Distribuição

Retalho desponta em África

Por a 19 de Setembro de 2005 as 12:42

ed 161 distribuicao txt 07

O encontro mais recente do G8 teve como um dos temas principais o tipo de auxílio a prestar a África, continente que aparte do flagelo da guerra e da corrupção, possui recursos naturais capazes de inverter a situação económica precária que caracteriza a região na sua generalidade. A África do Sul apresenta-se como o maior motor da economia africana, ao reunir 27 por cento do Produto Interno Bruto, constituindo, ainda, o país de origem da insígnia Shoprite, um dos mais significativos operadores retalhistas do continente africano.

Quando comparado com o resto do mundo, os dados económicos referentes ao continente africano contrariam a imensa vastidão do território e a abundância dos seus recursos naturais. Com uma população a rondar os 887 milhões de habitantes, África alberga cerca de 15% da população mundial, apresentando, contudo, em termos económicos, valores minimalistas face à dimensão territorial e populacional que a caracteriza. Deste modo, África reúne cerca de 2% do Produto Interno Bruto mundial, valor que contrasta significativamente com a riqueza europeia (35%, incluindo Rússia) e norte-americana (31%). Se se optar por outro prisma de análise, nomeadamente as vendas brutas, o isolamento da economia africana é, igualmente, evidente, reunindo apenas 3% do total das vendas brutas à escala mundial e posicionando-se na cauda do pelotão liderado pela Ásia (32%).

A um nível mais microscópico, verificam-se contrastes significativos na configuração interna da região. A África do Sul, fruto da sua localização geográfica privilegiada e do conhecimento deixado pelo domínio inglês, apresenta-se como o motor da economia africana, ao gerar per si 27% do PIB, contribuindo com apenas 5% em termos populacionais. Além disso, o país afirma-se como um dos principais investidores ao longo do continente, suportando, actualmente, o desenvolvimento de alguns países da região sub-saariana através de inúmeros investimentos. Num olhar mais direccionado para o mercado retalhista, a África do Sul é, de igual modo, o único mercado com estruturas modernas (segundo os parâmetros europeus de avaliação), o que lhe permitiu atingir uma posição de liderança à escala continental neste mercado, ao reunir 23% do total das vendas brutas apuradas na região.

Paralelamente aos sul-africanos, são poucos os operadores ao longo da região que podem ser considerados modernos. Na generalidade, o retalho africano é efectuado na sua grande maioria em pequenos espaços independentes, lojas de rua, mercados e por meio de vendedores ambulantes em espaços rurais e citadinos. A falta de retalho organizado e de estruturas formais de impostos tem impedido o desenvolvimento, constituindo factores de desinteresse para os investidores o baixo retorno e um poder de compra insuficiente. De facto, e a título de exemplo, assinale-se que o rendimento da população moçambicana situa-se abaixo de um dólar por dia.

Grossistas sul-africanos como o Metro South Africa e a Massmart têm estado na primeira linha no que é referente ao abastecimento dos canais formais e informais do sector, através da exploração de formatos cash & carry em diversos países da região sub-saariana, casos do Botswana, Uganda, Quénia e Zimbabwe. O esforço desenvolvido para abastecer o vasto número de formatos tradicionais de retalho, tem conferido um certo sentido de modernidade no sector a estes mercados, com as lojas a implementarem lineares com uma oferta mais alargada e constituída por produtos de maior qualidade.

Outra insígnia, a Metcash, está presente em oito países ao longo do continente, incluindo a África do Sul, com um parque de lojas de aproximadamente 300 cash & carries e de outros formatos grossistas que fornecem centenas de operadores organizados e não-organizados. O retorno do investimento proveniente destes formatos não só contribui para a receita do operador, como também gera a tão necessária receita fiscal, que está a ser reinvestida na melhoria das infra-estruturas do país.

Expansão e estratégia

A proliferação do operador sul-africano Shoprite por toda a África tem beneficiado as estruturas locais. Com um parque de lojas de cerca de 100 mercearias e 20 Megasave cash & carries espalhados por toda a região, o modelo de expansão do operador baseia-se na abertura de supermercados Shoprite nas áreas urbanas (espaços comerciais mais sofisticados e adequados às cidades), funcionando o formato cash & carry Megasave como uma plataforma de abastecimento não só para estas lojas, mas também para todos os outlets tradicionais.

Este operador está na vanguarda do sector em termos de edificação e melhoramento das estruturas de retalho em diversos países africanos, apresentando, ainda, programas de desenvolvimento para que os produtores locais possam fornecer as lojas da insígnia. Programas que contemplam o auxílio aos produtores a nível do melhora mento dos processos logísticos ou produtivos, por via tecnológica ou de outra forma de know-how. O operador acredita que este investimento terá retorno na melhoria da qualidade dos produtos presentes nos lineares das diversas lojas espalhadas por toda a região.

Com um número limitado de outros operadores a procurar entrar no território, nomeadamente as multinacionais francesas que abriram lojas no Egipto e em Marrocos, em conjunto com o reduzido grupo de retalhistas domésticos espalhados por toda a região, os esforços dos retalhistas sul-africanos muito têm contribuído para o desenvolvimento do sector na região.

Além dos retalhistas sul-africanos, os operadores quenianos Uchumi e Nakumatt são parceiros a acompanhar na região oriental africana. Contudo, a má gestão financeira durante o período de expansão fez com que a Uchumi tivesse que encerrar dez espaços comerciais no início deste ano. Contudo, o maior retalhista do Quénia parece recuperar a sua dinâmica, por meio de uma gestão financeira mais prudente e de um modelo de franchising, acções que suportaram a expansão renovada da insígnia.

Mercados

Na região ocidental, Gana e Nigéria são mercados com boas perspectivas de negócio para o sector retalhista. Apesar de a economia ganesa ter vindo a manifestar-se uma economia estável e com um potencial imenso para a troca de produtos agrários, perspectiva-se, no entanto, que a Nigéria surja como a futura superpotência económica do continente, fruto de vastíssimas reservas de petróleo e de uma população acima dos 120 milhões de habitantes. No entanto, ao longo dos últimos anos o crescimento nigeriano tem sido atrasado devido às delicadas e constantes disputas políticas entre o governo militar e algumas etnias tribais, que, em conjunto com os problemas na estrutura económica, têm retardado o desenvolvimento do país. No que diz respeito ao poder de compra, a grande maioria da riqueza está concentrada num grupo restrito de cerca de 20% da população, com a maioria populacional a viver num clima de pobreza severa, sendo incapaz de assegurar a aquisição dos consumíveis mais básicos para a sobrevivência.

A Costa do Marfim também sofreu os efeitos dos conflitos étnicos, que resultaram numa guerra civil que ditou a separação do país em duas áreas distintas: uma mais agrícola a Norte e outra mais industrializada a Sul. É nesta última região, mais concretamente nos arredores da capital Abidjan, que diversos operadores locais, nomeadamente Sococe, Sodispam e Prosuma, abriram alguns entrepostos modernos, incluindo supermercados e discounters. Lembre-se que o país tem uma forte ligação com França em termos comerciais e económicos, o que conduziu a uma franca dependência dos investimentos e importações francesas, que têm beneficiado o retalho local. No entanto, o retomar das hostilidades contribuíram para a estagnação do desenvolvimento, perspectivando-se que, caso o cessar-fogo seja uma realidade, o país possa retomar o estatuto de uma das principais economias da região.

Mais a Sul, a Tanzânia tem experimentado um crescimento económico relativamente estável nos anos mais recentes, situação que despertou o interesse de investidores quenianos. Embora o sector agrícola seja responsável por mais de 50% do PIB do país, têm-se verificado movimentações crescentes em outros sectores de actividade, partilhando, ainda, o país a preocupação evidenciada por outros países africanos relativamente à predominância de empresas sul-africanas nas respectivas economias. Apesar de os sul-africanos serem bastante considerados na qualidade de investidores, algumas vozes públicas apelaram à necessidade de diversidade e incremento de auto-confiança no investimento local.

Impacto cíclico

O aumento da presença de grandes cadeias retalhistas estrangeiras terá um impacto cíclico positivo nas economias locais, ao encorajar os produtores a investir nos recursos locais, criando emprego e fomentando o consumo necessário à promoção do mercado retalhista. Uma vez alinhado o sistema, os operadores serão encorajados a aumentar os seus investimentos de forma a atingir economias de escala, consequência natural dos aumentos alcançados na produção e na elevação dos padrões do mercado. Contudo, para que este patamar seja extensível a toda a região, é necessário um maior dinamismo e empenho por parte de outros operadores e não exclusivamente dos sul-africanos.

Os compromissos que as grandes cadeias francesas têm estabelecido com os países do Norte de África constituem um vector positivo para o desenvolvimento do sector e dos diversos mercados. Nesse sentido, o Grupo Auchan tem previsto a abertura de 25 supermercados Acima até 2008, contemplando o plano a abertura de cinco novos espaços, em média, por ano, traduzindo-se o investimento global em cerca de 69 milhões de dólares. Embora de forma mais discreta, o concorrente Carrefour também se encontra presente em solo africano, fazendo-se representar através de dois hipermercados existentes no Cairo e Alexandria. Por oposição, os alemães da Metro adiaram a sua entrada no mercado egípcio indefinidamente. Recorde-se que a insígnia germânica é conhecida pelo seu pioneirismo na entrada em mercados em via de desenvolvimento, à semelhança do verificado no Leste europeu no início da década de 90 e actualmente na China e Índia, residindo parte do seu sucesso na construção de uma rede doméstica de trade da qual os formatos de retalho tradicionais e os produtores locais também beneficiam. Nesse sentido, o seu formato cash & carry, a Metro AG, poderá ser um veículo de sucesso para o investimento em África.

Num futuro próximo, e de modo generalizado, um número mais significativo de insígnias ocidentais acabarão por considerar a penetração nos mercados africanos um passo lucrativo, situação que, uma vez materializada, deverá ter na linha da frente a Metro Gruppe, embora esta realidade ainda se afigure distante no tempo.

No entanto, o desenvolvimento do sector não é o único remédio para os problemas de África. Uma aproximação mais razoável a nível do comércio por parte das nações industrializadas, nomeadamente através da redução quer dos subsídios atribuídos à produção quer de tarifas aduaneiras, poderá conferir aos agricultores africanos uma hipótese mais justa para competir. Paralelamente, e a nível social, um compromisso reforçado na prevenção contra doenças devastadoras e que estão no topo das principais causas de mortalidade no continente, casos da SIDA e da malária, a redução da dívida externa e o encorajamento à formação de sociedades democráticas e livres, governadas sem o estigma da corrupção, são preocupações generalizadas relativamente ao continente africano, que, enquanto nenhuma decisão concreta é tornada realidade, vai alimentando o sonho de que com a contribuição de todos o futuro da região poderia ser melhor.