janeiro de 2006 essa gestão de medidas de intervenção e fiscalização dos produtos vitivinícolas estariam pura e simplesmente no vazio total.

As minhas preocupações incidem precisamente neste ponto do vazio, ou seja, no conflito de competências negativo que neste momento parece existir. Por um lado, a não transferência de funções e competências para a ASAE e, por outro, os serviços de fiscalização do IVV que antes exerciam essas competências que estão contempladas na transferência para a ASAE. E ainda outras que caíram no vazio porque o instrumento que o IVV tem para proceder a esse controlo e fiscalização foram pura e simplesmente eliminados. Convém ainda acrescentar que um dos serviços que foi extinto no IVV foi o laboratório – acreditado para mais de 40 parâmetros – sendo que é o instrumento fundamental para o controlo que o IVV efectua. Evidentemente, podemos sempre teoricamente dizer que, como o laboratório é transferido para a ASAE, nada impede que se faça um protocolo entre o IVV e o novo organismo para que seja prestado esse serviço, não havendo qualquer inconveniente nessa medida.

H: Além de se colocar também a questão patrimonial do IVV?

Manuel Pombal: Correcto, ainda ninguém clarificou se o próprio património do IVV é ou não transferido para essa nova organização. O diploma não é claro nesta matéria, dando a entender que existe a vontade de transferir o património do IVV para a ASAE. Como jurista tenho, no entanto, algumas dúvidas que isso seja possível.

Que o diploma, ou melhor, o autor material do diploma cometeu muitos erros, não há dúvidas. Sinceramente, nunca vi documento tão mal redigido. O diploma está mal concebido no que diz respeito às disposições aplicadas ao IVV, gerando ainda mais confusões. Que me recorde, a partir do dia 2 de Janeiro houve inclusivamente nos órgãos de comunicação social um alerta no sentido de que vários organismos contemplados neste diploma tinham caído todos no vazio. Ou seja, normalmente diplomas deste tipo têm de prever, de estipular no seu articulado, disposições transitórias para que os serviços e funções de determinados organismos transitem para outro. Aqui não se trata de um passo de magia. Não se começa um novo ano a dizer que o diploma entra em vigor em tal data e que por um toque mágico está tudo bem e tudo é ou foi transferido de um lado para o outro. Isso é impossível. Portanto, parece-me que neste ponto os autores materiais do diploma não previram essas questões.

H: E os autores materiais do diploma em causa ouviram o IVV e o sector vitivinícola em geral?

Manuel Pombal: No IVV tenho de dizer que tivemos conhecimento do diploma oficialmente no mês de Dezembro de 2005.

Vasco d´Avillez: Acrescento que a notícia referente a este diploma saiu na imprensa em Outubro de 2005.

José Costa e Oliveira: A gravidade primeira nesta questão está exactamente no facto de passar a existir um novo serviço que se propõe tutelar um sector muito específico e que o faz perfeitamente isolado do sector. Quando nós na Fenadegas nos apercebemos que está a circular um novo diploma, de imediato chamámos à atenção para três ou quatro aspectos que entendíamos como perfeitamente inconciliáveis com o sector, além de muito “perigosos” para a própria ViniPortugal. Do outro lado responderam que ainda bem que nos contactaram e chamaram à atenção, porque não faziam ideia nenhuma que as coisas estavam neste estado. Era portanto urgente que nos sentássemos todos à volta da mesma mesa. Isso não foi feito. Em vez disso fomos atropelados por notícias de toda a ordem, algumas coincidentes outras não, e o resultado está à vista.

Resumindo, nada foi feito, está em Diário da República, entrou em vigor, está criado um vazio e uma grande desorientação porque não houve o essencial cuidado de chamar as pessoas interessadas e falar com elas.

Vasco d´Avillez: Falando do ponto de vista da promoção e como presidente da ViniPortugal, responsável por essa mesma promoção do vinho nacional, o contacto connosco foi zero. Soubemos da existência deste diploma porque, mercê do articulado inicial, antes de ser aprovado em AR, haveria alguns sindicatos que tinham de aprovar a mudança de alguns funcionários e foi através de cópias vindas desses sindicatos que tivemos conhecimento. Isto não está de forma alguma correcto e nunca os autores deste diploma podem reclamar que ouviram o sector ou que foi feito de acordo com o sector. Não foi nem está a ser, porque estamos no princípio do ano e a fileira continua sem ser ouvida.

Um sector adormecido?

H: Já em 6 de Dezembro de 2005, por altura do Fórum da ViniPortugal, tinha sido abordada esta questão e do lado da fileira não se ouviram reacções em relação a este diploma.

Paulo Amorim: Este é um problema complexo, denso e diria até desagradável, de maneira que não desperta tanta paixão como assuntos como a taxa de alcoolémia ou do património levantados há algum tempo. De facto não foi só no Fórum da ViniPortugal que notei que o sector está algo adormecido em relação a este assunto, porque não é um tema onde facilmente se define o que é preto e o que é branco. Há aqui muitas variáveis, há aspectos muito densos que só alguns dirigentes associativos que estão na posse de dados mais globais e abrangentes conseguem decifrar de uma forma mais fácil, não porque as pessoas deste sector não sejam inteligentes, bem pelo contrário, mas porque de facto, devido a estarem emersas no seu dia-a-dia que é produzir e vender vinho, têm pouco tempo disponível para questões desta natureza.

Como dirigente associativo pedi audiências sucessivas ao secretário de estado, Luís Vieira, desde que tomou posse em Março e nunca obtivemos resposta a essas petições, pautando-se a atitude da tutela por um silêncio total. Caímos até no facto insólito de sermos recebidos (FEVIN) pelo ministro da Agricultura, Desenvolvimento Rural e Pescas, sendo que era para estar presente o secretário de estado, o que não aconteceu. Até em termos de ViniPortugal, local de realização desta Mesa Redonda e que fica localizada por debaixo do Ministério da Agricultura, batemos à porta e passados cinco minutos fomos recebidos pelo Ministro, existindo portanto uma facilidade enorme em chegar à fala com o Ministro, contrastante com a dificuldade em contactar com o secretário de estado.

Para além deste documento sobre o qual o Dr. Manuel Pombal se pronunciou e que tenho de dar os parabéns, sobretudo pela posição que ocupa como presidente do IVV, existe ainda um outro que é quase um documento secreto de que toda a gente nega a autoria, mas que existe em papel timbrado no Ministério e que motivou até uma legenda no Diário de Notícias que talvez num outro País mais civilizado teria gerado demissões de alto nível no Ministério da Agricultura. Essa tal legenda dizia: “Ministro da Agricultura nega autoria de documento emanado no Ministério”. De facto o documento está imprimido em papel timbrado do Ministério. É possível do ponto de vista jurídico que tivessem assaltado o Ministério e roubado o papel timbrado e escrito sobre ele, mas pelo conhecimento que temos não foi isso que se passou. Esse documento existe e talvez seja ainda mais assombroso do que este em relação ao sector. Contém projectos, directivas, reorganizações e invenções algo peregrinas que se passam um pouco no reino do obscuro. Os seus autores negam a sua autoria, o Ministro nega a sua autoria, e depois o documento está omnipresente em todas as reuniões que há do sector. A colocarem-se em prática algumas directivas desse documento, provavelmente as CVR´s implodem, deixam de ter existência, afecta-se a ViniPortugal e mais uma vez o IVV. Estamos para ser esclarecidos quanto a esta matéria até hoje.

O Ministro, vendo o clima de crispação que estava a ser criado por todas estas atitudes por parte de agentes do Ministério, decidiu em Novembro passado começar a ouvir as regiões. Mas pelo que sei de algumas dessas visitas não são tomadas muitas notas em relação ao que os dirigentes e agentes dizem. Por isso também nos perguntamos, embora as comitivas que integram essas visitas sejam majestáticas, se isto não será simplesmente um teatro.

H: Conclui-se, portanto, que a tutela está a ouvir o sector depois do diploma ser aprovado. Em Portugal funciona-se ao contrário?

Paulo Amorim: Precisamente. O Dr. Vasco d´Avillez tinha uma expressão muito engraçada, referindo os “filhos das trevas”, mas em Portugal todos sabemos que existe uma tendência para a fraude em vários sectores e também no nosso, e portanto estes “filhos das trevas”, hoje como o Dr. Pombal diz, sentem-se impunes, porque amanhã o presidente do IVV manda, se é que ainda quer mandar, um fiscal ao terreno e podem muito bem dispensá-lo, dizendo que nada tem a ver com o assunto, já que não é a ele que cabe essa fiscalização.

H: Pelo que se percebe há aqui uma grande incerteza por parte do sector quanto às competências do IVV, mas também em relação às próprias CVR´s e outras associações?

Vasco d´Avillez: A ViniPortugal está com uma presença muito forte na área da promoção, na qual os agentes económicos depositam grandes esperanças, aliás com razão. Temos prometido fazer e temos conseguido orçamentos para levar essas promessas a bom porto. A ViniPortugal depende essencialmente do IVV. A taxa de promoção do vinho, que é o que abastece a ViniPortugal para levar a cabo esta promoção, é cobrada pelo IVV. Se amanhã desaparecer for reduzido a uma outra figura qualquer, tudo o que está ligado sairá prejudicado.

H: Estamos a falar da extinção do IVV?

Vasco d´Avillez: Estamos a falar de medidas que não têm uma atitude integrada. Faz-se uma coisa, acaba-se com algo que funciona, mesmo não sendo perfeito, e é substituído por nada.

Manuel Pombal: Certamente que existe uma opção no sentido de centralizar num único organismo o controlo e fiscalização do sector agro-alimentar. Quem depois elaborou este diploma é que não teve o cuidado de consultar os vários intervenientes em todo este processo, porque o que resulta das disposições desse diploma é que, quem o elaborou, desconhece na totalidade o que é o sector vitivinícola português e o que é a fiscalização do mesmo. Ao não ter acautelado e ouvido as pessoas que conhecem o sector, este diploma carece de enormes aperfeiçoamentos.

Não tenho dúvidas nenhumas que vai ter de ser rapidamente reformulado. Para confirmar este facto, numa primeira versão à qual tive acesso de forma não oficial através do Sindicato da Função Pública, a redacção inicial resumia-se a isto: “trânsito de uvas”. Como se a fiscalização do sector vitivinícola se limitasse ao trânsito de uvas. Ou seja, parece que fiscalização se limitava aos 15 dias ou três semanas das vindimas. Reparem portanto no desconhecimento que os autores deste diploma possuem relativamente à matéria complexa que está aqui em causa. Tenho de afirmar que este diploma foi elaborado de uma forma leviana que de facto só pode dar este resultado.

As reacções esperadas

H: O que é que o sector vitivinícola poderá então fazer?

Manuel Pombal: O sector vitivinícola já fez uma coisa: o IVV, como entidade responsável que é, já veio dizer que todas estas questões, todas estas dúvidas, problemas e toda esta confusão iriam de facto acontecer. O IVV tomou as providências que estavam ao seu alcance no sentido de não deixar ficar um vazio durante este período em que a ASAE não terá capacidade para fazer controlo nenhum e por isso vai continuar a executar a fiscalização e controlo como até agora, até porque as funções e as competências e atribuições não lhe foram revogadas. O curioso está realmente neste facto. é que as atribuições e competências do IVV continuam a ser as mesmas. Aquilo que lhe foi revogado foi o instrumento, o serviço que executava esse controlo e fiscalização. Veja-se portanto a confusão do autor do diploma, o desconhecimento total da realidade vitivinícola nacional.

H: Se existir de facto uma transferência de competências para a ASAE, o financiamento também vai ser incluído?

Manuel Pombal: Penso que esta ronda que o ministro da Agricultura está fazer para ouvir o sector vitivinícola é no sentido de auscultar o sector e tomar conhecimento in loco das preocupações que lhe vão sendo manifestadas. Julgo que decidirá em função do que julgar ser melhor para a fileira vitivinícola nacional.

No que diz respeito ao IVV, ou melhor, ao futuro do sector vitivinícola, a questão é simples: ou se mantém uma organização vertical, e então é necessário existir um organismo como o IVV ou com outro nome que contemple e actue no âmbito do sector desde a vinha até à comercialização, ou verificar-se-á a horizontalização dos serviços da administração do respectivo sector.

H: E o que tem a dizer quem produz e comercializa?

Paulo Amorim: Para lançar alguma polémica para este debate, tenho de dizer que não concordo com o que o Dr. Pombal acabou de referir. Penso que o resultado da visita do Ministro vai ser zero, por várias razões. Primeiro pela forma como estão a ser feitas estas visitas, segundo porque elas são irónicas, porque se o documento já foi publicado no passado dia 2 de Janeiro, muito do que está a ser dito pelo irá ter pouca importância prática. Depois a própria condicionante de futuro político do Ministro, porque apesar de ser uma pessoa bem intencionada e competente, e que no meu ponto de vista nas recentes negociações com Bruxelas teve um papel bastante interessante, é cilindrado pelas forças do aparelho do Partido Socialista que ambicionam ocupar o lugar dele dentro da filosofia dos “jobs for the boys” que também está a tentar ser implementada dentro do Ministério da Economia.

H: Mas o sector contactou a tutela antes da entrada em vigor do diploma?

Paulo Amorim: Quando foi pedido ao sector no dia 4 de Novembro para se pronunciar dentro de um mês, prazo que afinal não existia, mas que nessa reunião foi dado com muita determinação, o sector respondeu que já tinha a resposta, através dos documentos que foi elaborando ao longo de todos estes anos.

Nós inclusivamente temos relatórios elaborados pela Monitor, temos tudo o que é deliberado no Conselho Consultivo do IVV, que aliás quero elogiar, porque é um órgão onde conseguimos dirimir as nossas divergências, conversar uns com os outros, ter uma voz única para o sector. Gostaria de lembrar que o sector, noutras situações críticas como foi a taxa de alcoolémia e o património, soube unir-se e dar uma resposta que inclusivamente teve um impacto político brutal. Se bem se lembram, a taxa de alcoolémia foi uma das gotas de água, ou melhor, de vinho, que fez transbordar o copo e cair o consulado Guterres. No segundo caso, foi uma das gotas que fez cair o governo de Pedro Santana Lopes. Quando é necessário capacidade para unir e falar com uma voz única, o sector demonstra-o.

O sector, durante muito tempo debateu a Lei 212/83 que contempla a reforma institucional, que já vem do tempo deste secretário de estado, Luís Vieira. Quando era secretário de estado do governo de Guterres, o sector discutiu toda esta reorganização do sector, pronunciou-se com uma voz única via Conselho Consultivo do IVV e isso foi metido na gaveta, tal como foi metido na gaveta pelo secretário de estado Bianchi de Aguiar, perdendo-se oportunidades únicas para regulamentar toda esta legislação. Agora é-nos perguntado o que queremos e nós já temos esses documentos prontos há bastante tempo.

Portanto é escusado estar sempre a inventar a pólvora, porque ela já está inventada e, de facto, gostava de recordar que este é um momento único em que existem projectos promocionais de alguma forma liderados pela ViniPortugal, mas em que organismos como a Fenadegas, Comissão dos Vinhos Verdes, Comissão do Alentejo, o IVDP, o G7, agora junta-se o Instituto do Vinho da Madeira, todos estão com projectos promocionais em todo o mundo com um nível de investimento e de profissionalismo que nunca tinha sido visto em Portugal. Por isso, enquanto nós tentamos fazer vingar o vinho português no exterior, uma vez que todos os economistas já se pronunciaram sobre a matéria e como não podemos valorizar a moeda que era a nossa única saída para sairmos do abismo, é preciso aumentar as nossas exportações. Enquanto estamos a fazer este esforço no sector do vinho e os vários mercados têm correspondido de forma bastante positiva, os nossos governantes estão a dar sucessivamente tiros nos pés e a dificultar-nos o trabalho.

Vasco d´Avillez: Com uma ironia, isto tudo a acontecer e a dizerem-nos que o sector vitivinícola é muito importante, que têm toda a consideração pelo sector, que as exportações são fundamentais. Então não diz a cara com a careta. As coisas não estão a condizer.

José Costa e Oliveira: Para além de tudo o que já foi referido, o sector vinha reclamando mais fiscalização. Passam-se coisas que ninguém deseja e com a adopção deste modelo e com o vazio criado, esta situação vai acentuar-se. O sector, como dizia o Dr. Paulo Amorim, quando quer sabe reagir e eventualmente ainda teremos de traçar uma etapa destas quando as pessoas tomarem bem consciência da desconsideração que foi feita e dos inconvenientes que essa desconsideração vai ocasionar. Então aí nós estamos muito bem organizados, não só em redor do Conselho Consultivo do IVV que existe e funciona, mas também nós todos, enquanto produção e comércio. Todos temos as nossas estruturas perfeitamente montadas para dar uma resposta e afigura-se que vai ser necessária uma actuação dessa natureza dentro de muito pouco tempo.

Vasco d´Avillez: É importante que aos leitores da Hipersuper ficasse claro que o nosso sector, desde há bastante tempo, reclama uma modernização, mas não tinha a ver com o que está a ser proposto agora. Tinha sim a ver com a Lei 8/85 que precisava de ser remodelada. Ainda temos muitas Denominações de Origem e CVR´s a precisar de remodelação e sobre este assunto só tem havido protelamento.

Nós temos receio de que alguma coisa seja feita sem o sector ser novamente ouvido e que não seja de facto aquilo de que necessita. Nós queremos a modernização, mas temos de ser parte ouvida. Outra coisa que parece ser importante frisar, é que, ao contrário do que tem vindo na imprensa, a ViniPortugal vê a continuação do sector vitivinícola com o IVV. Portanto a ViniPortugal não é a favor da extinção do IVV de maneira nenhuma. Concordamos com as melhorias e modernizações que têm vindo a ser feitas, pensamos e temos dito, que o papel da fiscalização é fundamental, mas sempre com o IVV.

Manuel Pombal: Quanto à intenção do Ministro da Agricultura e o resultado da ronda que está a efectuar, permitam-me discordar. Aliás devo dizer, se não tivesse convencido das boas intenções do Ministro em ouvir o sector, nem estaria a acompanhá-lo nestas visitas. Estou de facto convencido que estas visitas que vão no sentido de auscultar para poder colher elementos que lhe permitirão proceder ou ter uma decisão fundamentada sobre aquilo que será o melhor para o sector vitivinícola.

H: Mas então porque razão não foram essas visitas feitas antes de publicar o diploma? Lança-se um diploma como o que contempla a ASAE para ver se “pega”?

Manuel Pombal: Em relação ao diploma da ASAE, e volto a repetir, temos de distinguir entre intenções, estratégia e redacção. Estou perfeitamente convencido de que, quer o ministro da Agricultura, quer o ministro da Economia, não queriam lançar esta confusão. Creio que o ministro da Agricultura vai levar em consideração todos os “reports” que lhe vão ser trazidos pelo sector vitivinícola, resultantes destas consultas que estão a ser realizadas.

Uma segunda questão, quando se refere que o secretário de estado, Bianchi de Aguiar, não fez nada pelo sector, não é verdade. Até ao fim do seu mandato acompanhou sempre todo o processo e deu o maior apoio ao IVV no sentido de se proceder à reforma institucional do sector. Quando sai em meados de Julho de 2004, estava-se precisamente a preparar o caderno de encargos na sequência do que estabelecia o diploma 212/2003. Estava-se a trabalhar com o sector nesse sentido, mas daí para a frente, parece-me que houve uma total inércia do Governo que se seguiu.

Paulo Amorim: Esse é precisamente o ponto. É que cada vez que muda, e já não digo o partido político, no caso do Verão de 2004 foi uma mudança dentro do mesmo partido, refunda-se o País. Isso é que critico.

Manuel Pombal: Com o Prof. Bianchi de Aguiar estava-se a trabalhar no sentido de proceder à regulamentação que está estabelecida no 212 numa perspectiva que foi sempre a dele e a nossa – do IVV – de fazê-lo em conjunto com o sector. O Governo posterior é que não deu qualquer seguimento a estas matérias. Não deu seguimento a esta matéria nem a outras, como por exemplo ao projecto de renovação do próprio IVV, que no tempo do Prof. Bianchi estavam a ser finalizadas no âmbito da discussão com o Ministério das Finanças no sentido de o dotar de meios capazes de fazer uma fiscalização e controlo eficazes. Essa discussão estava praticamente terminada quando o Prof. Bianchi sai. E mais uma vez ficou tudo parado.

H: Portanto o sector vitivinícola sofre da falta de adopção de uma estratégia de médio/longo prazo por parte dos sucessivos governos?

Manuel Pombal: Eu já fui vice-presidente do IVV por duas vezes e há coisa que importa sublinhar: qual é o sector que tem consciência de que a fiscalização e a sanção para os infractores devem ser agravadas? Qual o sector que tem a maturidade para no Conselho Consultivo com todas as organizações nele representadas, quer da produção, quer do comércio, dizer: “face à ineficácia do actual enquadramento legal, que não produz o efeito dissuasor necessário, julgamos que devem ser agravadas as penas e todo o enquadramento legal deve apontar no sentido de haver uma dissuasão claríssima à infracção”. Não vejo nenhum sector económico em Portugal com uma maturidade deste tipo. O que quero dizer é que, desde 1992 até hoje, houve uma evolução enorme neste sector.

Vasco d´Avillez: Quero só confirmar as palavras do Dr. Manuel Pombal, dizendo que de facto no nosso sector era barato ser prevaricador. Algumas coisas que estavam mal tinham umas penas tão leves que quase convidavam à transgressão. Hoje já não é assim. E isto é muito importante, porque não está aqui em jogo apenas a imagem do vinho para os portugueses, está em jogo a nossa imagem fora de portas, no sentido de País. É muito importante que nós consigamos manter e melhorar esta imagem, sobretudo em relação a países como a Austrália, África do Sul e EUA. Nós somos parte interessada em que eles mudem alguma da legislação que nos incomoda. Por exemplo, nos EUA produz-se Portwine. Na África do Sul também, mas já temos um acordo com as autoridades sul-africanas. Para termos a credibilidade necessária para pedir e exigir modificações, é preciso que tenhamos as “costas” bem defendidas. É exactamente nessa linha que a acção concertada entre o IVV e o Ministério da Agricultura é óptima e é por isso que reafirmo que tudo isto nos faz falta mudar, mas sempre com o IVV.

Paulo Amorim: Voltando às visitas do Ministro, uma das causas que me levam a criticar essas mesmas visitas é que lhes faltam alguma bondade. O secretário de estado, que é quem nos tutela, não vai nas visitas. Eu pergunto-me porquê? Não é uma situação normal. Penso que falta um elo importante e que é a origem do problema.

O peso da Moderna Distribuição

H: É evidente a melhoria do vinho português. Como é que correu esta campanha 2005/2006? Há menos quantidade, mas melhor qualidade?

Manuel Pombal: De acordo com os elementos até agora fornecidos, a qualidade é substancialmente boa. Em termos de quantidade talvez não tenha diminuído tanto como inicialmente as previsões apontavam. As últimas previsões apontavam para 6,6 milhões de hectolitros, o que equivaleria a uma diminuição relativamente à campanha anterior de 15 por cento. Portanto, não haverá um decréscimo tão acentuado como inicialmente se previa. Isto quer dizer menos 11 por cento relativamente à campanha do ano anterior e menos sete por cento relativamente à média das três últimas campanhas.

Vasco d´Avillez: Esta produção representa mais do que o mercado nacional bebe e do que conseguimos exportar. Ainda há a acrescentar aquilo que é trazido, não se podendo dizer importado porque provém de países da União Europeia, mas o que é trazido de vinho para Portugal legalmente, aumenta esse número. Nós conseguimos exportar 1,2 milhões de hectolitros, em Portugal bebemos quase cinco milhões, perfazendo 6,2 milhões de hectolitros.

Manuel Pombal: Penso que as exportações no último ano foram superiores ao número avançado, totalizando cerca de dois milhões de hectolitros. Temos de notar, no entanto, que houve um aumento significativo da exportação de vinho a granel, porque houve dois países – Itália e França – que tiveram produções muito baixas. A explicação reside aí. Se repararmos a curva das exportações comparada com os valores das mesmas, vemos que aumentam mais em quantidade do que o valor.

H: Do lado do comércio, como é que o sector vê o canal da Moderna Distribuição?

Paulo Amorim: Como dirigente associativo penso que a situação do mercado nacional é cada vez mais dramática. Aliás, a situação vivida pelos agentes económicos tem origem no mercado nacional, porque é preciso não esquecer que a grande maioria dos agentes económicos não exportam de todo ou exportam pequenas quantidades. Assim, o mercado nacional possui uma força e um peso percentual brutal nas respectivas facturações. Nota-se, então, que grande parte dos agentes económicos está asfixiada com frágeis hipóteses de sobrevivência e é natural que no futuro se dêem cada vez mais falências, tomadas de posição por parte de agentes económicos maiores, ou então uma via que tenho defendido, mas que não está claramente na cabeça de muitos intervenientes deste sector, que passa pelas parceiras, fusões, da entreajuda entre agentes económicos para sobreviver e ganhar massa critica.

H: A Moderna Distribuição possui então peso a mais?

Paulo Amorim: A força cada vez maior da Moderna Distribuição é um factor asfixiante em relação àqueles que são mais frágeis. A Moderna Distribuição tem um peso cada vez maior e nós ou temos marcas fortes e conseguimos agilizar de alguma forma o nosso caminho ou a única via que temos é baixar os preços um dia após o outro até chegarmos ao dia do juízo final em que começamos a praticar preços abaixo do preço de custo, levando à morte eminente. Este facto até é curioso num País como Portugal, uma vez que demora muito a criar uma empresa, mas também demora muito a acabar com ela.

O poder da Distribuição Moderna é cada vez maior. Aliás, hoje em dia, os argumentos para impor descontos aos fornecedores são cada vez mais curiosos. Os últimos que fo ram anunciados referem-se à abertura de novas lojas de um operador e de outro que queria que fossem os operadores a pagar a mega-campanha de mudança de identidade corporativa. É claro que isto não recai só sobre o sector dos vinhos. Na realidade, os relatórios da Monitor vieram apenas chamar à atenção para esta situação. Ou ganhamos massa critica, e isto não se aprende só dentro de portas, ou então somos esmagados nesta vertigem da globalização. Cada vez falta mais dimensão aos operadores económicos para lutarem com armas semelhantes com a globalização que há na Distribuição.

H: Há marcas a mais no mercado?

Paulo Amorim: Claramente. Eu próprio, modéstia à parte, já que sou um conhecedor do sector e um consumidor, por vezes fico perdido com as marcas que existem. Isso é outra ambição nacional, porque se o Sr. X for meu fornecedor de uvas, pensa que eu o estou a roubar e o seu objectivo final é ter a sua marca com Cabernet Sauvignon ou Touriga Nacional no mercado e muitas vezes descobre mais tarde que esse caminho não tem qualquer sentido e tem saudades do tempo em que me fornecia as uvas. Actualmente, toda a gente quer ter o seu vinho, o que é uma ambição legítima, mas não tem cabimento no mercado actual que temos.

Falando com os meus amigos da restauração, eles próprios notam que mesmo em restaurantes direccionados para classes sociais mais elevadas e onde sabem que os seus clientes são pessoas viajadas e que percebem alguma coisa de vinho, poupam cada vez mais nos vinhos. Quando pegam na carta de vinhos dos restaurantes, vão cada vez mais para aqueles vinhos em que a relação preço/benefício é de tal maneira interessante que nem sequer pensam em ir para segmentos mais elevados.

O caminho do sucesso

H: E Portugal tem enveredado pela produção dos vinhos certos? Temos de facto produzido os vinhos que os consumidores desejam?

Vasco d´Avillez: É uma pergunta interessante, mas não se pode fazê-la dessa maneira. Não têm de ser os vinhos certos. De facto, há aqui uma lição a aprender que é a seguinte: o nosso vinho ainda não é igual ao que está a ter sucesso no mercado europeu ou mundial. No entanto, Portugal está a produzir os vinhos de que os portugueses cada vez gostam mais.

Ora, temos aqui dois caminhos: ou ficamos só cismados pelo mercado nacional, o que é uma asneira, já que a estratégia de exportação existe, tem de ser alimentada e tem de ser alargada, ou avançamos para os mercados externos. Nós não conseguimos consumir tudo o que produzimos e estamos a consumir menos, portanto vai sobrar cada vez mais. Por outro lado, sabemos que o tipo de vinho consumido no Reino Unido ou nos EUA é diferente do nosso. Nós não temos nada contra quem produza Cabernet Sauvignon, mas pensamos que o sucesso está nas castas nacionais porque são portadoras da diferença. Touriga Nacional ou Trincadeira Preta não se compara com mais nada. Esses vinhos de Touriga Nacional, Trincadeira Preta ou outras castas ou mesmo lotes, podem ser feitos desta ou da outra maneira. A maneira como os chilenos ou os argentinos fazem, para só citar dois, tem um sucesso enorme.

H: Quer dizer que temos de aproximar os nossos vinhos dos néctares do Novo Mundo?

Vasco d´Avillez: Essas são decisões do marketing. Nós não podemos dizer que tem de ser desta ou daquela maneira.

H: Mas se são esses os caminhos do sucesso?

Vasco d´Avillez: O estudo Porter diz claramente que com as castas nacionais – portadoras da diferença -, com os preços cuidadosamente estudados, de maneira a serem competitivos, que nem sempre são, temos também oferecer alguma diferença de maneira a que o consumidor goste do vinho. A Austrália e outros países da América Latina estão a enveredar por outro caminho que não tem de ser seguido. Refiro-me à forma de fecho da garrafa, ou seja, screwcap, plástico ou rolha. Cientificamente falando, um não é melhor que o outro, mas a cortiça, que é nossa, tem sido objecto de campanhas negativas enormes.

H: Enquadrando no que já fora dito antes, relativamente ao espartilho na Moderna Distribuição e aos preços, depois chegamos à restauração e registamos preços altos. Que importância possui a promoção do vinho a copo junto do canal Horeca?

Vasco d´Avillez: Nesse particular, a ARESP tem-nos dito que cobram os preços que têm de cobrar. Nós achamos que existe outro ângulo para olhar para esta realidade. As contas não podem ser feitas milimetricamente. Em nossa opinião, se a restauração abrir uma garrafa e vendê-la a copo, consegue um incremento na venda dos vinhos. Tem havido, contudo, uma resistência enorme. A maior parte dos restaurantes não querem nem testar e uns refugiam-se numa situação que o próprio IVV já nos explicou que não tem razão de ser. Dizem que a legislação é antiga e que não permite a venda de vinho a copo. Não é bem assim.

A atitude contra a venda de vinho a copo é tal que, quando há algum tempo atrás a ViniPortugal fez um seminário sobre esta questão, chamámos à atenção dos profissionais – os escanções dos restaurantes – referindo que a única obrigação que existe é a de dosar o copo para que o cliente saiba o que está a comprar, se são 125 ml ou 100 ml. É indiferente como a fazem, têm é de fazer. A resposta foi que não é necessário, ao que respondemos que não é só necessário, como é uma norma europeia.

José Costa e Oliveira: Para mim é importante que nos preocupemos com o preço praticado no canal Horeca e com as condições de negociação que a Moderna Distribuição nos impõe de forma esmagadora. No entanto, temos também de nos preocupar com aquilo que é o nosso custo de produção onde somos claramente batidos no mercado globalizado. Entendo que temos um custo de produção demasiado elevado. Aliás, esta realidade é verificada em toda a agricultura. Neste sentido, talvez aqui a nossa tutela se pudesse preocupar um pouco mais com o custo da actividade agrícola. No caso do vinho caímos no velho problema do minifúndio e na média e grande propriedade. Quanto custa produzir vinho no Dão, Douro, Ribatejo ou no Alentejo? Quanto custa produzir um litro de vinho numa grande, média ou numa pequena adega? Nada disto está feito e vejo que ninguém se preocupa com esta questão. Se nós conseguirmos reduzir o nosso custo de produção, e penso que na nossa actividade isso é possível, poderíamos ser bastante mais competitivos.

Quando falamos de mercado interno e aquando da batalha da taxa de alcoolémia travada pelo sector, batalha aliás que foi ganha, deveríamos também nos ter preocupado com o facto de nada ter sido feito para a reabilitação e recuperação da imagem do sector vitivinícola nacional. O vinho ficou bastante denegrido aos olhos do consumidor. Penso que será o próprio sector que mais tarde ou mais cedo terá de pagar essas acções do seu próprio bolso, porque ninguém nos vai ajudar nesse sentido.

Manuel Pombal: Quanto à venda de vinho a copo não existe legislação que a impeça. Poder-se-á levantar aqui uma questão: existem muitos agentes da restauração que poderiam pôr em causa esse método de venda, dizendo que, aberta uma garrafa, o resto poderia estragar-se. Hoje em dia com o bag-in-box essa questão já não se coloca.

No que toca aos custos de produção, não há dúvida nenhuma que quanto menor a propriedade, maior são os custos de produção. Todos sabemos que no nosso País a propriedade é de dimensão muito pequena, e quanto mais para Norte formos, mais verificável é esse facto.

É preciso dizer que todos os incentivos do Estado, seja através de fundos comunitários e/ou nacionais, deveriam ter sempre uma preocupação de apontar para a convergência e aumento da propriedade, embora como se sabe neste programa VITIS, onde não estabelece área mínima, os pedidos de reestruturação foram superiores às verbas disponíveis. Assim têm de ser estabelecidas algumas prioridades e quem mais área possuir, claro que terá preferência. Naturalmente que depois toda a gente vem a terreiro protestar, porque só os grandes têm direito às ajudas. Claro que não podemos agradar a todos, mas é certo que temos de privilegiar a dimensão. Estarmos permanentemente a canalizar subsídios para manter situações que economicamente não são viáveis parece que não é uma solução e acaba por ser um desperdício de fundos.

Emparcelamento precisa-se

H: Falava-se da falta de massa critica. Este é um problema de facto preocupante?

Paulo Amorim: Sem dúvida que é preocupante e traduz de certa forma a pequenez do pensamento nacional. Nesse aspecto penso que os nossos governantes não têm tido a filosofia correcta. Pensam que possuir cinco hectares já é um latifúndio e esse pensamento não ajuda. Tenho referido que o Estado deveria impulsionar o aumento da dimensão da propriedade porque essa é de facto a mãe de todos os problemas.

Mas esta questão tem a ver também com o mercado nacional e com a própria distribuição. Actualmente constatamos que as operações de distribuição estão muitas delas a fechar ou então a passar para Espanha. Te mos os casos da Diageo que se tinha desinteressado numa primeira fase pela distribuição de vinho e agora transitou para Madrid, temos a Allied Domeq que foi vendida à Pernod Ricard. Portanto, existe aqui uma concentração das operações de distribuição em Portugal e claro que, assim sendo, são sobretudo privilegiados aqueles que ao nível da produção possuem mais massa critica. Hoje em dia as marcas mais importantes a nível nacional são aquelas que vêm dos maiores operadores, sejam eles agentes económicos privados ou adegas cooperativas de sucesso que ainda existem no País, mais concretamente as do Alentejo e a de Monção nos Vinhos Verdes. De resto a paisagem é muito má, como aliás se viu pelos relatórios de contas da maior parte dos agentes económicos. É um estado de doença terminal na maior parte deles.

H: E se não existir coragem para mudar essa lógica ela perpetua-se?

Paulo Amorim: Sim, mas essa questão compete aos operadores alterar. Nem tudo compete ao Estado. São estes agentes económicos que, em primeira instância, terão de agir e se não possuírem massa critica, terão de se fundir, arranjar parcerias e soluções para o futuro. Mas sem dúvida que existe uma certa falta de visão no empresariado português e isso também se aplica ao sector do vinho.

Vasco d´Avillez: O Dr. Manuel Pombal falou de propriedade e de dimensão. Há, no entanto, outro termo: a parcela, ainda mais pequena que a propriedade. Acontece que em propriedades de um hectare, existem muitas que possuem várias parcelas. E podemos estar a falar em propriedades de um hectare, em que metade está plantada com couves e somente 0,3 hectares é que possuem vinha. Esta realidade é completamente inviável.

Manuel Pombal: Outro problema é que as parcelas de vinha de uma propriedade podem não ser contínuas. É evidente que isto encarece brutalmente os custos de produção.

Vasco d´Avillez: O caso chileno é muitas vezes colocado em cima da mesa como exemplo. O Chile teve a felicidade de fazer isto tudo há muito menos tempo e de forma rápida. Depois começou sem possuir as regras que existem em Portugal. No Chile, quem quer ter 100 hectares de vinha pode ter 100 hectares, quem quiser ter 200 hectares pode ter 200 hectares, o mercado é que manda.

José Costa e Oliveira: O problema é que no nosso País nunca houve coragem para fazer do instrumento do querer e do instrumento do apoio financeiro um fio condutor de uma política agrícola e sempre se deu crédito e apoio financeiro ao pequeno, ao grande, ao médio, ao que possui uma vinha grande, vinha pequena, ao que tem uma vinha velha e ao que tem uma vinha nova. Portanto nunca houve uma pedagogia feita por estes instrumentos. Antes pelo contrário, houve uma grande politização do sector. Eu ainda sou do tempo em que se discutia se devíamos apoiar o agricultor que tivesse até um hectare de terra ou se deveríamos apoiar o que tivesse pelo menos um hectare de terra. Este “até” e este “pelo menos” deram horas, dias, semanas, meses, anos de discussão. Ainda hoje os nossos decisores políticos não chegaram a acordo se devemos apoiar quem possua “até” ou quem tenha “pelo menos”.

Manuel Pombal: Quando se diz que se deve privilegiar através dos financiamentos quem possui dimensão, não se está de forma alguma a excluir o pequeno. Não, o pequeno deve receber também, mas desde que se junte ou se agregue para que a dimensão passe a ser viável.

José Costa e Oliveira: Só em Portugal é que se fazem partilhas ao livre arbítrio dos herdeiros. Se formos a outro País mais avançado que nós nesta matéria legislativa, isto não funciona assim. Nesses países não divide propriedade quem quer.

O pós-Porter

H: Depois do balanço feito pelo Estudo Porter e passado já algum tempo, como é que está o vinho português no mercado externo?

Vasco d´Avillez: Estamos a conseguir ganhar terreno lentamente, afirmando a nossa presença em mercados difíceis como são o Reino Unido e EUA. Se compararmos a actual situação com a de há 30 anos, sem dúvida que estamos muito pior. Nessa altura, o número de caixas exportadas para o Reino Unido e EUA era muito maior. No entanto, as coisas mudaram, não têm nada a ver com o nosso tipo de vinho, que melhorou muito de há 30 anos para cá. Tem a ver sim com os mercados que mudaram e o gosto das pessoas que mudou. O nosso sucesso de há 30 anos era baseado em produtos que hoje as pessoas não querem em quantidade tão grande.

Temos conseguido sobretudo afirmar o nosso vinho tinto que tem qualidades reconhecidas. Digo reconhecidas porque são peritos internacionais em prova cega de concursos que o dizem, ou melhor, fazem. Em termos de medalhas de ouro por número de vinhos postos a concurso, nós temos um índice superior a países como a França ou Espanha, num País dificílimo como é o Reino Unido no International Wine Challenge. É preciso transformar isto em sucessos e isso leva mais tempo.

É preciso investir uma enorme quantidade de dinheiro e nós temos investido o que temos que advém da taxa de promoção do vinho. Dado o valor disponível não ser suficiente (em números redondos são 3,5 milhões de euros por ano), fizemos uma parceira com o ICEP e fomos buscar, a dois anos, mais cinco milhões de euros. Mesmo assim não chega. Seria preciso que todos os agentes económicos apoiassem este esforço genérico com uma estratégia de marca, contando-se pelos dedos das mãos os agentes que fazem este esforço.

H: E no entanto a ViniPortugal apresentou recentemente um orçamento para 2006 com valores consolidados que nunca tinha tido…

Vasco d´Avillez: São dois orçamentos. Um que conseguimos com os 3,5 milhões de euros da taxa de promoção da parte do IVV, ao qual juntamos um milhão de saldo, e ainda 2,5 milhões do ano 2006 da parceria com o ICEP. Ora, por sua vez, o ICEP como agente do Ministério da Economia do programa PRIME abriu mais um concurso para 2006, independente daquele que já estava a funcionar, e podemos ir buscar aí sinergias que em números redondos significam mais um milhão de euros.

Para 2006 podemos ter, conjuntamente com os programas da Fenadegas, Vinhos do Alentejo, Vinhos Verdes, do G7, um investimento a rondar nove milhões de euros a funcionar em prol da promoção do vinho português. Nunca tivemos um orçamento desta grandeza. Tudo isto enche os olhos, mas em termos europeus ou mundiais representa gotas de água. A marca mais importante de uma firma norte-americana sozinha tem um orçamento de promoção muito superior a este.

H: Os mercados prioritários continuam os mesmos?

Vasco d´Avillez: São os mesmos. Tem de haver uma aposta a longo prazo. Mas existem dois chapéus: dentro do chapéu da ViniPortugal há uma estratégia clara e os mercados são EUA, Reino Unido e Alemanha. É aqui que nós vamos ter de fazer com que as coisas aconteçam e o exemplo que surgir daqui é determinante para a afirmação dos nossos produtos noutros mercados. A ViniPortugal mantém, no entanto, o esforço noutros mercados como os países nórdicos e o próprio mercado nacional.

A actividade da parceria da ViniPortugal com o ICEP insere-se novamente nos mesmos mercados, mas com acções completamente diferentes e abrange também o Brasil Canadá, Bélgica, mercados que são importantes, mas que não cabiam no Estudo Porter.

Mesmo assim, ficam de fora, e muitas vezes somos questionados sobre esta questão, países como Angola ou China. Mas a primeira lição que aprendemos no marketing, é para nos concentramos em determinados mercados. Nada disto funciona se formos lá um ano e viermos embora. Isto só funciona se, ano após ano, realizarmos uma promoção eficaz.

H: No entanto, essa estratégia tem de ter por parte dos agentes económicos privados um apoio, uma complementaridade para funcionar…

Vasco d´Avillez: Sem dúvida nenhuma. Nós dizemos: nós fazemos isto, mas os próprios agentes económicos têm ir a Angola e os outros à China para nos darem algum feed-back. Haverá com certeza uma altura em que teremos meios e oportunidade de intervir também nesses mercados. Isto tem sido aceite pelos nossos membros e esta coordenação tem sido como a melhor.

H: No âmbito do G7, que sensibilidade têm tido relativamente à presença dos vinhos portugueses nos mercados externos?

Paulo Amorim: Como referi há pouco, procuramos a complementaridade dos projectos. Penso que é mais uma virtude do sector, que se reuniu e tentou que não existisse overlapping entre eles. Tentamos não ir todos para os mesmos mercados ao mesmo tempo porque seria caricato e contraproducente. Existe uma auto-regulação dos projectos, tudo isto de uma forma informal, mas que funciona na prática.

Nunca houve tanta promoção do vinho português no exterior, nunca houve tantos artigos na imprensa de referência sobre os vinhos portugueses, mas depois temos sempre o velho problema de que Portugal não tem imagem. Este é um dos problemas correntes. Depois temos o problema do ziguezaguear constante de refundação da Nação cada vez que há mudança de Ministro, de Governo ou de director-geral. Só para dar um exemplo, o ICEP, com o qual a ViniPortugal tem uma parceria que está a correr muito bem, penso que teve nove presidentes nos últimos dez anos. Isto demonstra bem a volatilidade de todas as aparentes estratégias. Fala-se que vai haver novas regras para a diplomacia económica, o que é curioso porque segundo algumas vozes, a diplomacia económica está a funcionar bem. Porque razão são necessárias novas regras?

A falta de imagem de Portugal no mundo é gritante. Quando promovemos os nossos vinhos, muitas pessoas em muitas partes do mundo nem sequer sabem onde fica Portugal. Portanto imagine-se a dificuldade que temos em explicar e dar a conhecer as nossas castas quando o próprio problema da localização no mapa é ainda mais global. Resumindo, nós lutamos contra ventos e marés e vamos com os nossos próprios recursos, que são escassos, tentando fazer o melhor. De facto, as exportações têm aumentado em mercados interessantes, são avanços pontuais, importa que tenham sustentabilidade para o futuro e para isso só o trabalho de todos poderá produzir efeitos.

H: E em relação ao PRIME?

Paulo Amorim: Ainda a propósito destas políticas de promoção, recordo que em relação ao PRIME, que agora sofreu aparentes alterações, não estava a funcionar e Portugal estava a sofrer atrasos porque se chegava ao final do ano e perdíamos milhões de euros porque não esgotávamos os fundos disponíveis. Agora há novas regras e também aí se nota que a alocação de fundos, apesar de toda a gente dizer que o vinho é a menina dos olhos aparentemente de todos os nossos governantes, comparando o vinho com os têxteis, a diferença é brutal. Para além disso, os gestores do PRIME obrigam o vinho a tamanha ginástica para conseguir ser candidato a esses fundos, que torna quase inviável a sua utilização. Ainda por cima dando muito pouco tempo ao sector para se organizar. O curioso é que o sector faz milagres após milagres, não só consegue um documento para o Ministro da Agricultura em três semanas, como consegue um projecto para o PRIME também em três semanas, cumprindo prazos que afinal se calhar foram dados com o intuito de dificultar a vida a quem concorria a esses fundos.

H: Apesar de todas as dificuldades, o sector parece conseguir falar a uma só voz?

Paulo Amorim: Exactamente. Também tem a ver com o evoluir de todos nós. Penso que há neste momento um conjunto de dirigentes no sector que com algumas regras de bom senso e com a convivência ao longo dos tempos, encontraram entre si plataformas de cooperação e de civilidade que viabilizam alguns acordos que há alguns anos não eram possíveis. Neste momento todos nós tentamos olhar para aquilo que nos une em detrimento daquilo que nos separa.

Este é um factor de união para o sector e penso que o Governo vai ter de começar a respeitar isto e olhar-nos com mais algum cuidado, porque às vezes quando se confia na desunião para tentar implementar algumas medidas, depara-se com uma união com a qual não se contava.

(Des)união em torno do Porto

H: Voltando à promoção do vinho nos mercados externos, estranha-se, contudo, o facto de o Vinho do Porto não estar associado. Porquê?

Vasco d´Avillez: Estranha-se imenssíssimo. O Vinho do Porto tem explicado que existe um Instituto a quem está cometida por Lei a promoção do Vinho do Porto. Enquanto for assim, é esse Instituo que tem a responsabilidade de fazer a promoção do Vinho do Porto. Nós aceitamos este facto, ultrapassámos há muito tempo esta luta e só pedimos que nos informem como, quando e onde vai fazer, de modo a trabalharmos em conjunto. Esta ideia, esta porta aberta que pareceu ter algum acolhimento no início de 2005, de repente no final do mesmo ano, houve um pequeno recuo da parte do IVDP, informando-nos que seria melhor nós fazermos as nossas acções e que eles fariam as deles.

Dou o exemplo das feiras: ProWein 2005, pavilhões encostados uns aos outros, um espaço comum para Portugal e o pavilhão do IVDP decorado de acordo com a decoração do nosso, pelo que parecia o mesmo pavilhão. Já na Vinexpo 2005, em Bordéus, o pavilhão do Vinho do Porto já mais longe e uma decoração completamente diferente.

Sente-se que existe uma diferenciação, mas no entanto do nosso lado – ViniPortugal – estamos abertos e militantes. Nós vamos lá as vezes que forem necessárias, de forma a abrir portas. Dou-lhe um exemplo, este projecto da fileira agro-alimentar, foi feito com dinheiros que foram retirados à totalidade do programa PRIME do Vinho do Porto. O ICEP disse que existiam fundos que não foram utilizados e que estavam novamente abertos. Nós juntamo-nos ao Vinho do Porto para fazer um programa em conjunto, de modo a viabilizar o deles. Assim, o Vinho do Porto pôde colocar praticamente todos os fundos que estavam à sua disposição. Isto é uma grande abertura, não é um cheque em branco, mas é um efeito de colega, porque nós poderíamos ter apresentado um programa de forma a abarcar metade do dinheiro disponível.

Segundo aspecto, vamos fazer um livro sobre os vinhos de Portugal para os países nórdicos. De acordo com as nossas atribuições poderíamos muito bem chamar-lhe somente “Portuguese Table Wines”. No entanto, fomos falar com o IVDP, propusemos uma parceria para este livro, de modo a que o livro vai ter um capítulo dedicado ao Vinho do Porto e vai chamar-se “Portuguese Wines”. É isto que faz sentido.

Paulo Amorim: Gostava de referir aqui outro efeito positivo entre a ViniPortugal e o IVDP. Depois de observarem o sucesso que o diagnóstico e estudo estratégico que a ViniPortugal encomendou à Monitor teve e o seu impacto sobre a estratégia do vinho em Portugal, o Vinho do Porto decidiu “copiar”, em boa hora, essa ideia e vai também elaborar um estudo estratégico relativamente ao Vinho do Porto. A ideia de copiar o estudo encomendado pela ViniPortugal e adaptá-lo ao Vinho do Porto penso ser uma excelente solução.

Vasco d´Avillez: Nós estamos a falar de pessoas, de atitudes, de filosofias, mas há aqui um ponto comum que são os vinhos do Douro e não do Porto. Em relação ao Vinho do Porto, o IVDP pode fazer o que bem entender, mas se amanhã o IVDP avançar com a ideia de que o vinhos do Douro também são da sua exclusiva responsabilidade, retirando-os à ViniPortugal, não recebendo assim as respectivas taxas referentes ao Douro, aí abrir-se-ia uma brecha nesta muralha que é o edifício da promoção do vinho da qual de certeza nunca recuperaríamos. Imagine-se que o Alentejo também avançaria para uma opção destas e que promove o Alentejo e sai da estratégia de promoção da ViniPortugal?

Isso iria contrariar tudo o que se tem vindo a fazer em prol do vinho português de há 12 anos para cá. Espero que o bom senso impere e que todos saibamos trabalhar unidos a favor da promoção do vinho português. Tudo isto custou imenso a fazer. Está no caminho certo e pode ser deitado abaixo se esta convivência tumultuosa for levada avante.

H: Esta capacidade de união que já foi aqui focada várias vezes é de facto o que permite ao sector vitivinícola fazer face a todas as dificuldades?

Vasco d´Avillez: É um momento único que este sector está a viver. Temos de o aproveitar para efectuar as reestruturações todas que forem necessárias para bem do sector vitivinícola nacional.