FMCG Vinhos

Acordo transatlântico

Por a 10 de Janeiro de 2006 as 18:00

Acordo

O acordo entre a União Europeia e os Estados Unidos da América sobre o comércio do vinho, tendo em vista um aumento da protecção das denominações europeias, foi recentemente assinado. O sector nacional tem, contudo, algumas reservas em relação ao acordo e são algumas a vozes a referir que se podia ter ido mais longe.

A União Europeia e os Estados Unidos da América chegaram a um primeiro acordo sobre o comércio do vinho, que protegerá as denominações de origem dos vinhos comunitários e preservará o maior e economicamente mais importante mercado para os néctares europeus, avaliado, no ano de 2004, em aproximadamente dois mil milhões de euros. Nos termos do acordo, a administração norte-americana irá propor ao Congresso a alteração do estatuto de denominações de vinhos da UE como o Borgonha, Champagne, Chablis, Chianti, Madeira, Málaga, Porto e Sherry, actualmente consideradas nos EUA como termos semi-genéricos, limitando assim a utilização dessas denominações em terras de “uncle Sam”.

Por outro lado, os Estados Unidos isentarão a União Europeia, ou melhor, os vinhos provenientes do Velho Continente, das suas novas exigências em matéria de certificação, aceitarão os grandes princípios das regras comunitárias de rotulagem e assumirão o compromisso de tentar resolver qualquer questão bilateral relativa ao comércio do vinho através de consultas bilaterais informais, evitando recorrer aos mecanismos de resolução litigiosa. As duas partes também se comprometeram a continuar a desenvolver este acordo através do lançamento de negociações para uma segunda fase, mais ambiciosa, no prazo de 90 dias a contar da data de entrada em vigor do acordo, admitindo António Saraiva, presidente do conselho de administração da SPR Vinhos, que o melhor acordo para a protecção dos vinhos europeus teria, nesta fase, «de contemplar forçosamente um compromisso explícito dos EUA em terminar com a usurpação das denominações de origem europeias. A Associação das Empresas de Vinho do Porto (AEVP), em colaboração com as entidades portuguesas competentes e com as suas congéneres europeias, irá continuar a pressionar a Comissão Europeia para que esta defenda incondicionalmente esta posição na segunda ronda de negociações prevista neste acordo».

A comissária responsável pela agricultura e pelo desenvolvimento rural, Mariann Fischer Boel, acolheu de forma favorável este acordo «pelo facto de termos conseguido finalizar estas negociações após 20 anos de trabalhos intermitentes. Os EUA são o nosso maior mercado, tendo importado cerca de dois mil milhões de euros em vinhos da EU em 2004. O acordo eliminará a incerteza jurídica que tem caracterizado este sector comercial ao longo de vários anos e beneficiará os produtores dos dois lados do Atlântico. A conclusão deste primeiro acordo abrirá caminho para uma futura cooperação com os EUA no sector do vinho», salienta Fischer Boel.

Reservas nacionais

Do lado português, contudo, são várias as vozes que referem que este acordo prevê que os responsáveis norte-americanos se comprometem somente «a tentar alterar» a intitulada Emenda Amato, que determina que várias denominações de origem europeia, entre as quais se encontram Porto e Madeira, sejam consideradas simples referências. Nada do que fora estabelecido agora diz que os legisladores do outro lado do Atlântico se «comprometem a alterar», mas simplesmente a «tentar alterar», constituindo o historial de constantes desentendimentos e volte faces uma preocupação para os produtores europeus, já que neste momento não é seguro que a alteração seja na realidade introduzida na Emenda Amato. António Soares Franco, presidente da Federação dos Vinhos e Espirituosos de Portugal (FEVIN), saliente que «muita coisa foi decidida a nível político e quando o sector viu o draft final, já não se conseguiram fazer mais alterações».

Os principais elementos deste acordo estabelecem que os EUA e a UE reconhecem explicitamente as denominações dos respectivos vinhos como “denominações de origem”. A administração dos EUA proporá ao Congresso que altere o estatuto e que limite a utilização de 17 denominações de vinhos europeus – Borgonha, Chablis, Champagne, Chianti, Clarete, Haut-Sauterne, Hock, Madeira, Málaga, Marsala, Mosela, Porto, Retsina, Reno, Sauterne, Sherry e Tokay – actualmente considerados nos EUA como denominações semi-genéricas. De fora deste acordo ficaram as expressões tradicionais, como Château, Classic, Crusted, Fine e as bem conhecidas Late Bottled Vintage (LBV), Ruby, Tawny, Vintage e Vintage Character.

Com este acordo a UE reconhece ainda as práticas enológicas actualmente aprovadas nos EUA, salientando-se, contudo, que as práticas que não estejam abrangidas por derrogações comunitárias só serão aceites relativamente a vinhos exportados para a UE a partir do momento em que os EUA alterarem o estatuto das 17 denominações de vinhos europeus ali consideradas como termos semi-genéricos.

O presente acordo estabelece também que as exportações de vinho da UE, incluindo as exportações de vinhos com um teor alcoólico inferior a sete por cento, ficarão isentas das exigências de certificação adoptadas pelos EUA no final de 2004. A partir do momento em que alterem o estatuto das 17 denominações actualmente consideradas naquele país como semi-genéricas, os EUA passarão a beneficiar de exigências de certificação muito simplificadas na UE. 90 dias após a entrada em vigor do acordo, será iniciada uma segunda fase de negociações que abrangerá, nomeadamente, um diálogo sobre as denominações geográficas, a questão das denominações de origem, incluindo o futuro das designações semi-genéricas, a utilização das expressões tradicionais, os vinhos de baixo teor alcoólico, a certificação, as práticas enológicas e a criação de uma comissão mista para as questões relacionadas com o vinho. As partes concordaram finalmente em trocar impressões sobre questões ligadas ao sector do vinho que afectem o comércio internacional e sobre a melhor forma de estruturar a cooperação internacional no sector.

Pressões bloqueadoras

Pedro Mansilha Branco, administrador da Quinta do Portal, é da opinião que «o acordo, para além de facilitar as exportações de vinhos da UE, ao ficarem isentas das exigências de certificação adoptadas em 2004, vai também salvaguardar as denominações de origem dos vinhos do Porto e Madeira, beneficiando claramente a imagem destes vinhos no mercado norte-americano», adiantando o presidente do conselho de administração da SPR Vinhos que «o acordo de vinhos entre a UE e os EUA apenas vem dar estabilidade comercial ao mercado Europa/EUA. Efectivamente após 20 anos de negociações intermitentes e, de derrogação em derrogação, a prática das relações comerciais entre os dois blocos era de normalidade. Nesta fase, no entanto, este acordo apenas permite eliminar a incerteza jurídica evitando assim retaliações dos EUA à importação de vinhos europeus», admitindo, no entanto, que «a não aprovação do acordo poderia implicar verdadeiros embargos à importação de vinhos da UE» constituindo a principal vantagem deste acordo «o estabelecimento de um clima de paz comercial entre os EUA e a UE, uma vez que até agora existia um risco permanente de represálias comerciais».

Também o administrador da Quinta do Portal admite que, caso as negociações não fossem feitas agora, «as consequências seriam o aumento dos entraves às exportações de vinhos da UE com todos os prejuízos que iriam arrastar». Em contraponto nota que «os benefícios são a maior facilidade à entrada dos vinhos europeus, a aceitação dos princípios das regras comunitárias de rotulagem e a protecção das nossas denominações de origem», referindo que numa segunda fase o acordo deverá englobar «não só as denominações, mas também as designações complementares, muito importantes no caso do Vinho do Porto». O presidente da FEVIN e administrador da José Maria da Fonseca admite, igualmente, que este acordo é muito «específico dos vinhos do Porto e Madeira», apontando, contudo, que «nos encontramos numa primeira fase» e que ainda se vão tentar alterações. «Tanto quanto sei, as principais regiões interessadas já apresentaram um documento em Bruxelas».

Este acordo surge numa altura em que os EUA ameaçavam bloquear as importações de vinhos provenientes da Europa e apresentar queixa contra a UE na Organização Mundial do Comércio (OMC), caso as negociações não tivessem concluídas até Novembro. O bloqueio por parte dos EUA aos vinhos provenientes da Europa seria desastroso para o mercado vínico europeu, especialmente para países como França, Itália e, claro, Portugal. António Saraiva não tem dúvidas, «os EUA são o principal mercado de exportação de vinhos da UE o que automaticamente lhes dá um maior poder negocial. A última derrogação acordada com os EUA expirava no fim deste ano. Para pressionar a UE, os EUA aprovaram uma lei em 2004 que submetia os vinhos, dos países que não tivessem assinado um acordo bilateral, a procedimentos de análise e certificação bastante minuciosos e que colocariam bastantes entraves à importação dos vinhos europeus. Para além disso, durante os últimos 20 anos a UE foi cedendo através do reconhecimento de uma lista de práticas enológicas dos EUA, que não estavam em conformidade com a regulamentação europeia. Esta circunstância debilitava claramente a UE perante a Organização Mundial do Comércio». Tendo em atenção as conclusões do Estudo Porter, apresentando o mercado dos EUA como um dos prioritários para a exportação dos nossos néctares, juntamente com o Reino Unido, e dos fortes investimentos realizados pela ViniPortugal e ICEP, um bloqueio por parte das autoridades norte-americanas constituiria, na realidade, uma “catástrofe” para as expectativas de muitos produtores nacionais, concluindo António Soares Franco que «é um facto que o arrastar das negociações arriscava-se a causar um braço de ferro em que a UE sairia sempre mais prejudicada. O impasse era muito mais prejudicial para nós, pois exportamos muito mais vinho para os EUA que importamos».