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“Próximo multibanco bitcoin pode ser instalado já em Março no Algarve”

Por a 18 de Fevereiro de 2015 as 10:04

Entrevista a Joaquim Lambiza, Director-Geral da Bitcoin Já

VEJA AQUI O VÍDEO DA ENTREVISTA

Portugal está “bastante atrasado” na adopção da moeda virtual, considera o director-geral da Bitcoin Já, empresa que instalou o primeiro multibanco para bitcoins no País. Joaquim Lambiza acredita que o turismo pode ser o pontapé de saída para a democratização da moeda virtual

O que é a bitcoin?

A bitcoin é uma moeda virtual que permite fazer transacções de valor de um ponto ao outro de forma instantânea, na internet, portanto é uma moeda que existe no espaço virtual. Consegue fazer as transferências de forma bastante segura, de uma segurança que até hoje nunca se tinha visto, e a um custo praticamente gratuito.

A primeira caixa multibanco, que permite trocar dinheiro por bitcoins, foi instalada no ano passado no Saldanha Residence, em Lisboa, durante o ano passado. Porquê este centro comercial?

Na realidade, o negócio da Bitcoin Já não é explorar a máquina, não é o negócio de comprar e vender bitcoins. Para o nosso produto, o ATM, escolhemos aquele local por ser o ideal para servir de ‘showcase’ das nossas máquinas. Porque o cinema é o mais tecnologicamente evoluído em Portugal, é o único que oferece determinadas características tecnológicas, que mais nenhum cinema em Portugal oferece, e achamos que seria o local ideal. E temos recebido potenciais clientes estrangeiros para ver a máquina. Não esperávamos o impacto que teve na sociedade e a utilização que acabou por ter, que não era nada o nosso objectivo inicial.

Qual foi o impacto que teve na sociedade?

Começaram todos a falar sobre as bitcoins, o que era o nosso objectivo mas não no imediato. Também começaram todos a utilizar a máquina, muito mais do que estávamos à espera, tem sido um fenómeno mediático. Eu digo isto porque a quantidade de pessoas que hoje vão lá tirar fotografias ao lado da máquina é maior do que as pessoas que de facto estão a usá-la. E isso é bom! Significa que as pessoas começam cada vez a falar mais no assunto e a entender.

Como o dinheiro é transformado em bitcoins?

A máquina tem, no seu interior, é virtual mas tem, bitcoins e dinheiro físico, neste caso euros. O que acontece é que se a pessoa quiser comprar bitcoins, mostra o seu número de conta, traduzido através de um QR Code, coloca as moedas e instantaneamente recebe as bitcoins, portanto, é transferido da máquina para a pessoa. Caso contrário, também funciona assim, a máquina mostra o endereço e a pessoa manda para lá as bitcoins, isto em frente à máquina, e depois das confirmações necessárias sai o dinheiro. Um processo bastante simples.

Quais os estabelecimentos em Portugal onde já é possível utilizar as moedas? Apenas no cinema, no caso do Saldanha Residence?

Sim, no Saldanha só no cinema. A adesão dos comerciantes em Portugal tem sido muito fraca em relação aos outros países. A adopção tem sido francamente lenta. Em Portugal, podemos usar em muitos poucos cafés, especificamente bares, e tem-se centrado mais na área do turismo. Há vários apartamentos em Portugal que podem ser alugados através de bitcoins, curiosamente há também vários médicos que aceitam bitcoins. Mas pouco mais. A adopção pelos comerciantes tem sido bastante lenta.

Até agora, qual o volume das transacções feitas? É satisfatório?

É surpreendente. Não era nada do que prevíamos. Aquilo era só mesmo um ‘showcase’ para vender as máquinas e temos tido uma média de 150 transacções por mês. Comparado com outros países é bastante pouco, não é um número interessante. No entanto, pela localização e pelo facto de nunca termos feito nenhuma publicidade paga é bastante surpreendente. Portugal está a crescer a um ritmo bastante lento na adopção das bitcoins.

Porquê?

A questão do atraso português deve-se à falta de divulgação. Não é o facto de estar atrás ou à frente, isso rapidamente se recupera, não é uma questão complicada. Lá fora, por exemplo, já há dois anos pagava o meu croissant e capuccino com bitcoins em Londres.

Há um mês estive na Dinamarca, num bar irlandês com amigos a beber cerveja e foi tudo pago com bitcoins. Existe uma adopção, que é um bocado impulsionada pela necessidade, e nós aqui ainda não a sentimos. No caso, por exemplo, da Dinamarca, que tem vizinhos que usam moedas diferentes da sua, como a Suécia ou Alemanha, o uso da bitcoin é natural. No caso de Inglaterra, que não está no euro, para mim foi uma surpresa bastante agradável poder fazer pagamentos com bitcoins e simplesmente esquecer os custos de câmbio.

O Banco de Portugal alertou, no dia do lançamento do primeiro multibanco, para a insegurança do sistema. Uma vez que não existe um fundo que cubra eventuais perdas dos utilizadores, qual a importância de investir na segurança?

Vou separar as preocupações do Banco de Portugal em relação ao resto. As preocupações do Banco de Portugal são, na minha opinião, essencialmente dirigidas à volatilidade da moeda e ao facto de não serem garantidas nem controladas por uma entidade central.

Em relação à volatilidade da moeda é verdade e eu subscrevo. As pessoas que tencionam entrar no mercado especulativo ou vender bitcoins para ganhar dinheiro, ou então as que querem investir as suas poupanças em bitcoins, cometem um erro bastante grave. O Banco de Portugal aí está a fazer o seu papel e a proteger os utilizadores. Não é para isso que serve o bitcoin neste momento.

O facto de não haver uma entidade central que garanta ou controle, é precisamente a grande vantagem da bitcoin. Toda a ideia de um sistema central é contrário à sua existência e é a descentralização que representa a sua força e a sua segurança.

Em relação à segurança, há uma questão semântica muito complicada. Número um, o sistema bitcoin em si representa uma segurança como nunca existiu à face da terra, é um sistema bastante seguro. Neste momento, o volume de computação ligado à segurança de um bitcoin é superior à soma de todos os super computadores da Terra. Desde 2009, quando se deu a primeira transacção, que essa segurança está a ser posta à prova todos os dias e até hoje nunca falhou.

Tem havido nos media muitas informações sobre pessoas que foram presas por envolvimento em esquemas com bitcoin. Que é que acontece? Quando saímos dessa segurança aí já estamos por conta própria e risco. Os últimos casos ocorridos têm sido em agências de câmbio. Se transfiro os meus bitcoins para uma empresa e se essa empresa entra em falência ou é roubada, os meus bitcoins desaparecem e isso é o que tem acontecido. São empresas sem escrúpulos que desaparecem com o dinheiro, e isso não tem nada haver com os bitcoins em si, tem haver com o que eu faço com os meus bitcoins, a quem entrego e alguém que depois trai a minha confiança. As soluções aí sim passam por regulamentação para controlar essas empresas e a forma como actuam.

Acha que nos próximos anos vai ser criada uma entidade para regular?

É precisamente isso que não se quer. A grande revolução de que estamos aqui a falar é o facto de isto ser descentralizado, de não existir uma entidade central. Todos entendem isso e querem que essa descentralização seja desenvolvida e que possamos ver onde isto vai chegar. A questão da segurança do sistema não está aqui em causa. A segurança do que acontece fora sim, pode ser regulamentada, mas o sistema em si não é essa a ideia, e espero que não aconteça.

Já agora posso falar em relação ao valor, também uma preocupação do Banco de Portugal. A questão de as pessoas investirem e de um momento para o outro a moeda perder o valor. O valor de uma moeda normal, no caso do euro, é controlado por políticas monetárias. Existe uma política monetária central que determina, como aconteceu agora recentemente em que o Banco Europeu decidiu emitir mais notas e desvalorizar a moeda. Foi uma decisão consciente. Nas bitcoins isso não acontece, não podemos descentralizar a moeda e não há ninguém que a controle. Se a quiséssemos controlar teria que haver a noção de política monetária descentralizada, que ainda não existe. Há-de ser inventado no futuro, até lá a moeda é bastante jovem e o que vai acontecer é que o mercado, por si, vai criando sistemas e produtos financeiros que vão acabar por estabilizar o seu preço.

Qual é então o papel da Bitcoin Já?

A Bitcoin Já tem três objectivos. Um deles é criar produtos comerciáveis na tecnologia das moedas virtuais, como foi o caso da ATM (Automater Teller Machine) e como é o caso de outros que estamos a desenvolver para comerciantes. A segunda área, de longe a mais importante, é a área da utilização da tecnologia para criar soluções empresariais, estamos a falar de coisas como os ‘Smartcontract’. A grande revolução não é a moeda em si mas a tecnologia que suporta a moeda. E prevê-se que num futuro próximo, muitas das nossas interacções sociais e empresariais sejam feitas à base dessa tecnologia e nós queremos actuar nessa área. A terceira é a divulgação dessa tecnologia. O nosso papel aqui é precisamente nestas três áreas.

A Bitcoin recebe alguma parcela das trocas comerciais?

Sim. A máquina compra e vende os bitcoins e cobra uma percentagem sobre cada transacção. Essa percentagem neste momento está nos 3%, francamente baixa. Já percorri alguns países europeus e nunca vi uma percentagem tão baixa. Mas o nosso objectivo é mesmo a divulgação.

Os 3% apenas são aplicados apenas em Portugal?

É a própria máquina que define, quem usa o ATM é que define qual a percentagem que quer aplicar. A média tem sido entre os 5 e os 10% nos outros países. É o que se aplica normalmente. A questão desta parcela é que nós temos que pagar a utilização da máquina e também os impostos devidos dessas transacções.

A percentagem aumenta conforme a procura?

É definida por nós. Neste momento, definimos um valor fixo de 3%. Mas isso não quer dizer que mais tarde possamos alterar, dependendo das variáveis da procura e da oferta, no futuro.

Disse que queria ampliar o número de funcionalidades da caixa multibanco de bitcoins. Para já, quais as funcionalidades disponíveis?

Para já é a compra e venda de bitcoins.

Qual será a próxima função?

Tínhamos previsto uma série de funções que entretanto pusemos de lado, depois de termos feito uma ronda pelos potenciais clientes. Mudámos um pouco a nossa estratégia. As funcionalidades vão centrar-se no ‘multi currency’ [multi-moedas], pelo que a máquina pode aceitar em simultâneo, por exemplo, euros e libras inglesas. Depois estamos a trabalhar bastante numa área chamada ‘remittance’ [remessas]. É essencialmente para emigrantes, que trabalham em Portugal, trabalham duro, têm um ordenado legal, pagam impostos e querem enviar parte para casa, pagando uma fortuna em comissões de transferência, impostos, entre outros. Hoje em dia, vão à máquina, trocam algum dinheiro e enviam os bitcoins para casa. Estamos a desenvolver uma solução que permita fazer isso de maneira bastante automatizada e simples.

Há países como a Guiné Equatorial, cuja moeda é muito difícil de trocar em Portugal. Por não haver muita circulação, é difícil encontrar espaços que façam a transacção. As bitcoins permitem facilitar também esse aspecto?

Bastante. Aliás a maior utilização que as bitcoins têm hoje é na área das ONG (Organizações não Governamentais) e do financiamento, das doações e dos micro pagamentos. Por exemplo, conseguimos fazer uma doação para um projecto qualquer em África e ter a certeza é recebido e não há ninguém a ganhar nada no caminho. É instantâneo e imediatamente verificável e utilizável.

A nível dos micro-pagamentos, como esta transferência de dinheiro é praticamente gratuita, podemos pagar alguns cêntimos independente do valor, ou seja, podemos fazer transferências pequenas sem pagar mais por isso.

Existem países onde podemos pagar o equivalente a um euro. Fazer uma transferência de um euro no sistema bancário actual é impraticável porque o custo das transacções supera isso, enquanto na bitcoin isto está a funcionar. Portanto, isto é uma área bastante interessante em que os envolvimentos nessa região está a ser exponencial.

Pretende instalar mais caixas multibanco para bitcoins noutros espaços? Quais?

Como disse, a nossa primeira máquina era um ‘showcase’ e a nossa vontade e intenção era encontrar empresários que quisessem adquirir a máquina, contando ou não com a nossa ajuda, e explorá-la. Portanto, arranjam eles os sítios para as colocar. Não temos tido, digamos assim, propostas concretas, só temos intenções mas não passam disso. Até definimos uma meta. Até ao final de Fevereiro se não encontrarmos ninguém que queira explorar a máquina, vamos criar uma divisão e vamos colocar a máquina noutro local. Um dos locais é o Algarve, porque é onde existem turistas, já em Março.

Quando fui a Inglaterra consegui comprar produtos e serviços sem passar por uma casa de câmbio e existe também essa oportunidade que pode ser dada aos ingleses que vêm cá a Portugal e que querem gastar o seu dinheiro mas não estão para gastá-lo no sistema financeiro actual.

E seria também num espaço comercial ou num espaço de rua?

Não tenho limitações. Pode ser num café, bar, no aeroporto. Onde se poder negociar o melhor sítio com os melhores horários. No caso do Saldanha, o cinema tem uma limitação só abre às 13h, portanto o sistema em meio-dia desaparece. Isto são limitações que não haverá para a segunda máquina.

Quando se dará o ‘boom’ das bitcoins? Em Portugal e no mundo?

Por detrás da palavra ‘bitcoin’ existem duas coisas diferentes. Uma é a moeda em si e a outra é a tecnologia. Como moeda, acho que em Portugal vai ser mais impulsionada pelos estrangeiros, a comunidade estrangeira radicada em Portugal e os turistas. Quando? Acho que aquilo que vamos fazer no Algarve é que nos vão dar uma visão mas completa do que podemos esperar. Mas acabamos sempre por seguir o que acontece nos outros países e a evolução esta a ser bastante rápida, por isso, calculo que daqui a dois anos a moeda já esteja a ser mais utilizada em Portugal.

Ao nível de tecnologia, o meu grande desejo é que as empresas em Portugal, nomeadamente na área da distribuição, queiram olhar e conseguir entender no que é que esta tecnologia os pode ajudar, porque as limitações não existem e o potencial bastante impressionante.

Que oportunidades há para a distribuição?

Neste momento, no mundo inteiro estão a surgir centenas e centenas de empresas ‘Start ups’, exclusivamente dedicadas a esta área, à tecnologia que suporta a moeda. Estamos a falar de ‘smart contract’ que, por exemplo, na área da distribuição tem um potencialidade bastante grande, outro caso são os ‘assets’, toda a gestão através deste sistema de tecnologia das bitcoins, que nós chamamos de ‘block chain’. Existem inúmeras possibilidades e o que parece é que em Portugal, tal como esta a acontecer lá fora, começo a ver esse interesse.

Para terminar, considera que a democratização do sistema ajudaria a dinamizar a economia portuguesa?

Em relação à economia em si, o que ajudaria era haver mais investimentos na área. Não me preocupa estarmos atrás a nível do método de pagamento bitcoin, porque isso facilmente se recupera. Mas no que diz respeito a desenvolver a economia através deste sistema, Portugal está bastante atrás. Há países em que as próprias entidades governamentais exigem ao mercado que comece a desenvolver soluções nesta área para não ficarem atrás, nós estamos definitivamente atrás. O desenvolvimento da economia portuguesa passaria por mais empresas a investirem nesta área, sobretudo porque é bastante jovem, e começar logo em frente do plutão, e não esperar até passar as oportunidades.

– Alteração

12h18 do dia 19 de Fevereiro de 2015:

“No caso, por exemplo, da Dinamarca, que tem vizinhos que usam moedas diferentes da sua, como a Suécia ou Alemanha, o uso da bitcoin é natural”.

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