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Opinião. Fazer da Ética uma forma de fidelizar consumidores (e atrair talento)

Por a 18 de Setembro de 2017 as 11:12

Por José Figueiredo, diretor-geral da plataforma gratuita de simulação de produtos financeiros ComparaJá.pt

Apesar de a civilização ocidental ter sido erigida sob estas noções, o respeito pelos valores éticos e morais na nossa sociedade tem vindo a perder força. Em geral, o nosso povo parece estar mais inclinado para aceitar a famosa frase de Teresa Guilherme, na altura apresentadora do Big Brother, “Quem tem ética passa fome”, do que interessado em debater a sua importância no modelo da sociedade atual, nomeadamente no campo empresarial.

Não quer isso dizer que tenhamos todos de passar a ler as obras dos grandes filósofos dedicadas a este tema, até porque livros como “Ética a Nicómaco” de Aristóteles ou “Ética” de Espinoza não são propriamente leituras leves, daquelas que consumimos no metro ou na praia. O que sugiro é que haja uma maior preocupação com este assunto e com os impactos de o relegarmos para segundo plano.

Voltemos à frase da apresentadora que, apesar de não ser uma especialista em Direito, Economia ou Filosofia, toca num ponto importante: será que vivemos numa sociedade em que a Ética se está a tornar num impedimento do sucesso?

Recuso-me a acreditar nisso. Especialmente porque, contrariamente à geração dos nossos pais, as gerações mais jovens estão cada vez mais preocupadas com este aspeto, sendo progressivamente mais exigentes nas várias esferas da sua vida: por exemplo, exigem maior transparência nas decisões dos decisores políticos e preocupam-se muito mais com a forma como as empresas produzem os produtos que comercializam.

Estando estes jovens a assumir-se como importantes grupos de consumo e estando neste momento a entrar no mercado de trabalho, as empresas – com especial enfoque nos retalhistas – são chamadas a desempenhar o papel importantíssimo na mudança neste paradigma ao apostar na Ética como forma de servir bem e fidelizar os seus consumidores (e, consequentemente, de atrair talento).

E quando falo em Ética no campo empresarial não quero dizer que as empresas devam deixar de se reger pelo lucro. Não cedo a populismos que dizem que o lucro é vil e que, neste âmbito, os decisores empresariais não devam pensar nas suas receitas e em lucrar com as suas vendas.

Num Estado de Direito, com regras bem definidas, quem lucra dentro da lei não comete nenhuma transgressão. Presta um serviço ou disponibiliza um determinado bem e é, por isso mesmo, recompensado. E, maior lucro, deve significar que os bens e serviços prestados são desejados e apreciados. Relativamente a isso, nada contra. Tudo decorre com natural legitimidade.

Agora, enquanto sociedade, podemo-nos questionar: haverá lugar para negócios que não visem apenas o lucro, mas que tenham como intuito, por exemplo, a sustentabilidade, nomeadamente na área ambiental e ecológica? Na minha opinião, sim. E tal não precisa de ser feito através do Estado, mas pode surgir organicamente dos arranjos da iniciativa privada. E isto não é uma utopia. Na verdade, é algo que até já tem dado cartas lá fora.

Nos Estados Unidos crescem as “Benefit Corporations”. São empresas que possuem certos benefícios jurídicos por salvaguardarem interesses Éticos ao invés de se focarem somente nos lucros. A ideia surgiu em 2010, no Estado norte-americano do Maryland, e já há 30 Estados (mais o Distrito de Colúmbia) que aplicam legislação que reconhece este tipo de empresas.

E o que as diferencia das empresas ditas “tradicionais”? Nas “B Corporations” como são conhecidas, as obrigações fiduciárias para com os acionistas vão para além de garantir lucro. É preciso assegurar que a empresa cumpra alguns standards ambientais e sociais, além de ter que considerar os efeitos das suas decisões nos funcionários, clientes e comunidade envolvente. Desta forma, o crescimento das empresas não se processa sem uma preocupação com as suas atividades no meio ambiente e social.

E porque é que os retalhistas se devem sentir atraídos por este tipo de práticas? Em primeiro lugar, porque, segundo a conclusão de uma análise a 200 estudos académicos, “88% das fontes revistas concluiu que empresas com práticas de sustentabilidade robustas demonstram uma melhor performance operativa” o que “ultimamente se traduz em cash flow”.

Visto que as empresas que dispõem de métodos sustentáveis na sua cadeia de distribuição e que incentivem práticas sociais são mais apreciadas pelas novas gerações, ignorar esta crescente tendência é desperdiçar uma vantagem competitiva que, a longo prazo, pode comprometer a sustentabilidade dos negócios.

E se as opções existem e já vão sendo experimentadas em vários pontos do mundo, porque não em Portugal? Até pode ser que tenhamos passado por uma crise, mas uma coisa é certa: a crise pode ser financeira e económica, não tem é que ser de valores. Acredito que temos muito potencial para dar cartas e, também neste campeonato, sair vencedores.

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