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Como contar uma boa história?, por Edson Athayde

Por a 26 de Agosto de 2014 as 12:45

Por Edson Athayde, publicitário e escritor*

Apesar de ser um conceito actualmente na moda, o ‘storytelling’ remonta a 335 A.C., quando Aristóteles lança os pilares da poética, que vêm separar o imaginário do real, a ficção da realidade.

‘As Mil e Uma Noites’, colecção de histórias e contos populares originários do Médio Oriente, são, talvez, o primeiro grande publicitário do ‘storytelling’.

‘Storytelling’ não é mais do que uma narrativa. Na sua definição técnica é a arte interactiva de, através de palavras e imagens, contar histórias estimulando a imaginação do receptor. Hoje, já temos programas que moldam as narrativas. Ainda não temos programas que as criem, mas não deve estar muito longe o tempo em que vão inventar esses programas. Os latinos têm um pouco a mania de que uma história tem de ser contada com palavras. Esquecem as imagens. E a verdade é que não basta contar uma boa história, é preciso cativar o receptor. Quando mais você for capaz de embelezar a história, mais audiência garantirá.

O mundo mudou. Somos incapazes de desligar da realidade. A cada 35 segundos perguntamo-nos qual o sentido da vida. E vamos criando realidades paralelas. Por exemplo, os norte-americanos passam, em média, por dia, cinco horas em frente à TV e outras tantas a ouvir música, muitas vezes em movimento. E, por outro lado, passamos cerca de oito horas diárias sonhando com histórias. Ou seja, um terço da nossa vida sonhamos acordados. É por isso que é tão difícil cativar a atenção das pessoas. Costumo partilhar a metáfora dos átomos. Apesar de o universo ser constituído por átomos há mais histórias no mundo do que átomos. Todos temos uma história para contar: pessoas, famílias empresas e marcas.

Não basta a história, é preciso saber como contar!

A ‘selfie’ que a apresentadora Ellen Degeneres publicou no Twitter durante a apresentação da edição deste ano dos óscares foi partilhada por 219 mil pessoas logo no primeiro minuto e registou mais de 3,3 milhões de partilhas. É uma história muito forte. Quase equivalente à chegada do homem à lua. Esta história, que colocou as ‘selfies’ na ordem do dia, traz também a ideia de que os actores de Hollywood são pessoas comuns, iguais a todos nós, até tiram ‘selfies’ como nós!

Há algo que nunca pode ser esquecido. As pessoas acham o que querem achar e não o que lhe dizemos. Por exemplo, dê uma notícia sobre uma descoberta de um cientista e as pessoas vão achar que é uma verdade absoluta.

As histórias a contar podem ser grandes (lendas, contos, épicos) ou curtas (anedota, pequeno conto), depende da ambição, das necessidades e dos recursos disponíveis. Regra geral, as grandes narrativas integram campanhas longas e integradas que cruzam vários suportes e as pequenas passam em ‘spots’ publicitários de poucos segundos. Assim, não basta saber o que dizer, é preciso saber contar a história. O resto é experimental, como a dimensão, os suportes escolhidos, entre outros.

A ditadura das narrativas e a era da desinformação

Abandonámos a sociedade da informação para entrar na ditadura das narrativas. É por isso que somos desatentos, somos bombardeados com narrativas a toda a hora. Estamos na era da desatenção. Por exemplo, repare quando está no comboio. O estranho é quando alguém não está a interagir com alguma coisa, um smartphone, um tablet, um livro. Não tenho os números de Portugal. Mas, no Brasil, por exemplo, mais de 30% das pessoas utilizam o Twitter enquanto assistem à telenovela. Há quatro anos nem sequer existia esta rede social no Brasil. Os brasileiros já passam mais tempo online do que a assistir TV. É por isso que as pessoas misturam as narrativas, a realidade com a fantasia. Neste ambiente, quem tiver a melhor narrativa é quem ganha! Ganha atenção, interesse, vontade e quem sabe a compra.

As pessoas metem o nariz em tudo. A sociedade quer interferir na história. As pessoas acreditam que se não tiverem uma história para contar não têm vida. Mudou a forma como a sociedade vê a comunicação empresarial. A sociedade contesta tudo e nada é tendencialmente simples. As pessoas sentem necessidade de contribuir para a história, porque é divertido e as faz rir. A sociedade tricota as narrativas. O tricot é, no entanto, mais comum entre os jovens. Quem tem menos de 25 anos acredita que é dono da história e que a história acontece com a sua interferência. Por exemplo, uma campanha da Unicef no Brasil que dizia “fazer likes não salva vidas” levou muita gente a abandonar as redes sociais. As pessoas sairam para ajudar a fazer a história.

Todo o discurso é feito para ser utilizado

Todo o discurso é feito para ser utilizado. E o que não é o esforço publicitário inicial ganha um novo sentido. Dois exemplos. Um anúncio de uma marca, a propósito do Mundial do Brasil, apostava no ‘soundbite’: “Vem para a rua, a maior bancada do Brasil”. A frase “Vem para a rua” foi uma das mais utilizadas nos cartazes das recentes manifestações que provocaram confrontos entre a polícia e os manifestantes. O discurso ganhou um novo sentido na boca dos manifestantes. Outro exemplo. Uma campanha de uma marca de bebidas no Brasil democraticou a expressão “O gigante acordou”, também umas das frases mais utilizadas nos cartazes das manifestações.

Sem ‘plot’ não há história. Todas as histórias têm de um ponto de arranque para instigar as pessoas a pensar no assunto, se não, não rola. Um escritor disse um dia que só há 32 histórias possíveis de contar no mundo ocidental. Está tudo inventado. Os contos populares têm núcelos simples. A história começa com um héroi, que pode ser uma tartaruga ou uma formiga, que sofre um dano ou tem uma carência que quebra a sua rotina. E é no percurso do ponto A para o ponto B que a história se vai desenvolver. Drama é acção. Acção é movimento. Quando regresa, o héroi está modificado, já não é mais a mesma pessoa.

Sem conflito não há história!

Segundo os três actos de Aristóteles, no começo há que configurar a história e introduzir um catalizador. No meio dá-se a escalada até à viragem. No último acto, dá-se o climax e a resolução. É muito comum em publicidade o produto ser a solução para o problema, devido à aposta em anúncios curtos.

As boas histórias são como o oxigénio. Andam sempre no ar. Toda a gente gosta de uma boa história de amor. Rapaz encontra, desencontra e volta a encontrar a sua amada. Sem conflito, não há história. E não é preciso muito dinheiro para contar uma boa história mas precisa certamente de uma boa história se tem pouco dinheiro. Com uma boa história, é possível convencer qualquer pessoa.

As marcas tem de perceber a diferença entre informar, comunicar e narrar. Mais do que entretenimento, a sociedade está à procura de marrativas. Estamos afogados em informação e sedentos de novas histórias. Quem não conta boas histórias ou fica esquecido ou desprotegido.

*Depoimento recolhido por Rita Gonçalves

 

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