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Fim à vista da guerra comercial entre Europa e EUA?

Por a 20 de Agosto de 2018 as 13:52

acordoA Europa e os Estados Unidos fizeram um acordo que ameniza a tensão comercial existente entre os dois blocos. Mas se houver um recuo, a situação económica da Europa e dos Estados Unidos poderá vir a piorar

O acordo entre os Estados Unidos e a União Europeia (UE), anunciado no final de julho numa declaração conjunta de Donald Trump e Jean Claude Juncker, pode afastar o cenário de uma guerra comercial entre as duas potências económicas. Os responsáveis comprometeram-se a trabalhar para avançar para zero taxas alfandegárias nas trocas industriais, exceção feita para o setor automóvel. A UE comprometeu-se a aumentar no imediato as importações de soja, enquanto Trump deixou a promessa de rever as taxas aplicadas ao alumínio e ao aço europeus. A reunião entre Trump e Juncker ameniza, assim, por enquanto, a escalada de uma guerra comercial entre os dois blocos.

O ministro da economia alemão, Peter Altmaier, congratulou-se com o acordo alcançado por Trump e Juncker. “Felicitações Juncker e Donald Trump: o avanço alcançado pode evitar uma guerra comercial e salvar milhões de empregos! Muito bom para a economia global”, escreveu Altmaier na sua conta de Twitter. E era precisamente um cenário de diminuição do emprego que se perspetivava caso os Estados Unidos e a Europa entrassem numa guerra comercial mais acentuada. As consequências, porém, não seriam visíveis a curto prazo. Mas a médio e a longo prazo haveria implicações negativas em termos macroeconómicos. “As coisas nunca acontecem num mês, em dois meses ou em três meses. Os efeitos de uma guerra comercial demoram tempo. Mas no médio e no longo prazo, uma situação do género gera menos riqueza e menos emprego. Isso é indiscutível”, diz Francesco Franco, professor da Nova School Business & Economics e especialista em comércio internacional.

O Departamento do Comércio dos Estados Unidos anunciou, no final de maio, em Washington, a decisão de suspender a exceção à imposição de tarifas às importações de aço e alumínio ao Canadá, ao México e à União Europeia. Esta intenção já havia sido anunciada em março, mas manteve-se em suspenso até ao final de maio, altura em que foi anunciado que os Estados Unidos iriam aplicar taxas de 25% às exportações de aço europeias e de 10% às de alumínio. Os líderes europeus não tardaram a reagir, denunciando que a política comercial dos Estados Unidos infringia as regras da Organização Mundial de Comércio e prometeram retaliações. “O grande problema é saber qual a dimensão da escalada entre os Estados Unidos e a Europa. O aumento das tarifas começou sobre produtos intermédios como o aço e o alumínio. Por isso, neste caso, não havia consequências diretas para Portugal. Era mais para a Alemanha e para o Canadá, por exemplo”, refere Franco.

A guerra já havia sido iniciada com a imposição de tarifas norte-americanas sobre painéis solares e máquinas de lavar roupa. Com o aumento das tarifas sobre o aço e o alumínio, a retaliação, por parte da Europa e de outros países, não se fez esperar. Trump alegava que as práticas comerciais desses países eram desleais e ameaçavam os fabricantes norte-americanos e a própria segurança nacional. A China foi acusada de comercializar pelo mundo metal barato. Os chineses responderam com impostos sobre cerca de três mil milhões de dólares em produtos americanos. Em final de maio, o Canadá entrou na luta com a introdução de tarifas em produtos norte-americanos avaliados em 12,8 mil milhões de euros, que entrariam em vigor a um de julho. O México também entrou na contenda, com o anúncio de tarifas sobre mais de três mil milhões de euros em aço, queijo, carne de porco e outros produtos.

Em maio, a Europa já havia ameaçado uma retaliação com tarifas sobre produtos americanos que valem 7,1 mil milhões de euros, com entrada em vigor em junho. A lista é composta por bens industriais, de consumo e produtos agrícolas. Sumo de laranja, sumos de amora alpina, whisky, manteiga de amendoim, motos e produtos de beleza são alguns dos produtos a constar na lista de produtos a tarifar pela Europa. Quanto aos produtos relacionados com o setor agrícola, Trump teve de anunciar um pacote de subsídios para os agricultores norte-americanos, uma forte fatia do seu eleitorado, de dois mil milhões de euros. “[Os agricultores] estão já a perceber que esta guerra comercial está a ter efeitos negativos sobre a agricultura norte-americana que exporta muito para a China e para a Europa”, menciona o professor da Nova.

Europa EUAAs exportações agrícolas americanas valem 140 mil milhões de dólares anualmente. As exportações para a Europa valem 12 mil milhões de dólares. Para a China 20 mil milhões. E para o Canadá e para o México cerca de 39 mil milhões de dólares. Os agricultores norte-americanos, fazendo parte de um setor diretamente afetado pelo aumento das tarifas europeias, manifestaram-se preocupados. David Salmonsen – diretor sénior para as relações do congresso com a American Farm Bureau Federation, um dos lóbis agrícolas mais poderosos dos Estados Unidos – mostrou essa preocupação. “Uma das coisas mais preocupantes é saber como isto vai aumentar”, referiu, citado pelo The Guardian.

Em retaliação às medidas da União Europeia que Trump considera injustas, a administração norte-americana ameaçou impor tarifas de 25% sobre os automóveis europeus. Sobre a China, a administração norte-americana ameaçou ainda mais tarifas sobre produtos avaliados em 200 mil milhões de dólares.

As consequências de uma guerra comercial são sempre difíceis de avaliar. Mas no caso das retaliações anunciadas por Trump, a um nível geral, parecem ser óbvias. “A produção mundial é agora muito integrada. E na Europa também. Se imaginarmos que há muitas empresas em Portugal a fazer outsourcing ou que entram na cadeia de produção de carros alemães ou de carros franceses, se começam a haver tarifas sobre esses carros, vai afetar obviamente as empresas que estão a produzi-los. Há um efeito em cadeia que se reflete no emprego”, diz o especialista em comércio internacional.

Ainda para mais o comércio relacionado com a indústria automóvel entre a UE e os Estados Unidos representa quase dez por cento do comércio total entre os dois blocos económicos, segundo números da Associação Europeia de Fabricantes de Automóveis. E os Estados Unidos são o principal destino dos carros europeus. “O que é incrível é que, utilizando os instrumentos económicos para fazer a análise do que são os custos e benefícios desta guerra, é extremamente difícil provar que há benefícios. Acho quase impossível. Não estou a dizer que ninguém vá ganhar com esta guerra comercial no sentido em que o comércio internacional não é uma coisa que não tenha consequências redistributivas. Há sempre uma parte que beneficia e outra parte que não. Mas, no total, a soma dos ganhos é inferior à soma das perdas”, explica Francesco Franco.

Alargamento da lista de produtos pode afetar toda a economia

O acordo alcançado entre os Estados Unidos e a Europa poderá refrear os piores receios quanto à escalada de uma guerra comercial. Mas caso, na prática, o cenário se mantenha ou se houver uma marcha-atrás nas intenções anunciadas pelas duas partes, a situação poderá agravar-se. “Poderá haver produtos europeus com tarifas mais elevadas”, refere o professor da Nova. Em Espanha, os agricultores já foram afetados com a guerra comercial, através do agravamento das tarifas sobre as azeitonas. O Departamento de Comércio dos Estados Unidos anunciou tarifas com uma variação entre 7,52% e 27,02%. Os Estados Unidos alegam que estas medidas são necessárias para combater o preço das azeitonas espanholas. Em reação, a Europa referiu que as tarifas eram inaceitáveis e que já estariam a afetar os produtores da Andaluzia, onde o impacto económico da cultura da azeitona é muito acentuado.

Se o acordo entre a Europa e os Estados Unidos não tiver efeitos práticos, a escalada poderá continuar. “Para a Itália, seria mau porque é um grande exportador da indústria agroalimentar”, exemplifica Francesco Franco. E aí, Portugal também sairia afetado. “Obviamente que teria um impacto sobre Portugal, porque a política comercial portuguesa é delegada à Europa. Somos uma união alfandegária, portanto o que é feito na Itália ou na Espanha afeta Portugal e vice-versa. Se continua uma escalada a esta rapidez, vamos ser atingidos em todos os setores da economia”, acredita.

Esta guerra poderia inclusive conduzir a efeitos políticos dramáticos. “Do ponto de vista político e de equilíbrio nas relações internacionais é também um desastre porque não estamos a defender os acordos comerciais de forma multilateral, como era previsto pelo nosso regime internacional. Estamos, por isso, a criar muitas tensões entre nações ou entre blocos de nações, como a Europa, os Estados Unidos e a China. Tensões desse tipo nunca foram boas na história”, finaliza.

*Artigo originalmente publicado na edição impressa de agosto do Jornal Hipersuper

 

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