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“Death to stock photo”, por Sérgio Abreu (Primetag)

Por a 10 de Janeiro de 2018 as 19:04

Opinião de Sérgio Abreu, Head of Brand da Primetag*

Se as marcas e as empresas podem ser representadas por um modelo qualquer, com imagens produzidas num local aleatório, por que razão os consumidores deverão acreditar que os seus produtos e serviços são únicos e especiais?

“We pursue this mission because isolation, inequality, and scarce resources lead us to remove humanity from our art. ‘Stock’ is as much a programmed mentality as it is a category of media”.

Este excerto é parte do texto de apresentação que podemos encontrar no website deathtothestockphoto.com. Para mim, resume um sentimento generalizado em relação ao crescente uso dos bancos de imagem em publicidade e comunicação.

Um pouco de contexto

Stock photography ou banco de imagens, em português, é um serviço que permite licenciar, para uso comercial, conteúdos multimédia, tais como fotografias, ilustrações e vídeos. Os principais actores neste mercado são a Getty Images, Inc. e a Shutterstock com uma capitalização de mercado de aproximadamente 2000 milhões US$ e 1500 milhões US$, respectivamente. A Getty afirma ter 250 milhões de conteúdos em portefólio e um milhão de clientes. Por sua vez, a Shutterstock anuncia ter 177 milhões de conteúdos e um número de clientes estimado em 1,7 milhões.

Estas plataformas oferecem aos clientes modalidades e níveis de serviço que vão desde a compra unitária, através da aquisição de créditos, até à subscrição de serviços anuais multi-conteúdos que podem ascender a vários milhares de euros.

As plataformas iStock (grupo Getty Images, Inc.) e a Shutterstock permitem o acesso aos conteúdos, sendo o cliente proprietário dos mesmos, de forma perpétua e com um leque de utilização muito alargado, num sistema “royalty free”. Por sua vez, a plataforma Getty Images, além dos conteúdos “royalty free” a um preço substancialmente superior, tem no seu arquivo imagens de celebridades e eventos históricos cujo seu uso específico e custo são negociados antecipadamente com o cliente. A título de exemplo, podemos encontrar imagens tanto de John F. Kennedy como dos Beatles ou da Rhianna.

O problema do conteúdo de stock

Todas as indústrias criam ferramentas próprias, adequadas à execução e desenvolvimento da sua actividade. A fotografia de stock, que é o conteúdo mais utilizado, provou ser uma ferramenta eficiente na produção de publicidade e comunicação num contexto crescentemente digital.

Paradoxalmente desenvolveu-se um processo em que a ferramenta passou a moldar a indústria. O que significa isto? Agências de comunicação, departamentos de marketing e até meios de comunicação dependem do conteúdo de stock. Perante o baixo custo e o acesso imediato aos conteúdos, todas as outras formas de produção foram gradualmente relegadas para segundo plano, dado o custo de investimento, quer em tempo quer em dinheiro, moldando de forma efectiva e duradoura o modo como estes agentes encaram a produção de conteúdos e comunicação.

Vivemos numa sociedade sobrecarregada de mensagens publicitárias, onde somos abordados diariamente por novos produtos, marcas e serviços.

Assim sendo, acredito que a produção de publicidade tendo por base as mesmas fotos e vídeos aos quais todas as empresas têm acesso, não é a melhor estratégia de diferenciação num universo saturado.

Eu, tal como muitos designers, publicitários e diretores de arte, já investimos horas, dias e semanas do tempo de trabalho na busca dos melhores conteúdos disponíveis nessas plataformas. Apesar de estas anunciarem uma quantidade enorme de recursos, na realidade, os de melhor qualidade correspondem a apenas uma pequena fração do total. Por isso, é frequente vermos a mesma fotografia usada para vender produtos completamente diferentes e, por vezes, antagónicos. Num esforço de personalização das mensagens publicitárias, são investidas, adicionalmente, muitas horas de edição de imagem de forma a tornar esses conteúdos mais coerentes com as marcas e as suas mensagens. Regra geral, este processo resulta em publicidade artificial, super manipulada, que se distancia de forma gritante da realidade.

Alternativas ao stock photo

●     Produções próprias de fotografia e vídeo
A alternativa óbvia que permite um controlo criativo do processo e que garante a exclusividade do conteúdo produzido. No entanto, nem todas as organizações tem o capital ou estruturas necessárias para poder fazer uso desta solução.

●     Parcerias com artistas
Existem muitas mentes criativas envolvidas na produção cultural e artística em áreas como street art, graffiti, arte, música e ilustração. De acordo com as características de cada artista, é possível identificar e estabelecer parcerias tendo em vista a produção de conteúdo que pode ser adequado ao universo visual das marcas bem como aos seus valores. Estes conteúdos podem ser usados tanto na comunicação global como para ajudar a definir caminhos criativos para campanhas específicas.

●     Fotógrafos e “instagrammers”
Muitos fotógrafos possuem contas em redes sociais e, paralelamente, existem “instagrammers” que desenvolveram uma linguagem fotográfica própria. Alguns destes produtores de conteúdos estão disponíveis a ceder os conteúdos por eles produzidos de forma exclusiva e também a produzir material novo de acordo com as necessidades de marcas e campanhas específicas. O desafio reside ainda na profissionalização destes agentes e no processo de produção.

●     “User generated content”
Para marcas de grande consumo ou com uma quantidade significativa de clientes fiéis, a possibilidade de usar o conteúdo gerado pelos consumidores permite aumentar a credibilidade e autenticidade da comunicação, reforçando a proximidade da marca com esses mesmos consumidores. Um exemplo é a campanha #Filme do Ano, na qual a Super Bock pretende contar a história de um ano de amizade através das fotografias e vídeos partilhados no Instagram, convidando para tal os “fãs” da marca a registarem-se para poderem “fazer parte da melhor história de 2017”.

●     Plataformas alternativas
Death To The Stock Photo é uma das plataformas que oferece acesso, através de uma melhor curadoria, a conteúdos mais exclusivos e menos massificados. Tem um nível de serviço grátis e outo pago. Por fim, Unsplash assume-se como a grande alternativa à fotografia de stock. Com uma filosofia própria, esta comunidade de fotógrafos e criativos disponibiliza gratuitamente milhares de imagens inspiradoras, criteriosamente seleccionadas, em contraste com a avalanche de conteúdos dos bancos de imagens tradicionais.

A busca por mensagens autênticas

Durante anos tenho usado bancos de imagem para a produção de trabalho publicitário e de comunicação. Existem muitos conteúdos que são genuinamente úteis no processo, nomeadamente iconografia, fotografia de cidades e locais específicos, padrões, texturas e outros elementos. Não tenho problemas em afirmar que este é um recurso valioso que permite poupar tempo e energia e que democratizou o acesso a materiais de comunicação de qualidade profissional. No entanto, a exclusiva dependência destes “fornecedores” levou a uma homogeneização das mensagens. As mesmas caras sorridentes, as mesmas etnicidades, situações clichê e cenários idílicos intoxicaram os consumidores, levando à descredibilização das mensagens publicitárias, dificultando cada vez mais o trabalho que os criativos e publicitários têm de desenvolver. É a artificialidade que devemos combater. Se as marcas e as empresas podem ser representadas por um modelo qualquer, com imagens produzidas num local aleatório, por que razão os consumidores deverão acreditar que os seus produtos e serviços são únicos e especiais?

*O autor escreve segundo o antigo acordo ortográfico

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