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“Future Retail Supply Chain”: Ideias sobre o que não sei. Por José Crespo de Carvalho (Nova SBE)

Por a 25 de Outubro de 2017 as 18:28
José Crespo de Carvalho, professor Catedrático

Opinião de: José Crespo de Carvalho, professor Catedrático NOVA SBE – School of Business and Economics; Coordenador Académico – EXEC. ED.

Alguém que procure tendências logísticas (ou “supply chain”) em retalho ou para onde vai a “retail supply chain” fica maravilhado. E maravilhado de duas formas: 1) os lugares comuns abundam; 2) as tendências são sempre “coisas” seguras que já estão a acontecer pelo que de futuro têm pouco ou nada. É comum a todas as “casas de opinião” atravessarem-se com tendências que nada dizem de muito novo. A não ser os bonecos que apresentam e que colocam, sim, as coisas a um nível sofisticado de visualização. No resto, não tenho ultimamente ouvido ou lido nada parecido com algumas profecias falhadas de um passado recente e que abaixo apenas nomeio como exemplos. Ora veja-se:

Houve quem dissesse que não havia motivo nenhum para que as pessoas quisessem um computador em casa e…a realidade mostra o contrário. Foi há 40 anos, é certo.

Houve quem dissesse que as compras à distância nunca seriam populares. É certo que foi quase no ano em que nasci, 1966, mas em todo o caso a realidade mostra, mais uma vez, o contrário.

O homem que criou o protoloco Ethernet profetizou um colapso da internet para 1996. Bom, está tudo dito.

Não sei sequer se os desnecessários 640 k de RAM (de que ninguém irá necessitar), frase que se atribui a Bill Gates, poderão contribuir para um sorriso sobre o que é a futurologia.

Enfim. Não faço futurologia mas também não deixo de dizer umas banalidades sobre o futuro do retalho. Duas banalidades que passo a comentar. Talvez mais as duas constatações sobre o que vi e o que vivi e vivo. Quiçá o leitor não sinta exatamente o mesmo que eu sinto quando leio alguma coisa sobre futurologia: um sorriso é o mínimo. Mas também não muito mais que isso.

Então cá vão as duas banalidades (é sempre bom estar em época estival para poder dizer banalidades):

#1. Não acredito num mundo quase todo digital. Em 2001 ganhei um prémio de melhor “paper” internacional com um escrito que profetizava essencialmente o final do primeiro “boom” da internet e fazia foco naquilo que se veio a chamar “last mile”. Que previa a falência de uma série de modelos de negócio e que dizia que havia uma sucessão de coisas sem qualquer fundamento. Que se diziam, em que se acreditava, com as quais se lançavam empresas e que a banca patrocinava. Confesso que esse foi o prémio que ganhei na minha vida que mais me custou receber. E que foi mais mal ganho, também. Porquê? Porque era fácil adivinhar e porque era mais fácil ainda para quem estava, como sempre estive, na “supply chain”, dizer o que disse e prever a falência dos modelos de então. Sei que há mais de 15 anos era ainda um jovem e quando olhavam para mim achavam que eu só podia estar a brincar. Mas quando o disse e o escrevi fi-lo muito mais com a sensação de que nos estavam a roubar o território físico do que a rebater o mundo digital.  Vá, então, de focar o produto. De chamar a atenção para o tangível. E de continuar, ainda hoje, a travar muito do que me dizem porque há meias verdades, e meias mentiras, em tudo isto: não vamos a grande lado sem um PC, sem um telemóvel, sem uma rede cheia de “devices” físicos, sem uns bifes com batatas fritas. That’s life. O mundo físico não acabou no primeiro grande salto tecnológico nos anos 2000 e não vai acabar assim. Ou não vai acabar, ponto. Disso estou quase certo muito embora possa ser irritante esta constatação.

#2. Acredito que estamos mais preparados agora do que há 15 anos atrás para a revolução digital. Daí a acreditar que teremos mundo digital sem mundo físico vai uma grande distância. Podemos nem nos vestir no futuro (andaremos nus) – e não teremos roupa tangível, podemos nem habitar nada (dormiremos na rua) – e não teremos qualquer casa, podemos nem ter um automóvel (andaremos a pé ou em transportes partilhados) – e nem sequer conduzirmos o que seja, podemos nem sequer disfrutar o prazer de uma refeição (haverá certamente subterfúgios para nos alimentar bem) – e nem precisarmos de nos alimentar. Tudo é possível. Mas juro que, pelo menos, teremos saudades do tempo em que tínhamos uma parafernália enorme de utensílios, produtos e bens tangíveis, físicos. E de stocks, e de livros em papel, e de restaurantes que nos dessem comida a sério e não apenas amostras, e de carros com os quais fizéssemos peões e não apenas meios de transporte partilhados, e de casas onde tivéssemos privacidade e não condomínios ou agrupamentos de pessoas que se juntam para disfrutarem de uma “joint” ou “shared living proposal”.

Termino. Não disse nada. Nem preciso de dizer muito porque isto é mais uma espécie de editorial. Mas há uma pergunta que gostaria de deixar: porque será que a Amazon, com o seu “sex appeal digital” (mas muito baseado em operação física, ainda que com grande automação), comprou a Whole Foods? De repente o gigante digital acredita que o futuro também pode passar pela “healthiest grocery store” ou achará que para nos tornarmos mais saudáveis teremos de prescindir daquelas boas refeições e trocá-las por comprimidinhos que se venderão na Whole Foods e se expedem pela Amazon?  Em todo o caso, uma cadeia de retalho convencional, física. O futuro dirá muita coisa. Mas confesso que não gosto nada de o antecipar. Não só perde a piada como, eventualmente, tira um bom bocado de prazer à vida. A ver vamos.

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