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Carta de um Pai Natal futuro aos retalhistas

Por a 7 de Dezembro de 2018 as 17:54

José Figueiredo_comparajaPor José Figueiredo, diretor-geral do ComparaJá.pt

«O meu nome é São Nicolau, mas a verdade é que já me chamaram muitos nomes em muitas línguas. Há quem me chame de Kris Kringle ou Santa Claus. Vocês provavelmente conhecem-me por Pai Natal.  Escrevo-vos esta carta do ano 2118.

É Agosto e, enquanto as crianças desfrutam das férias grandes escolares, também se começam a pendurar as primeiras iluminações natalícias. As grandes cadeias de supermercados já fazem as primeiras montras com motivos natalícios e os primeiros pais natais de chocolate, calendários com bombons, Ferrero-Rocher e Mon Chéri já adornam as áreas de promoções.

Como estamos no Verão, tive de trocar o meu típico fato felpudo por t-shirt, calções e havaianas. Provavelmente perguntam-se: que está o Pai Natal a fazer atarefado em Agosto?

A verdade é que como arrastaram o Natal para mais cedo, hoje (o amanhã de vocês), tenho que começar a trabalhar logo antes do Verão.

A mudança foi incremental. Provavelmente lembram-se: há uns anos, o espírito natalício começava no início de Dezembro. Depois, ainda no vosso presente, começaram a aparecer as primeiras promoções em inícios de Outubro. Daí foi sempre a descer..

Com o objetivo de “milk the cow” ou, neste caso, a rena, os senhores retalhistas foram alargando o Natal. Hoje em dia ninguém sabe bem onde calha e já só se celebra em Dezembro por um simples pró-forma tradicional.

Como resultado, já são poucos os que se lembram da magia do Natal passado. Levam com motivos natalícios desde Agosto e, chegando a Dezembro, já se encontram plenamente dessensibilizados. E eu, obrigado a trabalhar desde Junho, já tive que enfrentar três greves de elfos e outras tantas assembleias gerais de renas.

Na verdade, para os retalhistas, o feitiço parece ter-se virado contra o feiticeiro. Dezembro, um mês tradicionalmente bom, parece ter-se tornado “apenas mais um”. Os clientes, já cansados de serem “metralhados” com motivos natalícios, criaram anticorpos para o efeito da época.

As carteiras, essas, já foram sendo esvaziadas com os sistemáticos dias de promoções (em 2118, para além da Black Friday e da Cyber Monday, já temos a Pink Tuesday, Blue Wednesday, Yellow Thursday, Orange Saturday e a Green Sunday. A verdade é que também a acumulação destes dias parece estar a perder o seu efeito nos consumidores.

O Natal está a perder-se. Preciso que o salvem. Retalhistas, a última palavra é vossa.»

Esta carta ficcional (infelizmente, ainda não possuo o poder de viajar no tempo e já lá vão os dias em que acreditava na Pai Natal) pode parecer exagerada para alguns. Mas a verdade é que as consequências previstas pelo nosso Pai Natal futuro (espero que o Charles Dickens me perdoe a tentativa de adaptação), podem ser bem reais para os retalhistas.

O Natal corre o risco de deixar de ser a época por excelência para a família e passar a ser apenas um incentivo ao consumo. E mesmo no que ao consumo diz respeito, pelo cansaço infligido ao consumidor, pode perder o seu efeito.

É verdade que o nosso Pai Natal ficcional (perdoem a redundância) pode estar errado. É perfeitamente possível que o consumidor opte por gastar durante toda esta época, mesmo que esta comece em Agosto. Mas é preciso atentar que, com o tempo, o próprio mindset se adapta e é bem provável que se comecem a criar resistências a estas iniciativas se o consumidor notar que lhe estão a ser demasiado impingidas.

É preciso ver que, mesmo consumidores mais frugais, tendem a ser mãos-largas na altura do Natal, sendo uma época em que, tradicionalmente, os retalhistas podem esperar grandes receitas.

Há grandes marcas que começam a perceber o efeito psicológico que isto tem no consumidor nostálgico. A Nordstrom, nos Estados Unidos, só inicia as suas decorações natalícias no dia a seguir ao Dia de Ação de Graças (dia 23 de Novembro). E, segundo a empresa, a resposta dos clientes a esta iniciativa tem sido muito positiva.

Há o risco de que a época deixe de ser como era e isso, no final do dia, pode significar um tiro saído pela culatra. Fica a pergunta: valerá a pena para os retalhistas salvar o Natal?

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