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Mais vinho e… tinto

Por a 19 de Setembro de 2005 as 14:26

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A apresentação do Anuário do Instituto Nacional da Vinha e do Vinho (IVV) referente à campanha 2004/2005, vem revelar um aumento na produção de vinho em Portugal. O mais importante é, no entanto, a melhoria da matéria-prima, com a produção de uvas de categorias mais nobres a registar uma evolução. Esta realidade não é, contudo, transposta para o produto final, verificando-se um ligeiro decréscimo na produção de VQPRD e um aumento nos Vinhos de Mesa. Na cor do néctar, o domínio do tinto é cada vez maior, mas em termos qualitativos, regista-se uma aproximação evidente do branco.

Os números provisórios apresentados no anuário do IVV referentes à produção nacional – campanha de 2004/2005 – vêm confirmar uma pequena subida na produção nacional de vinho. Segundo dados provisórios do IVV, o presente ano poderá registar a segunda maior campanha deste século, com um aumento total de mais de 10 milhões de litros, ficando, contudo “alguns litros” abaixo da produção registada em 2001/2002 com 778 milhões de litros ou até mesmo da melhor campanha de sempre em “terroir” nacional em 1996, ano em que nos aproximámos dos mil milhões de litros. Assim, e caso as condições meteorológicas não sofram grandes alterações, a produção nacional de vinho poderá aproximar-se dos 750 milhões de litros, embora os últimos dados revelem que devido ao efeito da seca, a produção poderá rondar os 719 milhões de litros na vindima que se aproxima, ou seja, uma quebra de quatro por cento em relação à campanha do ano anterior.

De acordo com os dados provisórios publicados no anuário do IVV, irá registar-se uma ligeira redução na produção de vinho VQPRD (Vinhos de Qualidade Produzidos em Região Determinada), correspondendo a uma quebra de um milhão de litros em relação à campanha transacta. Na realidade, este valor não influenciará a quota do VQPRD na globalidade dos vinhos produzidos nas adegas nacionais, mantendo-se esta nos 31 por cento, correspondente a 228 milhões de litros.

No entanto, se juntarmos aos 228 milhões de litros de VQPRD´s (que incluem os VEQPRD´s – Vinho Espumante de Qualidade Produzido em Região Determinada – e os VFQPRD´s – Vinho Frisante de Qualidade Produzido em Região Determinada) o cem milhões litros de VLQPRD´s (Vinho Licoroso de Qualidade Produzido em Região Determinada) previstos, rapidamente nos apercebemos que o vinho está a melhorar em Portugal. Assim, os VQPRD´s e VLQPRD´s ultrapassarão o valor apresentado pelos Vinhos de Mesa – 262 milhões de litros, correspondentes a 35 por cento da produção nacional – apresentando os néctares de categoria superior uma quota de 44 por cento e cerca de 330 milhões de litros produzidos. Na realidade, os dados do IVV revelam-nos que na campanha de 2004/2005 se verificarão somente duas subidas em termos de quota em volume – VLQPRD e Vinhos de Mesa –, registando-se uma descida (Vinhos Regionais) e uma manutenção (VQPRD).

No caso dos Vinhos Regionais, a descida verificada nesta campanha virá, de certa forma, confirmar a irregularidade da produção, já que nas últimas quatro campanhas o volume tem sempre alternado entre a descida e a respectiva subida. De 2003/2004 para 2004/2005, a descida fica ligeiramente abaixo dos dez milhões de litros, o suficiente, contudo, para baixar a quota do Vinho Regional em dois pontos percentuais, fixando-se actualmente nos 21 por cento, correspondente a 156 milhões de litros. Já no caso dos Vinhos de Mesa e após uma descida de um por cento registada na campanha anterior, a produção desta categoria de vinho poderá voltar a ganhar o ponto percentual perdido, para se fixar novamente nos 35 por cento, o equivalente a 262 milhões de litros.

Equilíbrio regional

Com a produção de vinho prevista pelo anuário do IVV a registar um ligeiro aumento em Portugal, houve um certo equilíbrio entre as regiões. Após a quebra verificada na campanha de 2002/2003, apresentando o valor mais baixo do século XXI, o Minho manteve a sua tendência de crescimento, apresentando pelo segundo ano consecutivo um aumento na produção. De facto, a campanha de há dois anos pode ser classificada de desastrosa na região dos Vinhos Verdes, com a produção a registar uma perda de 61 milhões litros, passando de 144 milhões para pouco mais 83 milhões de litros. Este ano, as previsões do IVV apontam para uma produção muito perto dos cem milhões de litros, o equivalente a um aumento de mais de 14 milhões de litros.

Na região de Trás-os-Montes, com uma produção global perto dos 190 milhões de litros, o Douro manteve a alternância entre a subida e a descida iniciada em 2000, com os anos ímpares a registarem sempre reduções nas produções de vinho. Assim, a mais antiga região vitivinícola do mundo, registará um decréscimo de oito milhões de litros de vinho face à campanha anterior, fixando a produção de 2004/2005 em 164 milhões de litros. As restantes regiões vitivinícolas de Trás-os-Montes apresentarão uma ligeira subida na produção, passando de 21 milhões para 22 milhões litros, não sendo, contudo, suficiente para manter a globalidade da região em crescimento.

Baixando no mapa geográfico e vitivinícola nacional, também as Beiras poderão ver a sua produção vitivinícola baixar da campanha de 2003/2004 para 2004/2005, perdendo pouco menos de dois milhões de litros. Das regiões pertencentes às Beiras, só a Bairrada terá comportamento positivo, aumentando a sua produção em seis milhões de litros, enquanto o Dão baixará pela segunda vez neste século a fasquia dos 40 milhões de litros, apremilhões de litros. As restantes região das Beiras contribuirão, também, para a descida apresentada por esta região, com um decréscimo de 1,3 milhões de litros.

As duas regiões vizinhas que muitos julgam ser possível fundirem-se numa só num futuro próximo – Estremadura e Ribatejo – apresentarão, previsivelmente, comportamentos antagónicos. Enquanto a região do Ribatejo regista, segundo dados provisórios do IVV, uma descida – passando de 88,4 para uma produção de 84,5 milhões de litros –, a sua “vizinha” aumentará em 17 milhões de litros a sua produção de vinho. Apresentando, igualmente, comportamento negativo, a primeira região a sul do Tejo – Terras do Sado – verá a sua produção de vinho baixar para os 37 milhões de litros, isto é, menos cinco milhões de litros que na campanha anterior, embora se coloque ainda a longa distância do mínimo de 26 milhões de litros registados em 2001/2002. Continuando a viagem para Sul, a região do Alentejo tem vindo a beneficiar da sua juventude e da entrada em plena produção da maior parte das vinhas – novas ou reestruturadas – apresentando, previsivelmente e durante o segundo ano consecutivo, valores positivos, registando uma ligeira subida de 1,6 milhões de litros, face à campanha anterior. Região com pouca expressão vitivinícola, o Algarve registará a segunda maior produção deste século com 2,4 milhões de litros de vinho, segundo dados provisórios do IVV. Nas ilhas, enquanto na Madeira se assinalará um decréscimo de 800 mil litros de vinho, constituindo assim o recorde negativo nestes últimos cinco anos, os Açores poderão ver a sua produção crescer em 1,1 milhões de litros, ultrapassando pela terceira vez este século a fasquia dos dois milhões de litros mil produzidos.

Cada vez mais tinto

Quando colocadas as duas cores de vinho em cima da balança, esta pende, claramente e de acordo com as previsões do IVV, para o lado dos tintos/rosados, representando 64 por cento do total de vinho produzido em Portugal, contra os 36 do seu “adversário” branco, mantendo a tendência de subida iniciada na campanha anterior. Na realidade, são as categorias VLQPRD e Regional que mais contribuirão para o aumento de um por cento do vinho tinto/rosado na produção total da campanha 2004/2005, passando de 76 e 67 por cento para 78 e 72 pontos percentuais, respectivamente.

Também os Vinhos de Mesa verão a cor tinta/rosada sair reforçada, aumentando em dois por cento a sua quota, fixando-se nos 60 por cento, contra os respectivos 40 nos brancos. A única descida nos néctares de cor tinta/rosada poderá, curiosamente, vir a ser registada nos VQPRD, com um decréscimo de cinco pontos percentuais da campanha transacta para a de 2004/2005. Na realidade, estes números vêm contradizer um pouco a tendência que foi apontada pelo Estudo Porter, aquando da sua apresentação no Centro de Congressos de Lisboa. No referido estudo é apontado como “salvação” para a fileira vitivinícola nacional a produção de vinhos tintos de qualidade, de modo a corresponder às exigências, principalmente dos consumidores dos mercados estratégicos delineados – EUA e Reino Unido. Por isso, não deixa de constituir uma surpresa verificarmos que é exactamente nesta categoria e cor de vinho que se poderão verificar as descidas, já que tanto os VQPRD, como os Regionais assinalarão decréscimos na produção, embora o Vinho Regional tinto registe um subida de cinco pontos percentuais ao nível da cor do néctar, precisamente o mesmo valor perdido pelos VQPRD´s.

Por outro lado, a previsível subida da cor tinta nos Vinhos Regionais, e consequente descida nos VQPRD´s, é compensada com situação inversa nos vinhos brancos. Este facto, poderá significar que os produtores nacionais estão apostados em voltar a produzir vinhos brancos de qualidade, depois de na campanha anterior se ter registado um decréscimo de seis pontos percentuais na produção de VQPRD branco, voltando este valor a ultrapassar os 40 por cento na actual campanha.

Menos, mas melhor vinha

A divulgação dos dados relativos à campanha de 2004/2005 por parte do Instituto da Vinha e do Vinho (IVV), revela-nos que a superfície vitícola nacional total registou um ligeiro decréscimo. De acordo com os dados do Ficheiro Vitivinícola do Continente em 1 de Setembro de 2002 (apresentados no anuário relativo à campanha de 2003/2004), a superfície vitícola era de 241.119 hectares. Este número não contemplava, contudo, os direitos de plantação por utilizar (13.521 ha) e os direitos mantidos na reserva (208 ha) que somados, totalizariam 254.848 hectares de vinha em território português. De acordo com os números agora apresentados pelo anuário do IVV relativo à campanha de 2004/2005, este valor sofreu uma ligeira redução, com os mesmos ficheiros, mas com data de 1 de Setembro de 2003, a apresentarem uma superfície vitícola de menos 1.168 hectares, perfazendo, assim, um total de 239.951 hectares. Contemplando os direitos de plantação por utilizar (13.541 ha) e os direitos mantidos na reserva (590 ha), a superfície vitícola portuguesa perfaz, assim, 252.082 hectares (menos 2.766 ha que na campanha anterior).

Tomando em consideração o inventário da superfície vitícola nacional, regista-se que, apesar do total ter diminuído, a área de VQPRD (Vinho de Qualidade Produzido em Região Determinada) aumentou consideravelmente, passando de 126.687 para 147.973. Este aumento em mais de 21 mil hectares de vinha para VQPRD faz prever que os produtores nacionais estão apostados em vinificar cada vez mais e melhores néctares, partindo do princípio incontestável de que sem boas uvas, não se produz bom vinho. À excepção das Beiras e do Alentejo, onde foram ganhos mais 82 e 931 hectares de vinha, respectivamente, todas as restantes regiões perderam superfície vitícola. As maiores perdas foram registadas na região da Estremadura onde de 2002 para 2003 foram perdidos mais de 850 hectares de vinha, logo seguida pelo Ribatejo (com menos 364 ha), Trás-os-Montes (menos 348 ha) e Minho (com menos 342 ha).

Quanto às vinhas VQPRD, registando um aumento global de 21.286 hectares, atingindo os 147.973 hectares de vinha, só três regiões apresentaram valores negativos. Destas, as Beiras destacam-se claramente com uma redução de mais de 22 mil hectares de vinha VQPRD, passando de 39.214 (em 2002) para 16.671 hectares (em 2003). Ainda no campo das perdas, aparecem as regiões do Algarve, com menos 844 hectares de área VQPRD e as Terras do Sado com uma redução de 681 hectares.

Do lado dos aumentos, e apesar de praticamente todas as regiões terem reduzido a sua área total, é de salientar o aumento de vinha VQPRD na Estremadura e no Ribatejo, tendo passado de 771 para 14.566 e 1.244 para 18.473 hectares, respectivamente. Além destas duas regiões, também Trás-os-Montes, com mais 11.503, Alentejo com mais 1.805 e Minho com um acréscimo de 1.022 hectares, contribuíram para o aumento da área de VQPRD, colocando a cifra bem perto dos 150 mil hectares.

Com o mercado mundial do vinho a viver dias de alguma recessão, com o consumo per capita a diminuir e a produção a aumentar, vislumbram-se dias difíceis para os operadores deste mercado, tanto a nível internacional, como principalmente, para os agentes nacionais. A entrada “em jogo” de novos players veio dificultar a vida aos que tinham, de certa forma, o mercado controlado (nomeadamente a França, Espanha e Itália), tornando a concorrência feroz e implacável. Todos têm as suas baterias apontadas para mercados estratégicos – Reino Unido, Estados Unidos da América, Japão, Canadá e, mais recentemente, a China – levantando muitas vezes interrogações sobre a rendibilidade destes mercados. De facto, são tantos os produtores com intenções de colocar os seus néctares nestes países que muitas vezes nos questionamos se, na realidade, existe espaço para tanta gente e, mais concretamente, tanto vinho.

Nos últimos anos, tem-se verificado, por parte dos consumidores destes mercados, um gosto particular pelos vinhos provenientes do Novo Mundo, não por serem melhores, mas, no fundo, por serem diferentes. A tendência para os vinhos fáceis de beber está, contudo, numa fase descendente, com os consumidores a ficarem cansados deste tipo de néctares, pretendendo actualmente, vinhos mais elaborados e menos “criações de laboratório”. Hoje, o “amante do vinho” espera ser surpreendido por novos “aromas” e “sabores” e poderá ser exactamente neste aspecto que Portugal poderá ter uma palavra a dizer, apostando, fundamentalmente, na qualidade e na diferença das suas castas, transmitindo ao “ávido” consumidor, o que de bom se faz em “Terras de Camões”. A afirmação da marca “Wines of Portugal” tem sido difícil, reconhece o sector. Mas com esta nova apetência para experimentação e diversificação de consumo a outras propostas, e concretamente outras castas, poderá estar aqui uma oportunidade para os néctares nacionais.